Em edições anteriores do Festival de Cannes seria muito improvável que um filme como "Anora" vencesse a Palma de Ouro, especialmente pelo seu impulso muito ligado às comédias elétricas norte-americanas. No dia em que foi exibido, porém, o burburinho se tornou uníssono pelos corredores porque o diretor Sean Baker e Greta Gerwig, diretora do fenômeno "Barbie" que havia sido escolhida para presidir o júri, vinham de uma esfera parecida do chamado "cinema indie" americano com tramas urbanas de baixo orçamento.
A trama apresenta Ani, uma dançarina profissional que vê sua vida virada de cabeça para baixo quando um cliente russo se apaixona por ela e paga pela exclusividade, tirando-a da vida noturna para dedicar-se ao seu desejo. A ideia parece um paraíso porque o garoto é filho de um magnata e nada em dinheiro, podendo oferecer para ela quase que absolutamente tudo. Ela, claro, embarca. O sonho, claro, está condenado à demolição.
O filme tem causado reações explosivas da plateia porque mergulha numa odisseia de festas, viagens e sexo, contando com o humor de que o jovem é um bilionário alheio à realidade e age como um adolescente que transa muito rápido, como se emulasse um vídeo pornô, e tem ódio quando sua partida de videogame é atrapalhada. Então o filme engata a marcha de forma muito divertida e não consegue mais desacelerar, entrando em espiral de tesão e adrenalina num caos irreversível.
Aos 25 anos, Mikey Madison vem sendo alçada ao estrelato súbito pela fisicalidade da sua interpretação, encarando com muita seriedade uma persona que facilmente seria rasa nas mãos de uma comédia tradicional. Mesmo sendo bem mais madura e não sentindo o mesmo prazer sexual que o parceiro, Ani não reclama dessa configuração porque, por enquanto, ela está ali pelo negócio. Mas essa certeza vai se perdendo e a personagem ganha camadas cada vez mais interessantes.
Mesmo sendo uma novata ao lado de nomes como Demi Moore, Cynthia Erivo, Marianne Jean-Baptiste, Karla Sofía Gascón, Nicole Kidman e até Fernanda Torres, ela chega como a principal certeza entre as apostas para as indicadas ao Oscar de Melhor Atriz. No BAFTA deste ano, além da categoria principal de atuação, ela também está indicada ao prêmio de "Astro em Ascensão".
De todas as personagens de Sean Baker, Madison é a que incorpora com mais fascínio a veia tragicômica do autor no seu olhar para os EUA e as promessas frustradas de uma da sociedade livre e "repleta de oportunidades". Na ilusão de que está finalmente em ascensão por conta do conturbado relacionamento com aquele desconhecido, ela tenta tomar as rédeas e aos poucos vai descobrindo o que está camuflado por debaixo desse "sonho americano". É quando a comédia vira tragédia e, de repente, nos abandona. "Anora" chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 23.
Onde assistir