A coordenadora cultural Bete Jaguaribe, diretora de Formação e Criação do Instituto Dragão do Mar (IDM) e da Escola Porto Iracema das Artes e coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor), analisou dados apurados para este material. Para além do fator idade, ela dissertou sobre o "apagamento" da mulher no cinema e na história, de um modo geral. "Por que é um processo que excluiu a todas nós, de cargos específicos, de espaços".
Bete comenta uma divisão de três eixos na montagem da indústria americana: o cinema de estúdio, o cinema de gênero e o cinema de estrelas. Sobre esta última, a doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), diz haver não apenas "um elemento romântico dos filmes, mas estratégico de mercado". "Então, para você fazer ganhar um papel importante nos filmes, como o de mocinha, e portanto ter acesso à indicação do Oscar, você tinha que seguir determinados padrões de beleza", disse.
Esse padrão de beleza seria o europeu: mulheres jovens, brancas e loiras. A característica teria duas consequências. A primeira seria o controle das atrizes "dentro do padrão", que estampavam pôsteres e cuja vida por si só era comercializada, tornando-se uma coisa pública ou um produto.
O segundo impacto da configuração da indústria seria a exclusão de todas as mulheres que estivessem fora do considerado adequado. "Esse levantamento indica e comprova a grande estratégia da indústria americana, resultado desse lugar da beleza, da estrela de cinema. Não é uma ideia boba e natural. É uma produção histórica e do sistema capitalista da indústria", disse a coordenadora cultural. (Ludmyla Barros)
Premiação ou caça às bruxas?
Marta-Aurélia, atriz cearense de 63 anos, conversou com a reportagem enquanto aguardava o início da cerimônia de pré-estreia do filme "Centro Ilusão" (Pedro Diógenes, 2024), do qual participa. Estava no Cinema do Dragão, na Praia de Iracema. Jornalista, atriz, cantora, compositora e experimentadora, ela narra que sentiu a ausência feminina desde o primeiro trabalho que realizou nas artes.
"Na verdade, a exclusão ocorre no meio artístico e outros meios sociais. Nós estamos em todos os lugares, em todos os lugares a gente vive esse mesmo tipo de situação. No meio artístico também", disse.
A história é a chave-mestre do presente, que abre novos caminhos até esbarrarmos no hoje. Não foi um "corte de cena" que ocasionou a mudança de exclusão sistêmica para o cenário atual de maioria de mulheres mais velhas indicadas ao Oscar. Pelo contrário, essas duas coisas ainda coexistem
e o processo de ruptura foi intenso e provocado pelas próprias mulheres.
Dois grandes movimentos sociais cobraram diversidade no século XXI: OscarsSoWhite, em 2015, e Black Lives Matter, em 2018. O primeiro tratava-se de uma hashtag levantada após mais uma edição com apenas pessoas brancas indicadas nas categorias de atuação. A segunda foi um movimento social internacional pelo fim da violência policial contra pessoas negras.
"A academia não resolveu mudar agora porque virou boazinha. A sociedade não aguenta mais o apagamento dessas dessas populações femininas, negras, LGBT. Não aguenta mais esse tipo de repressão, de ocultamento e de apagamento", comenta Bete Jaguaribe.
Mesmo com os avanços, a campanha do Oscar deste ano foi alvo de outro tipo de apagamento, segundo Bete Jaguaribe e Marta-Aurélia. A categoria de Melhor Atriz virou foco, mas por resgates de momentos e falas consideradas problemáticas. O alvo foi justamente as três atrizes com mais de 50 anos: Demi Moore (A Substância), Fernanda Torres (Ainda Estou Aqui) e especialmente Karla Sofía Gascón (Emilia Pérez).
Para Marta Aurélia, o cenário vem da característica social de "colocar mulheres contra as outras", algo maior do que o cinema, mas com claros reflexos nele. "Nós não somos inimigas naturalmente. Isso não existe, mas fizeram com que muitas de nós acreditassem nisso, que éramos rivais de nascença. Então, quando há possibilidade de um grande encontro, isso está na estrutura da sociedade e torna-se uma força tensionada. Vem à tona", disse.