Quando Fernanda Torres entrou no estúdio do "Jimmy Kimmel Live!", programa de televisão popular nos EUA, era perceptível que o apresentador não tinha se preparado, de fato, para recebê-la. Pautado pelo tom rígido e cruel de "Ainda Estou Aqui" sobre a ditadura militar brasileira, ele talvez esperasse uma entrevista mais tensa e contida. Fernanda Torres, porém, é sempre uma explosão. A gente já está acostumado, mas a indústria dos EUA não estava.
O programa foi exibido em 16 de janeiro, véspera do último dia de votação para os indicados ao Oscar 2025. A presença firme e carinhosa dela naquele dia tão importante, inclusive apresentando o filme no contexto da história política americana, foi a cartada final para cravar vaga na categoria "Melhor Atriz", tornando-se a segunda brasileira indicada — depois da própria mãe, Fernanda Montenegro.
A campanha feroz da Sony Pictures Classics, no entanto, foi além. A indicação na principal categoria do Oscar, de "Melhor Filme", ao lado de musicais, blockbusters aclamados e até filme da Netflix, marca a história do cinema brasileiro de um jeito tão único que chega a assustar. "Ainda Estou Aqui" superou expectativas — nacionais e internacionais — arrematando as indicações com uma terceira categoria: "Melhor Filme Internacional".
Diante do imperialismo cultural dos EUA sobre o Brasil, que chega a ocupar até 80% das nossas salas com seus grandes "filmes-eventos" da cultura pop, essa presença ganha uma força enorme. Principalmente porque não estamos falando de uma comédia ou de uma aventura, mas de um drama que conta o passado militar ainda tão corrosivo na política brasileira.
Convivendo com esse grande entusiasmo, porém, precisamos perceber que a olhar pela configuração de hoje, não somos favoritos a nenhuma das três categorias. Com o recorde de 13 indicações, o francês "Emília Pérez", de Jacques Audiard, seria o vencedor da categoria Internacional se a votação fosse hoje. Mas o filme vem causando controvérsia no México pela forma como retrata o conflito dos desaparecidos no contexto do narcotráfico, mesmo que também tenha celebrações importantes — Karla Sofia Gascón, principalmente, a primeira mulher trans indicada na categoria.
Mesmo que a favorita ainda pareça ser Demi Moore, o impacto de Fernanda Torres ainda não foi propriamente medido. O filme estreou nos EUA apenas no fim da semana passado, mas já em primeiro lugar na média de salas ao ultrapassar filmes como "Sonic" e "Mufasa". Guy Lodge, crítico do jornal britânico The Guardian, aponta que ao assistirem ao filme em fevereiro, "muitas pessoas mudarão seu voto planejado para Melhor Atriz".
A corrida, portanto, está só começando. As indicações nas três categorias dão uma sobrevida na campanha que parecida vencida pelo tsunami francês. Com mais de um mês de trabalho pela frente, tudo pode acontecer. O diretor Walter Salles, Fernanda e a Sony, certamente, não vão medir esforços para amplificar ao momento histórico e virar esse tabuleiro do avesso.
A Prefeitura de Fortaleza preparou atrações nacionais para o Carnaval, mas no domingo, 2 de março, grande parte da religiosa e incontível folia brasileira vai pausar trompetes e tambores para segurar a respiração naqueles cinco intermináveis segundos, quando uma nação inteira vibrará em silêncio na expectativa de se ver em cima daquele palco tão distante que, de repente, pode parecer de casa. "E o Oscar vai para…".
Os indicados das categorias
Melhor Atriz
> Demi Moore, "A Substância"
> Mikey Madison, "Anora"
> Karla Sofía Gascón, "Emilia Pérez"
> Fernanda Torres, "Ainda Estou Aqui"
> Cynthia Erivo, "Wicked"
Melhor Filme Internacional
> "Ainda Estou Aqui"
> "A Garota da Agulha"
> "Emilia Pérez"
> "A Semente do Fruto Sagrado"
> "Flow"
Melhor Filme
> "Emilia Pérez"
> "O Brutalista"
> "Anora"
>"Conclave"
> "Um Completo Desconhecido"
> "Ainda Estou Aqui"
> "Nickel Boys"
>"Wicked"
> "Duna: Parte 2"
> "A Substância"
O poder do cinema nacional
O Brasil é conhecido por sua paixão vibrante, uma energia que transforma vitórias em celebrações coletivas. Não é à toa que somos reconhecidos como o "país do futebol", com a seleção pentacampeã mundial como emblema dessa dedicação.
Mas a identidade brasileira vai muito além dos gramados. Ela pulsa também nas cores das telas de Tarsila do Amaral, nas palavras imortais de Machado de Assis, na melodia de Tom Jobim e na ousadia arquitetônica de Oscar Niemeyer. Nosso cinema, por sua vez, carrega a mesma alma vibrante que define nosso povo.
Desde os anos 1960, quando "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, arrebatou o mundo em festivais internacionais, o cinema nacional vem pavimentando uma trajetória de conquistas e resistência.
Em 1999, Fernanda Montenegro emocionou o planeta com sua indicação ao Oscar por "Central do Brasil", gravando seu nome na história da sétima arte. E hoje, mais de duas décadas depois, outra Fernanda — sua filha, Fernanda Torres — reafirma a força do cinema brasileiro em um palco global. No dia 23 de janeiro de 2025, o Brasil celebra uma conquista histórica. "Ainda Estou Aqui", dirigido pelo consagrado Walter Salles, alcança três indicações ao Oscar: "Melhor Filme", "Melhor Filme Internacional" e "Melhor Atriz", para a emocionante performance de Fernanda Torres. Este é um momento que transcende prêmios. É um marco que ecoa a resiliência e a criatividade do cinema nacional.
Fernanda Torres entrega uma atuação visceral em um longa que reflete as feridas de uma ditadura que ainda ressoa na memória do País. Baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, filho da personagem principal Eunice Paiva, sobre uma família cujo patriarca foi raptado e morto pela ditadura militar, "Ainda Estou Aqui" é uma homenagem à coragem e à busca pela verdade.
Mais do que nunca, "Ainda Estou Aqui" não é apenas um título; é uma declaração. Uma declaração de existência, resistência e, acima de tudo, esperança. E, ao olhar para essa história ser escrita diante de nossos olhos, fica claro que o Brasil, em sua cultura e em sua alma, está, e sempre estará, aqui. (Jansen Lucas)