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"O Brutalista" faz Oscar encarar Trump
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"O Brutalista" faz Oscar encarar Trump

Com quase quatro horas de duração, "O Brutalista" se fantasia de espetáculo em drama áspero sobre imigração nos EUA.
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Foto: Universal Pictures/divulgação Adrien Brody em cena de "O Brutalista"

“Eles não querem a gente aqui”, grita o homem, ao volante, dirigindo em fúria enquanto atravessa uma noite de aflição. Sobrevivente do Holocausto, László Tóth é um fictício arquiteto húngaro que se viu obrigado a fugir da Europa para inventar uma nova vida nos EUA, a prometida nação da liberdade.

Como imigrante, porém, ele logo é confrontado por uma realidade alheia às suas ambições como artista e ser humano. Mesmo acolhido por um primo que lhe oferece moradia e emprego, László Tóth é constantemente lembrado que está muito longe de casa. Existe mesmo um destino ali?

Quando estreou no 81º Festival de Veneza, na mesma competição do brasileiro “Ainda Estou Aqui”, “O Brutalista” chacoalhou a audiência por conta de sua grande extensão.

Com 3h36, o filme é dividido em quatro segmentos (abertura, dois capítulos e epílogo), além de um intervalo de 15 minutos que já faz parte da sua duração – um cronômetro regressivo surge na tela para situar o espectador que ache oportuno ir ao banheiro ou sair para comer.

Venceu o Leão de Prata de Melhor Diretor para Brady Corbet e, desde então, veio traçando uma sólida campanha em direção ao Oscar. Até começo de fevereiro, era o favorito isolado ao Oscar de Melhor Filme e Direção.

Isso até o simpático “Anora”, do Sean Baker, tomar a dianteira com a vitória dos sindicatos de produtores e diretores. Mas o filme segue na corrida porque, de fato, é difícil não se impressionar pela sua robustez.

Cotado ao Oscar de Melhor Ator, Adrien Brody entrega uma performance fora do comum. Diante de tantas repetições e convenções dos dramas americanos, ele consegue ser explosivo mesmo com tanta contenção e intimidade. Ainda no começo, quando descobre que a esposa está viva, seu choro carinhoso inventa uma sutileza imprevisível e comovente.

Ao longo da trama, Corbet vai guiando a melancolia desse personagem para nos mergulhar nessa ideia de alguém que não consegue, e nem quer, esconder seus traumas, ao mesmo tempo que isso não afeta sua determinação e nem o seu talento. Sua paixão pela arquitetura brutalista, estilo que ganha força justamente no pós-guerra, é apresentada como conversão da sua dor na imponência de construções sem qualquer leveza ou paz.

Quando foi revelado que a produção utilizou Inteligência Artificial para “aprimorar” o sotaque húngaro, surgiu certa desconfiança de que isso pudesse menosprezar as atuações – a cena, porém, dura poucos segundos e é quase figurativa, não afetando diretamente a força da sua atuação.

Narrando a ascensão desse personagem, da sarjeta à glória, a primeira parte do filme é o que há de mais impressionante. Além da presença hipnotizante de Brody, a direção sabe não ser tão quadrada, especialmente quando os enquadramentos fogem dos próprios personagens para criar a sensação de uma realidade que ainda parece delírio.

László chama atenção de um grande empresário americano e, de repente, parece ter encontrado rumo ao seu talento – isso até ele descobrir o limite da sua utilidade.

Na segunda parte, “O Brutalista” se acomoda numa sucessão de tragédias anunciadas e abandona qualquer sutileza que tinha elevado sua discussão até ali. Como a esposa que retorna, Felicity Jones encarna uma personagem frágil demais para que seja levada à sério, assim como Guy Pearce que mergulha de vez na caricatura do seu magnata, levando a trama para uma bagunça de tensões. Apenas no epílogo é que vamos entender algo sobre László, o que parece tarde demais.

Suponho que essa crueldade tenha sido pensada para elaborar um contraponto àquela permanência estrangeira em meio ao conservadorismo moral dos EUA, mas o resultado é um roteiro grosseiro demais para lidar com os temas graves que evoca. Por outro lado, essa arrogância também é o que contextualiza o filme para o seu discurso contemporâneo.

Em meio ao caótico segundo mandato de Donald Trump, que traçou os imigrantes como primeiros inimigos, a história tem uma clareza atraente para quem pensa em usá-lo como resposta. A Estátua da Liberdade que estampa o cartaz do filme, afinal, não está de ponta-cabeça à toa.

O Brutalista”, portanto, é um filme regular que também tem momentos sublimes. Nessa ilusão de que sua abordagem é rebuscada ou até inovadora, Corbet parece esvaziar sua história justamente quando tenta criar a sensação épica de um refugiado que, a duras penas, encontrou o seu destino.

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