"E na cena nos manda brasa, os cop tá na caça e eu não sou presa, nem tua. Quer ter moral na rua, mas a rua não é tua casa. Pra ter moral na rua, só o que a rua abraça. Pega o teu e vaza". É com esses versos que Dame de Maria Gois Teodosio, conhecida no meio artístico como Má Dame, inicia a música "Na Cena".
Com presença de palco inconfundível, voz marcante e a representatividade que possui na cena musical da Cidade, a artista evidencia de forma combativa, em suas rimas, a realidade de quem vive na periferia. Quatro anos após o lançamento do seu primeiro EP, Má Dame trabalha no projeto "Mixtape Codinome Rosatômica", uma produção do Laboratório de Música da Escola Porto Iracema das Artes, que vai ser lançado nesta quarta, 22, e integra a programação de férias do equipamento.
"Estamos criando e produzindo a ideia dessa sonoridade e visual desde meados de 2021, eu e Nego Célio. São composições que trago desde 2019. A tutoria e produção está com DJ CIA e estamos muito felizes enquanto equipe pela oportunidade. No show estamos trazendo a sonoridade que aprontamos durante esses meses de produção no laboratório do Porto", explica.
Foi através das poesias e dos saraus que a cearense descobriu a paixão pelo hip-hop e o desejo de viver da música. O nome artístico surgiu de referências de rappers que utilizam contrações antecedendo seus nomes artísticos, como Lil' Kim ou Bad Bunny, por exemplo.
"A necessidade de voz" foi o que a incentivou a começar a cantar. A artista, que é cria do bairro Quintino Cunha, percebeu que, por meio da arte, conseguiria expor o cotidiano urbano que a atravessa e instiga.
"É rap, né? É a necessidade de voz, de vida. O rap sempre foi a trilha sonora da minha família. Minhas maiores referências são sempre esses frutos da cultura que, para tantos, são vistos como 'cultura de rua' — os saraus, os movimentos de reggae, o hip hop e suas vertentes", diz.
O apego à literatura e à poesia surgiu ainda na infância. O conto "Filosofia de Um Par de Botas", de Machado de Assis, foi o que a "prendeu" nesse mundo imaginário cheio de possibilidades e a instigou a começar a escrever. "Sempre gostei de ler, desde a infância. Não lembro bem quando surgiu a poesia, mas foi logo na infância. De alguma forma, em algum momento, eu sabia que estava fazendo poesia", conta.
Quando questionada sobre referências na profissão, a artista cita seus companheiros cearenses. "Hoje tenho a possibilidade de ter na minha equipe pessoas que sempre citei como referências, como Nego Célio e João Pedro (JPreto). Além disso, artistas como 6lecaute, Mateus Fazeno Rock e Di Ferreira são daqueles que me inspiram a criar e gerir meu corre".
Obstáculos para enfrentar
Com letras afiadas, Má Dame vem conquistando seu espaço na cena do rap. Seu primeiro álbum, "No Fio da Navalha", lançado em 2020, trouxe uma sonoridade underground da cultura fortalezense. Na faixa "Holocausto da Capital", por exemplo, a artista coloca em suas rimas a desigualdade social e os problemas urbanos que acontecem na Cidade.
E entre todas suas composições, se arrisca a citar "Estado Mental", música que produziu com Nego Célio como uma das que a toca de maneira especial. "Porque nela sinto que dichavo bastante sobre o que é ter que correr por essa cidade. Além de que amo o beat dessa música", diz.
Para Má Dame, os desafios durante o processo de produção foram muitos, obstáculos que precisou enfrentar para o projeto ganhar vida, fatores que mantiveram sua vontade de seguir e focar mais na sua resolução.
Mas enfatiza que o respeito ao seu pronome e corpo em determinados locais de trabalho ainda persistem e que não acredita que o preconceito irá cessar. "Sou uma pessoa trans, uma travesti nessa cidade, nesse Estado. Nessa cena que todos olham e dizem 'ah, mas você sabe o quão essa cena é predominantemente masculina?' e é, eu sei. Isso é verdade", elucida a artista.
Acompanhe a artista
Show do projeto Mixtape Codinome Rosatômica
Programação da Escola Porto Iracema das Artes