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Da Grécia para o mundo, a história e as histórias do canto lírico
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Da Grécia para o mundo, a história e as histórias do canto lírico

Existem diversas formas de expressar a arte, o canto é uma delas. Mas você conhece o canto lírico?
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 23-01-2025: Na foto, o cantor lírico Leandro Cavalcante. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 23-01-2025: Na foto, o cantor lírico Leandro Cavalcante. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Na Grécia Antiga, não existiam microfones ou equipamentos que permitissem uma grande propagação da voz, mas havia a necessidade de espetáculos para grandes públicos. Peças teatrais e apresentações musicais eram comuns ao povo grego e atraiam um público crescente, porém, como a voz chegaria a uma quantidade expressiva de pessoas sem o auxílio de tecnologia?

Assim, surgiu o canto lírico ou canto erudito, um tipo de estética vocal que tem conexão com a história e a evolução da técnica vocal. Essa modalidade foi criada para atingir grandes públicos sem a necessidade de aparelhos que amplificassem a voz. É uma forma de expressar a arte que requer muito estudo e preparo físico do cantor.

Foi da Grécia, inclusive, que veio a cantora Maria Callas - considerada a maior soprano docanto lírico em nível global e morta prematuramente aos 53 anos, em 1977, vitimada por um infarto. No cinema, ela foi interpretada por Angelina Jolie e as imagens do longa-metragem, que segue em cartaz em Fortaleza, estampam as páginas do Vida&Arte deste domingo.

A professora de canto lírico e popular da Universidade Federal do Ceará (UFC), Maria Juliana Linhares, explica que o surgimento dessa modalidade se deu quando os grupos de música começaram a aumentar, assim como as orquestras, e a voz também tinha que acompanhar esse progresso. "Teve-se uma evolução da tecnologia, mas a voz era a mesma. Então, começaram a desenvolver técnicas para cantar", explica.

O estilo musical começou a se destacar por sua expressão vocal, que permite graves imponentes, agudos limpos e vibratos uniformes. É muito associado à ópera, revelando os contornos da união da música lírica com o teatro.

O canto lírico é uma expressão que envolve recursos fisiológicos do praticante, como comenta o cantor lírico, Leandro Cavalcante, formado na graduação em Música na Universidade Estadual do Ceará (Uece). "Envolve uma série de treinamentos e desenvolvimentos fisiológicos por parte do músico, para que a voz se transforme em um instrumento musical com um estilo específico", explica.

A voz é projetada para ser escutada em grandes teatros e conchas acústicas, por exemplo, e não perder espaço para os instrumentos, mas completar o espetáculo. "Esse estilo detém uma qualidade biológica que faz com que seja possível que você cante lado a lado com uma orquestra", fala o cantor lírico.

O musicoterapeuta Glairton Santiago explica que o cantor lírico deve trabalhar o seu corpo e a mente
O musicoterapeuta Glairton Santiago explica que o cantor lírico deve trabalhar o seu corpo e a mente

O canto lírico requer preparação

Uma orquestra pode possuir até 120 músicos e o cantor lírico precisa ter uma preparação que o capacite a acompanhar a força dos instrumentos. O musicoterapeuta Glairton Santiago explica que o artista deve trabalhar o corpo e a mente para entregar uma alta performance.

"A musculatura que vai ser trabalhada para a respiração e para a própria produção do som vocal é a laringe. Para a utilização dos ressonadores vocais (conjunto de elementos do aparelho fonador que se relacionam entre si, moldando e projetando o som no espaço) para gerar a amplificação da voz e para dar a timbragem vocal de um canto erudito", comenta o musicoterapeuta.

O preparo da voz é feito de uma forma sistemática, com um grande volume de treino e requer cuidado com a saúde de uma maneira muito mais ampla, porque "a exigência da performance também é maior".

O cantor Leandro Cavalcante compara o canto lírico ao sistema de uma academia. "Na musculação temos que seguir um treino e sempre procurar evoluir, praticar o canto lírico é igual. É uma prática que exige muito do aparelho vocal e respiratório, então é importante treinar para não levar nosso corpo à exaustão", relata.

"Não se faz ópera sem uma orquestra sinfônica"

O canto lírico é uma arte que exige muito dos artistas em termos físicos e culturais, mas que muitas vezes não é devidamente reconhecida. O cantor Leandro Cavalcante expressa sua indignação e decepção com a falta de espaço que o canto lírico possui em Fortaleza, "nós não temos uma institucionalização".

"Nós não temos uma orquestra sinfônica em Fortaleza. Isso é uma vergonha, porque nós somos uma das maiores capitais do Brasil, com estrutura de grandes teatros. Eu friso na tecla da orquestra sinfônica porque ela é a semente para a gente ter o canto lírico mais presente em Fortaleza. Não se faz ópera sem uma orquestra sinfônica. Vamos sempre depender de projetos milionários para fazer um trabalho que ficará em cartaz por apenas um mês. Então, a gente vai andar em círculo sempre", relata.

Apesar das dificuldades, o cantor também exprime a realização de ver o cenário lírico ganhar espaço aos poucos. "Tem muita gente querendo fazer acontecer", comenta. No último ano, foi inaugurada a Escola de Música de Fortaleza, que possui uma aula para o canto lírico, porém "o espaço ainda é restrito, a gente poderia alcançar mais pessoas", sintetiza Leandro.

Uma grande fomentadora do canto lírico em Fortaleza é a universidade, por meio de projetos de extensão que conseguem fazer uma movimentação do lírico na Capital. A professora Maria Juliana Linhares conta: "a cena de canto lírico e da música de concerto esteve por um bom tempo em um momento um pouco apagado. Só que nos últimos anos, por vários fatores, essa cena acabou sendo reavivada".

Ela é atualmente o nome que mantém vivo o canto lírico na UFC, mas essa expressão artística também está dentro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). A professora explica que, nos últimos anos, diversos profissionais do canto erudito retornaram à cidade, possibilitando essa força na área acadêmica.

Aparecida Silvino leva seus 30 anos de experiência para show ao lado de Thiado Almeida
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Lírico X Popular

Assim como existem diversas formas de expressar a arte, no canto não é diferente. Além do canto lírico, tem-se o canto popular. A professora universitária Maria Juliana Linhares explica que o canto lírico foi projetado para ser ouvido sem necessitar do microfone, ou seja, são utilizadas "técnicas expandidas, técnicas de aumento da cavidade oral por meio de movimentos internos dentro da boca, que o canto popular usa pouco".

"No canto popular tem-se uma diversidade de sonoridades bem maior porque ele vai acompanhar a diversidade de sonoridades que tem a fala e a diversidade de sonoridades no contexto de diversas culturas humanas", diz a professora. Outra diferença marcante entre os estilos é de no canto popular ser feito o uso de microfone.

A professora ainda comenta que no formato lírico é possível fazer uso de microfonação "para uma gravação ou para uma amplificação num local com mais de duas mil pessoas". Mas o canto popular, até para ambientes pequenos, usa o microfone.

"No canto popular, você abre a boca e canta", é como define a artista cearense de canto popular Aparecida Silvino. Desenvolvedora do Espaço Cultural Canto da Apá, ela ainda explica que a vertente vai ser a expressão da cultura, então vai variar da localização e contexto. "Principalmente em termos de Brasil, como ele é miscigenado, tem muita alegria e dança. Então, quando você menos imagina, você já está cantando e vibrando esse som", relata Aparecida, que também é compositora.

Mas também existe o canto popular na vertente do mercado - Indústria Musical - que surgiu em 1960, com a Música Popular Brasileira (MPB). "Chegou no Brasil com Caetano, Gilberto Gil, Belchior, Chico Buarque e vários outros intérpretes". Aparecida explica que o canto popular é algo mais brasileiro, e floresceu em um período no qual a cultura estava deixando de ser majoritariamente importada.

Como acessar o canto lírico em Fortaleza

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