Nas referências bibliográficas mais tradicionais, a 1ª geração do Modernismo no Ceará iniciou apenas em 1927, cinco anos depois da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. O declínio aconteceu pouco tempo depois, em 1931, como uma passagem rápida pela sociedade cearense intelectual da época.
Em sua tese de mestrado, Thiago da Silva Nobre mergulha de forma diferente nesse movimento no território cearense. Durante seu estudo, que se estendeu para além da publicação de livros, encontrou evidências em jornais e artigos, e montou uma cronologia que se inicia já em 1922.
“Para quem parte do pressuposto dessa cronologia mais tradicional, vai achar estranho, porque pensa assim: ‘Não, aconteceu lá em São Paulo. Depois, com atraso, vai acontecer aqui em Fortaleza’. Na minha pesquisa, trago essa novidade (cronologia a partir de 1922)”, elabora.
A tese de Thiago ganhou as páginas de um livro, intitulado “Modernismo no Ceará (1922-1931)”, apresentando a pesquisa e a forma diferente de olhar para o movimento no Estado. Para defender sua ideia, traz um conceito que vem sendo trabalhado nos últimos anos por outros autores: o de “modernismos”.
“As pesquisas mais recentes estão falando em ‘modernismos’ — tem vários livros sendo lançados. Geralmente, partia-se de que existiu a Semana de Arte Moderna de 1922, o movimento paulista como modelo ideal de modernismo. E aqueles que não se adequavam examente, eram como se fossem cópias mal feitas ou não foram tão interessantes e ativos como em São Paulo", A pesquisa de Thiago confronta a perspectiva tradicional. Em entrevista ao O POVO, o autor detalha nuances do Modernismo no Ceará
O POVO - Podemos dizer que essa perspectiva é, de certa forma, preconceituosa, por não reconhecer o movimento existente no Ceará?
Thiago Nobre - Não sei se a palavra seria preconceito, mas tanto as pesquisas mais tradicionais aqui no Ceará, como também no Brasil, tem essa perspectiva mais de história literária. Quando comecei minha pesquisa na Universidade Estadual do Ceará, por volta de 2010, partia desse pressuposto. Só que comecei a coletar fontes e ler autores, como Eduardo Jorge de Moraes, que vão fazer uma crítica a esse conceito de pré-modernismo e essa centralidade na Semana de 1922. Comecei a enxergar isso nas minhas fontes e deu um fôlego novo. Comecei com a cronologia tradicional, mas não estava dando certo. Então fui até 1922, a partir dessa crítica. E qual a ideia geral que quis passar? Repensar o moderno reavaliando tanto as rupturas, como as continuidades. A perspectiva tradicional valoriza mais a questão da ruptura, mas as atuais vão articular ela e continuidades, compreendendo o modernismo como resultado de um processo histórico em que era possível combinar as mais diferentes tradições, possibilidades e experimentações.
OP: O modernismo aqui no Ceará foi unicamente literário, ou ele caminhou por outras áreas?
Thiago - Na abordagem tradicional, foca-se na publicação de livros e nos suplementos literários de jornais que saíram. Por exemplo, se focaria no “O canto novo raça” e “Terra bárbara”, que são livros que saíram, e na “Maracajá”, que é o suplemento literário do O POVO, em 1929. Se pegar apenas isso, vai (achar) que o modernismo aqui foi incipiente. Mas quando vai para os jornais da época, vê algo totalmente diferente. A maioria das publicações e da produção literária desse pessoal está nos jornais da época, ou seja, de forma fragmentada. Consegui achar muita coisa no O POVO, no Ceará, Jandaia. Quando articula-se produção literária e produção na imprensa, vê que, aqui, o modernismo foi realmente frutírfero, polêmico. Para dar um exemplo, se percorrer as páginas do O POVO, desde 1928, quase todo dia tinha alguma coisa modernista. Percebi que esse movimento vai até 1931, mais ou menos, depois tem um arrefecimento. Teve a revolução de 1930 e parece que desagrega. Parece que a preocupação é mais política, mais pragmática nesses tempos. Não se vê mais nada relacionado ao movimento modernista dos tempos heróicos, só mais para frente, na década de 1940, com a segunda geração modernista.
OP - Atualmente, você observa alguma influência desse movimento que teve seu início 100 anos atrás?
Thiago - Sim, percebo. Tem mais temas brasileiros que sempre vão contando e trazendo coisas novas para nós, novas perguntas; e o conhecimento também traz novas dúvidas. E o modernismo, no caso, modernismos, são isso também. Cada geração vai atualizando as nosas questões. Ele é esse movimento intelectual que não podemos colocar em um pedestal — teve muitas contradições, foi diferente em vários lugares. Mas foi uma tentativa, dentro do contexto brasilerio, de encontrar a identidade nacional, de fazer a pesquisa do popular, mesmo que muito no sentido folclórico — que é com aquele objetivo de salvar aquilo que está morrendo.
O Modernismo influenciou muitos autores, por isso até hoje tem essa releitura daqueles que flantearam. Aqui em Fortaleza está melhorando a questão de traduzirem autores e pesquisadores que estão pesquisando outros temas. Está bem mehor do que quando comecei a estudar. [...] Foi isso que tentei trazer com essa pesquisa do modernismo: está melhorando, mas ainda tem muito o que ser estudado. Tem livros, jornais e cartas que não achamos.
Modernismo no Ceará (1922-1931)