Logo O POVO+
Carnaval 2025: escolas de samba e as dificuldades antes de entrar na avenida
Vida & Arte

Carnaval 2025: escolas de samba e as dificuldades antes de entrar na avenida

Nos bastidores do Carnaval, as escolas de samba encaram um desfile de obstáculos com infraestrutura precária e falta de recursos - mas prevalece a alegria dos brincantes
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Fortaleza,CE,BR 19-02-25: Barracão da Escola de Samba da Bela Vista produz alegorias e fantasias para temporada de carnaval. (Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO) (Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Fortaleza,CE,BR 19-02-25: Barracão da Escola de Samba da Bela Vista produz alegorias e fantasias para temporada de carnaval. (Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)

Para muitos, a magia do Carnaval começa na avenida no dia do desfile, mas, para outros, ela se inicia muito antes, nos barracões. É lá que a intensa criatividade e a dedicação se tornam realidade, perpetuando uma tradição que passa de geração em geração.

Apesar de todo o encantamento que o Carnaval proporciona aos apaixonados, as escolas de samba sediadas em Fortaleza enfrentam uma realidade repleta de dificuldades e desafios para realizar o desfile na Avenida Domingos Olímpio, que acontece em 2025 no dia 4 de março.

Entre os principais obstáculos listados pelas escolas de samba entrevistadas pelo O POVO, está a infraestrutura precária - que carece de condições adequadas de espaço e de segurança -, além da demora nos repasses financeiros por parte da Prefeitura de Fortaleza, algo que já se tornou uma demanda histórica.

Embora a verba destinada ao Edital de Desfile das Agremiações Carnavalescas da Avenida Domingos Olímpio seja liberada somente às vésperas das apresentações, como relatado pelos integrantes das escolas de samba, os esforços das agremiações se sobressaem pela criatividade e pela paixão de seus integrantes. A cada ano, eles se dedicam a oferecer desfiles repletos de brilho e amor pelo Carnaval.

A atual campeã, escola Tradição da Bela Vista, foi fundada em 2010 pelo carnavalesco Carlos Alberto, que morreu em 2024. Agora, seu sobrinho Roger Façanha assume a direção do coletivo e conta que, nessa reconstrução, foram enfrentados alguns percalços para realizar o desfile.

"Está sendo difícil montar o Carnaval hoje em dia. Dependemos muito dos órgãos públicos, do círculo carnavalesco para apoiar as agremiações. Não falo só da nossa escola, mas de forma geral. É muito difícil. A gente tem que procurar reciclar e reaproveitar muitas coisas do tema do ano passado para poder refazer tudo. É assim que estamos fazendo este ano: tirando do lixo para fazer luxo", expõe o diretor.

Nesta edição, a escola homenageia Oxum, orixá das religiões de matriz africana. "Vamos tentar levar para a avenida o máximo do contexto do nosso enredo", conta Roger Façanha.

"Este ano fomos contemplados com o edital da Prefeitura, mas temos que esperar o dinheiro ser liberado. Geralmente, ele sai próximo ao Carnaval, dois dias antes, e olhe lá. Então, nós, os carnavalescos, sofremos para montar o Carnaval. Não temos como montá-lo como eles pedem se não temos recurso", declara.

Roger acrescenta que a escola começou os preparativos para o desfile em janeiro. Ele também pontua que, quando os atrasos acontecem, os diretores "tiram do próprio bolso" para suprir as necessidades.

"Quando o dinheiro sai, vamos repor para prestar contas. Por isso, estamos sempre com a ponta da caneta no papel, porque se não tivermos, ultrapassamos o limite do valor que temos para gastar". Para ele, a falta de infraestrutura adequada para a construção das alegorias e para os ensaios impacta diretamente na escola.

"Precisamos de um local adequado para confeccionar as alegorias, porque é uma coisa arriscada. Trabalhamos com solda, cortes, ferros que podem quebrar e machucar alguém. Por isso, usamos muito a rua. Sofremos muito com a falta de estrutura não só para confeccionar as alegorias, mas também para fazer as fantasias".

Mestre-sala e diretor de bateria, Wellington Esteves faz parte da escola desde a fundação e também destaca a infraestrutura precária. Mas chama a atenção para a importância do barracão como um meio de tirar crianças e jovens da vulnerabilidade social.

"Isso ocupa a mente deles. O barracão, sendo movimentado durante o ano, oferece para essa juventude a oportunidade de aprender algo. Eu, como diretor de bateria, confecciono as baquetas e ensino a eles como montar o instrumento".

Ele pontua que é gratificante ver seu trabalho com as crianças na avenida: "o mérito não é só meu, é delas também. Elas aprenderam o que a gente ensina aqui. E sempre temos mais a aprender, tanto com os mais novos quanto com os mais velhos. Meu professor foi Descartes Gadelha, meu mestre, e tudo que sei de bateria até hoje agradeço a ele", aponta.

"A maior dificuldade que enfrentamos atualmente é a verba da Prefeitura, porque estamos em cima do Carnaval e ainda não saiu. Temos que contar com a boa vontade, força e união da comunidade", diz.

"Outra coisa, o dinheiro que a Prefeitura entrega é pouco. Não supre as necessidades de uma escola de samba. Não dá para comprar instrumentos, confeccionar fantasias. Muitas coisas aqui a gente vai pegando daqui e dali para poder formar a escola". Ele acrescenta que, apesar das dificuldades, as expectativas para este ano são as melhores possíveis, pois sabe que a escola se dedicou e se esforçou ao máximo para buscar o bicampeonato.

Em nota enviada ao O POVO, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) disse que, para 2025, o Edital de Apoio Financeiro ao Desfile das Agremiações Carnavalescas na Avenida Domingos Olímpio destina um total de R$ 1.067.500 e que as escolas de samba estão inseridas na categoria "Outras Agremiações Carnavalescas" (Escolas de Samba, Afoxés, Blocos e Cordões), com um repasse de R$ 30.171,87 para cada proponente selecionado.

"Além do apoio financeiro, as escolas de samba que desfilam na Avenida Domingos Olímpio disputam premiações de R$ 10.000 para o primeiro lugar, R$ 8.000 para o segundo e R$ 6.000 para o terceiro, além de troféus", elenca o texto.

Questionada sobre como é feito o processo de distribuição da verba, a Secultfor pontuou que, com o apoio da Coordenação de Patrimônio Histórico e Cultural (CPHC), promoveram dois momentos de diálogo com as agremiações carnavalescas antes do lançamento do edital.

"No dia 5 de dezembro, no Teatro São José, representantes das agremiações participaram da leitura pública da proposta de minuta do edital, quando também foi acordada a distribuição dos valores entre os interessados da categoria. Já em 12 de fevereiro de 2025, ocorreu a leitura do Regulamento do Carnaval, onde foram discutidos os valores das premiações. Essas iniciativas buscaram manter o diálogo com a categoria, atender suas demandas e garantir a participação no processo de definição do edital e do regulamento".

 

 Império Ideal é umas das escolas de samba mais antigas de Fortaleza
Império Ideal é umas das escolas de samba mais antigas de Fortaleza

A magia da tradição

Uma das escolas de samba mais antigas de Fortaleza, a Império Ideal destaca a demora no pagamento do edital carnavalesco em 2025. O diretor da escola, Ivaldo Paixão, relata que, ao longo dos meses de preparação, as verbas acabam saindo do seu orçamento.

"Como normalmente recebemos o recurso dois ou três dias antes do desfile, sendo que, em algumas vezes, só recebemos depois, eu antecipo a verba do meu bolso", pontua.

"Sou um aficionado por Carnaval e, quando o recurso não é suficiente, coloco o meu dinheiro. A fundo perdido. Coloco do meu salário, do meu provento, para a escola poder sair", diz.

No entanto, ele afirma que o valor disponibilizado pelo edital não supre as necessidades da escola. "Esse recurso do edital não cobre as despesas da escola de samba, não cobre as despesas para a gente colocar a Império na avenida, nem a manutenção da escola durante o ano todo. Para a gente, esse recurso não cobre tudo".

Ivaldo também reflete sobre a importância do barracão para a história e a tradição da Império Ideal.

"Nosso barracão é fundamental para a construção da escola, além de guardar os instrumentos, carros alegóricos e adereços. A falta de uma infraestrutura adequada reflete diretamente na qualidade do espetáculo apresentado na avenida. As dificuldades são contornadas com criatividade e amor ao Carnaval de rua".

A Império Ideal foi fundada em 1949 e já acumula mais de dez premiações ao longo de sua história. Neste ano, o tema-enredo é "Unilab: 15 Anos de Integração Cultural", homenageando a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).

O barracão da escola fica no bairro Parque Dois Irmãos e é de propriedade do diretor - que classifica o local como inadequado para a produção, mas, por enquanto, é o único possível para a escola utilizar. Ivaldo destaca que a falta de espaço adequado para ensaio contribui para a dificuldade de treinamento. "O que nos motiva é o compromisso com a cultura, o amor ao Carnaval e à nossa querida escola de samba".

 

Escola de Samba em Fortaleza Pavão Misterioso é estreante nos desfiles que acontecem na Avenida Domingos Olímpio
Escola de Samba em Fortaleza Pavão Misterioso é estreante nos desfiles que acontecem na Avenida Domingos Olímpio

Nova escola na Avenida

Em 2025, surge a estreante Pavão Misterioso. A escola, diferentemente das outras agremiações, não receberá verba da Prefeitura por ser a primeira vez participando do desfile na Avenida Domingos Olímpio. A designação do novo grupo faz referência à aclamada música de Ednardo, homenageado do Carnaval de Fortaleza em 2025.

Comandada pelo carnavalesco Carlos Alves - que possui passagem pelas escolas Beija-Flor de Nilópolis, União da Ilha, Unidos da Tijuca, Estácio de Sá, Mocidade Independente de Padre Miguel e Acadêmicos da Rocinha - o novo coletivo cearense tem como tema "Sol e chuva: o casamento da viúva".

Carlos revela que, nesse início, as principais dificuldades foram sentidas no desenvolvimento das fantasias, mas, com criatividade, conseguiram reciclar e "carnavalizar" o que estava disponível.

"Com a comunidade e com a ajuda de amigos, conseguimos recrutar muita gente. Estamos trabalhando desde maio de 2024, e tudo o que está sendo produzido é através de recursos da própria diretoria. Não temos patrocínio", conta Carlos Alves.

"Como não temos nenhum apoio financeiro, passamos por todas as dificuldades que se possa imaginar, desde a compra de materiais como cola, tecidos e enfeites. Mas isso não nos desestimulou, e partimos para cima com a ajuda da própria diretoria".

Ele ressalta que os trabalhos da Pavão Misterioso acontecem sempre durante os fins de semana, já que todos os envolvidos "são trabalhadores no dia a dia".

"Tenho um ateliê na minha casa, onde consigo fazer todas as fantasias. É de fundamental importância esse momento de confecção, pois, através dele, consigo passar a minha experiência para os futuros profissionais do Carnaval", finaliza.

 

Fortaleza tem escolas de samba, mas carece de comunidades

Texto de Kleber Carvalho (joao.kleber@opovo.com.br)

As semanas que antecedem o Carnaval são diferentes para quem é membro de escola de samba. Meses de trabalho são transformados em alguns minutos, nos quais somos arrebatados por frenéticas sensações de tensão, ansiedade e muita alegria.

A correria é grande. Já vi escola fazer Carnaval em dez dias porque o dinheiro demorou a sair. Não é só na avenida que se samba. Mas tudo vale a pena quando sobe a bateria. Os metros à frente guardam momentos que ficam eternizados na memória. Adrenalina, empolgação, é só coisa boa.

Uma pena esse sentimento ser tão restrito. Ele poderia ser saboreado por muito mais gente se houvesse melhor diálogo com a comunidade. Hoje é mais fácil chamar amigos envolvidos com Carnaval de outros locais para participar da sua escola do que formar membros em casa.

Já desfilei em bateria para completar, porque não tinha quem tocasse. Mais escolinhas de instrumentos para formar ritmistas e eventos como feijoadas e rifas, que atraem o morador para o barracão, ajudam no convite.

As escolas precisam aparecer mais. Você, leitor, sabe o nome das que vão desfilar esse ano? Aposto que não. É preciso que o poder público as inclua no calendário cultural do ano inteiro, com apresentações em eventos públicos e divulgação de suas histórias. A Cidade terá prazer em conhecer, garanto.

Os investimentos recentes de novas opções culturais mostram isso. Se dizia que o Carnaval só rendia na Beira-Mar e hoje o Conjunto Ceará dá show de divertimento. Ainda espero ver a Avenida Domingos Olímpio muito mais lotada algum dia, mas para isso é preciso convidar a Cidade pra sambar.

 

O que você achou desse conteúdo?