Enquanto o Brasil vibra com o sucesso de um filme que retrata um dos capítulos da ditadura militar, "Ainda Estou Aqui", outro país batalha para assistir seus próprios filmes, censurados pelo governo. O longa iraniano "Meu Bolo Favorito", dirigido por Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, chegou aos cinemas brasileiros e encantou os espectadores pela trama - que mostra a iniciativa de Mahin, uma mulher de 70 anos que vive sozinha em Teerã, capital do Irã, para achar um novo amor desde a morte do marido e a ida da filha para a Europa.
A obra, vencedora do Prêmio do Júri Ecumênico e do Prêmio Fipresci de Melhor Filme pela Crítica no Festival de Berlim 2024, espia uma noite na vida de Mahin, interpretada por Lily Farhadpour, quando toma a iniciativa de chamar Faramarz, um taxista solitário interpretado por Esmail Mehrabi, para jantar. Ele aceita e os dois têm uma noite de risadas e conversas sobre os velhos tempos.
Mahin aparece mostrando os cabelos e dançando com um homem dentro de casa, ações consideradas criminosas pelo governo iraniano. Os diretores Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, também autores dos filmes "O Perdão" (2020) e "Cortinas fechadas" (2013), tiveram seus passaportes confiscados, foram impedidos de viajar para representar o filme em festivais e vivem um julgamento com três acusações: propaganda contra o regime, espalhar a libertinagem e quebrar as regras islâmicas ao fazer um "filme vulgar".
Em entrevista ao O POVO, o casal disse saber das implicações. "Desde o começo sabíamos que fazer esse filme teria consequências para nós, mas também os atores, a equipe. Mas, com todas essas consequências, decidimos fazer esse filme. Porque acreditamos que este é o momento em que devemos fazer um filme e mostrar a imagem real da mulher iraniana".
"Queríamos estar tão perto da realidade. A realidade da vida das pessoas no Irã, a vida das mulheres no Irã. A realidade que fomos proibidas de contar em 45 anos, de mostrar em filmes, porque é o que fazemos escondidas em casa", afirma a diretora Maryam Moghaddam.
Ela faz referência à Revolução Iraniana, que, há 45 anos, transformou o país, quando o monarca autocrático Xá Mohammad Reza Pahlevi se exilou do Irã após greves e protestos que paralisaram o país em 1978 e 1979 e o aiatolá Ruhollah Khomeini assumiu tornando o Irã uma república islâmica teocrática.
A história iraniana permeia o dia a dia de Mahin, quando ela decide defender uma garota de cabelo pintado da "polícia da moralidade". Em uma conversa regada a vinho caseiro, Mahin e Faramarz lembram dos anos anteriores aos acontecimentos políticos e se servem de nostalgia. Para os diretores, os protagonistas surgem como "uma história sobre amor, sobre a vida, solidão, e tudo o que a vida contém, esses pequenos momentos de felicidade".
Onde assistir
Como gravar um filme proibido?
Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha deram detalhes de como gravaram "Meu bolo favorito" na capital do Irã, Teerã. Segundo Sanaeeha, "foram os momentos mais estressantes" de suas vidas. "Só tínhamos uma permissão de curto prazo, que não era nem em nossos nomes, porque, na verdade, eles não deram permissão para mim e Maryam. Tivemos que filmar secretamente", diz o diretor.
Os diretores sabiam que o filme seria repreendido, mas o retorno da população iraniana é o que os mantém na luta. "Recebemos esse feedback todos os dias de milhões de iranianos que assistiram ao filme dentro do Irã, porque eles viram uma cópia do filme em canais iranianos, no Telegram, em todos os lugares", finaliza Behtash Sanaeeha.