Aos montes nos acostumamos a ver filmes hollywoodianos retratarem uma jovem moça se apaixonar por um improvável homem. Com dificuldades, o casal supera os desafios e vivem felizes para sempre. "Anora", longa indicado a seis categorias do Oscar, incluindo Roteiro Original, Direção e Filme, não tem intenção de entregar isso.
Embora uma grata surpresa na temporada de premiações, as chances de vitória são remotas. Apesar disso, ele merece reconhecimento por sua ótima montagem.
A trama dirigida pelo talentoso Sean Baker apresenta a jovem Ani, interpretada apaixonantemente por Mikey Madison, uma dançarina profissional (e não prostituta como ela recusa ser chamada) que tem sua vida, já bagunçada, imersa em um extremo caos ao se relacionar exclusivamente com um cliente russo, filho de um magnata europeu.
A primeira uma hora de filme é uma viagem alucinante em festas, aventuras jovens, sexo e o sonho rebelde de largar tudo e viver de relações arriscadas, como se não houvesse o amanhã. Apesar disso, há o dia seguinte.
O sentimento de inconsequência, "poderes" e imaginar que suas atitudes não levarão a lugar nenhum, ou acostumar-se com frustações e "lapadas" da vida é perfeitamente representado pela ágil montagem que mais parece um clipe musical ou tirado diretamente do sonho de um jovem rebelde.
De forma completamente abrupta, a vida de Ani e Ivan, interpretado por Mark Eydelshteyn, sofre uma pausa em toda a loucura, transformando a viagem em uma comédia no melhor estilo "The Office". Por mais que a pouca idade e a pouca noção da responsabilidade fossem até então levadas ao pé da letra por eles, as consequências batem a porta.
Com o fim do conto de fadas, o mundo fantasioso cai e Ani tem que voltar ao mundo real. Ele não é inspirador, é frio, cinza e amargurado. Ter que conviver com alguém em casa cuja a presença já incomoda, um provável trauma maior na infância a faz não valorizar a si mesmo, fazendo do seu corpo seu material de trabalho e para homens bem vestidos, ela vende seu show erótico, entregando assim sua inocência.
Anestesiada e enojada da rotina, a ponto de normalizar as mais asquerosas situações diárias, ainda existe em Ani a menina inocente, cheia de sonhos e com brilho. Ela acredita que vive no conto de fadas, mas colhe os frutos da vida que escolheu levar, por mais que seja duro.
A sua sexualidade e usar o corpo, tanto para danças como para sexo, são as formas como ela se comunica. Ela recusa a alcunha de prostituta, o que pode até ser que não a defina, mas é a forma como Ani lida com os seus problemas, mesmo como defesa.
Tal representação é entregue em uma bela e crua atuação de Mikey na cena final. Ela não sente vergonha em usar o corpo, mas o seu coração, ainda palpitante, sente o peso da vida e mostra que ainda vive no peito a moça inocente.
"Anora" transita bem em diferentes gêneros: ação, romance, o drama. Um ponto de maior marasmo ocorre no arco que envolve Ivan e uma procura cômica por ele, mas salvo por boas tiradas e um ritmo mais cauteloso.
Acompanhar Ani em sua jornada, sem muitos altos e de vários baixos, é uma realidade crua ainda vista. Do trauma à rebeldia, da rebeldia à inconsequência, e daí o conto de fadas desmoronado. A vida real feita por suas ações e escolhas, infelizmente tendo ela culpa ou não.
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