Logo O POVO+
Vida&Arte 36 anos: Há utilidade no jornalismo cultural?
Vida & Arte

Vida&Arte 36 anos: Há utilidade no jornalismo cultural?

Na esteira das comemorações dos 36 anos do caderno de cultura mais longevo do Ceará, Vida&Arte dimensiona os impactos do jornalismo cultural na sociedade
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
O Vida&Arte completa 36 anos discutindo a importância do jornalismo cultural para a sociedade (Foto: Pixabay)
Foto: Pixabay O Vida&Arte completa 36 anos discutindo a importância do jornalismo cultural para a sociedade

Quando o leitor abre as páginas de um jornal — sejam elas virtuais ou físicas —, expectativas diversas imperam a depender do segmento selecionado. O olhar para o esporte é um, para a política, outro, por exemplo. Por um lado, pode existir o interesse em saber o resultado da última partida do seu time. Por outro, o desejo nos desdobramentos dos diálogos entre Prefeitura e Estado.

Mas quais podem ser as expectativas que recaem sobre o jornalismo cultural? Apenas a divulgação de agenda de eventos? Ou divulgação de novos artistas? Quem sabe, talvez, debates sobre políticas públicas para a Cultura? As possibilidades também se expandem. Há mais de três décadas o Vida&Arte se equilibra nelas.

Na esteira das comemorações dos 36 anos do caderno de cultura mais longevo do Ceará (celebrados na sexta-feira, 24), o Vida&Arte reflete sobre as dimensões de seu fazer, da recepção de leitores à formulação da agenda cultural, bem como os olhares sobre a gastronomia. Hoje, é tempo de saber: afinal, a quem importa o que é produzido no jornalismo cultural?

O poeta, produtor cultural e leitor assíduo Talles Azigon aponta percepções sobre como matérias de jornalismo cultural repercutem para leitores e artistas. Ele elenca funções como a de “manter o público informado” e a construção de uma “memória da arte e da cultura de um povo”. O artista também ressalta um ponto fundamental: a validação de artistas e grupos “em tempos de concorrências públicas para financiamentos e patrocínios”.

“Para além dessas funções pragmáticas, o papel tem sua magia. Já vi muita gente se emocionar ao se ver retratada em uma reportagem por seu trabalho. O texto impresso ainda é — e continuará sendo — uma experiência inerente da nossa experiência de civilização”, elabora o criador da Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária.

Em sua avaliação, o segmento deve mostrar que “artistas não são deuses”, são “pessoas vistas por pessoas”. Assim, quando um “bom jornalista de cultura consegue comentar uma obra, ele traz a arte para o chão”. “Muitos escritores e poemas conheci em reportagens de jornais e de revistas e continuo usando essa ferramenta para entender o cenário da atualidade da arte”, destaca.

Nesse sentido, enfatiza o papel do jornalismo cultural para situar leitores no mundo da arte, que “deve ser de todos”. Ele pontua a importância da área “não cair na armadilha do instantâneo da internet”: “O jornalismo cultural, quando vai ao encontro da artista, da mestra, do mestre, registra, pensa junto, resume, lista e aponta, ajuda muito as leitoras e leitores a se situarem também no mundo da arte que deveria ser o mundo de todos nós”.

Diante da explanação, é inegável a relevância ocupada pelo jornalismo cultural ao longo dos anos — área que, “em termos de Brasil”, teve seu auge entre a segunda metade dos anos 1980 e o início dos anos 2000, como destaca Naiana Rodrigues, professora e coordenadora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A pesquisadora lembra como havia uma variedade de veículos especializados e dedicados aos diferentes formatos do jornalismo cultural, com resenhas, críticas e reportagens sobre diversas linguagens artísticas. Além disso, cita como os próprios jornalistas tinham especializações nos assuntos contemplados — da moda à gastronomia.

Com o processo de plataformização da internet, surgimento das redes sociais e mudanças na estrutura de produção jornalística, houve reconfigurações, entre perdas e adaptações. O número de críticos, por exemplo, diminuiu. Entretanto, a professora ressalta como o jornalismo cultural ainda resiste em meio a adversidades.

Naiana Rodrigues, que também é professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC (PPGCOM - UFC), compartilha a experiência em sala de aula. Ela percebe “minoridade” no interesse pelo jornalismo cultural em novos estudantes, mas ainda há aqueles que se visualizam na área.

Há, porém, desejo maior pela atuação em plataformas, sobretudo no YouTube, por meio da crítica. Segundo a professora, as três grandes áreas de interesse que mobilizam jovens jornalistas no segmento cultural na UFC são o Cinema, a Televisão e a Literatura.

Em sua visão, os futuros novos profissionais compreendem a importância do jornalismo cultural e “até lamentam não haver diversidade maior” em outros veículos.

“Essa compreensão da importância do jornalismo cultural se dá principalmente quando eles entendem que, para ter mais produções culturais, é preciso haver um jornalismo que esteja observando, fiscalizando e cobrando do poder público ações que fomentem a produção cultural. Acho muito interessante, porque eles têm essa noção do papel do jornalismo que fiscaliza em relação às políticas culturais”, compartilha.

Quanto a uma possível “utilidade” do jornalismo cultural, para Naiana Rodrigues é mais interessante pensá-lo, em vez de “uma função”, a partir do significado da palavra “cultura”, que envolve tanto a economia quanto a política. Ela, pois, versa tanto sobre uma dimensão macroestrutural como a definição do que é uma nação quanto sobre um aspecto mais microssocial, em uma dimensão mais subjetiva.

“Enquanto consumidora de jornalismo cultural, para mim é muito mais interessante quando o campo consegue estabelecer essa relação dialética com a sociedade, construída a partir de diferentes temáticas que atravessam o que consideramos como cultura, relativas à política — como políticas públicas — ou à economia, como a indústria cultural”, analisa.

Nas últimas três décadas, o Vida&Arte se notabilizou pelo equilíbrio entre a divulgação de programações culturais, a ascensão de novos artistas e a fiscalização de políticas voltadas à cultura, como anteriormente mencionado por Naiana Rodrigues.

Para a jornalista Regina Ribeiro, o jornalismo cultural “alterou muito sua configuração”, amenizando o debate, fazendo jornalismo de serviço (“o que é bom”), mantendo a interação com os artistas e principalmente tentando dar conta do cenário da arte local.

Ainda assim, avalia que O POVO segue mantendo o debate no campo das políticas públicas. Editora do Vida&Arte entre 2004 e 2009, afirma ter tido a “sorte” de ser gestora em um período “excelente” no qual o impacto das redes sociais ainda era mínimo e o jornalismo cultural era, sem dúvidas, uma “voz importante para reverberar ideias e produtos no campo da cultura”.

Em sua avaliação, o jornalismo, como um todo, precisa “fomentar ideias e debates nesse vasto cenário que é a vida nesses tempos de transformação intensa no campo cultural”, incluindo a arte, os artistas e os públicos diversos. Além disso, precisa ser crítico e analisar políticas públicas voltadas para a cultura.
Para a jornalista, O POVO consegue mostrar as tendências e os novos artistas, o que tem um papel muito importante. É relevante também o registro feito pelo jornalismo, algo que o Vida&Arte assumiu em diversas frentes nos últimos 36 anos.

“O Vida&Arte teve e continua tendo um papel fundamental na vida de muitos artistas do Ceará. Historicamente, O POVO tem um legado transformador nessa área. Os embates fazem parte desse processo. Além disso, o caderno sempre esteve atento às questões do urbanismo do ponto de vista da arquitetura, travando um debate muito interessante sobre a memória da cidade e isso também teve e continua tendo um papel muito relevante. Destaco também o fato de ser vigilante quanto ao exercício crítico das políticas públicas voltadas para a Cultura e ter um olhar sensível aos equipamentos culturais”, conclui.

O que vem por aí

O Vida&Arte continua as matérias de celebração de seus 36 anos nesta quinta-feira, 23, e na sexta-feira, 24, data do aniversário.

O que você achou desse conteúdo?