Em uma edição tradicional do Oscar, um filme como este seria declarado como favorito ao prêmio principal desde que sua pré-produção fosse anunciada. Afinal, trata-se de uma cinebiografia sobre um dos compositores mais importantes dos EUA, Bob Dylan, protagonizada por um dos astros mais populares do momento em Hollywood e guiada por um diretor industrial.
"Um Completo Desconhecido" tem a fórmula de um clássico "filme de shopping", principalmente por conseguir ser tão simpático, mesmo tendo como protagonista a figura de alguém tão mal-humorado e arisco. Tem narrativa de ascensão, romances e, claro, muita música, surpreendendo quem imaginava que "Wicked" e "Emilia Pérez" eram os únicos musicais indicados ao Oscar de "Melhor Filme" neste ano.
Há poucas cenas em que Timothée Chalamet não esteja com um violão debaixo do braço, cantando ou escrevendo, repetição constante no roteiro que afasta rapidamente quem não tem apreço pelo trabalho do cantor, mas aproxima quem já é fã ou tem o mínimo interesse em compreender as razões da sua personalidade áspera. O que fez Robert Allen Zimmerman se tornar Bob Dylan? O que ele realmente pensava sobre o mundo? São perguntas, porém, que esse filme não busca responder.
Nos anos 1960, a trama apresenta sua trajetória de um completo desconhecido - como canta em "Like a Rolling Stone" -, até um momento catártico da sua fama quando confronta a música folk com a temida guitarra elétrica no Festival de Newport em 1965. Com um grau curioso de certeza, Dylan já aparece em tela construído, convicto de quem ele é ou se tornará, artisticamente.
Chalamet faz um trabalho respeitável, dando sua própria voz ao mítico personagem, e convivendo bem com a caricatura inevitável. Não é nada sublime, mas pelo menos não parece uma mímica míope tão comum às reconstruções históricas, como fez Rami Malek e ganhou até um Oscar em 2019 pelo seu Freddie Mercury de "Bohemian Rhapsody". No último domingo, 23, tornou-se o ator mais jovem a vencer o prêmio máximo do SAG, sindicato dos atores dos EUA, desbancando o favorito Adrien Brody.
Há uma sinceridade comovente na sua abordagem que dá um realismo mais distante da imitação aos momentos emblemáticos - dos mais simples, como quando canta "Song to Woody" para o próprio Woody Guthrie num escuro quarto de hospital, aos mais elétricos, como na cena em que ensina "The Times They Are A-Changin" para uma plateia que àquela altura já era fã da sua música.
Mesmo criando narrativas com outros músicos, como Pete Seeger, Joan Baez e Johnny Cash, tudo o que realmente interessa a "Um Completo Desconhecido" é a centralidade de Bob Dylan como alguém que muda a música americana meio que "por acaso" ou por consequências alheias ao
seu mundo.
Distante da ideia de "moldar a indústria" com manifestos ou estratégias, o Dylan de Chalamet e James Mangold transforma o mundo porque existe. Essa pureza pode assustar quem esperava uma interpretação mais crua, mas é na medida certa para agradar o grande público - afinal, esse não é o verdadeiro propósito de se fazer um filme caro sobre um grande ídolo? O longa vem liderando as bilheterias neste mês entre os filmes indicados ao Oscar de "Melhor Filme", seguido do sucesso estrondoso de "Ainda Estou Aqui".
Um Completo Desconhecido