Entre as fantasias de Fernanda Torres nas ruas, os bloquinhos dando lugar a transmissões ao vivo e cada brasileiro com um pouco mais de esperança ao espalhar seu glitter, o domingo de Carnaval de 2025 se equipara à passagem de algum astro esporádico pela órbita da Terra.
Para além do feito inédito de angariar três indicações na 97ª edição do Oscar, o alinhamento para que essa possível vitória acontecesse em um domingo de Carnaval redobra os motivos de comemorações, que, de antemão, já são muitos.
A história do Brasil com o Oscar começa em 1945, com a indicação de "Rio de Janeiro", composição de Ary Barroso, para melhor canção original pelo musical "Brazil" - ironicamente, uma produção americana estrelada por Tito Guizar e Virginia Bruce.
Passaram-se 80 anos, e, apesar de quatro coproduções brasileiras já terem conquistado a estatueta, o País segue sem ser creditado oficialmente como ganhador do Oscar. Com uma chance tripla de vitória, em uma Copa do Mundo que Fernanda Torres implorou para que não fosse criada, a seleção brasileira de cinema encara neste domingo, 2, três chances de levar uma estatueta para casa.
Melhor Atriz
Disruptiva, Fernanda Torres já ganhava, aos 21 anos, o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes por sua atuação no filme "Eu Sei que Vou Te Amar" (1986), tornando-se a intérprete mais jovem a receber o reconhecimento. Para além de honrar o voo alçado pela mãe no Oscar, Fernanda Montenegro, em 1999, com o longa "Central do Brasil", a possível vitória de Torres revela o mundo multifacetado que por anos esteve oculto sob o imperialismo cultural de quem toca os rumos da Academia de Artes e Ciências de Hollywood.
Às vésperas do Oscar 2025, a produtora do filme, Maria Carlota Bruno, detalha a mudança que a premiação tem tido em relação à inclusão de diferentes países e culturas, entre seus votantes e indicados. "Vemos cada vez mais profissionais do audiovisual de diferentes latitudes compondo os votantes da academia. Isso favorece que a diversidade de temas, origens e nacionalidades ganhe espaço entre os filmes produzidos nos EUA, até porque há um ganho de qualidade das produções internacionais, que vem aumentando significativamente a cada ano", diz Carlota, parceira de longa data na produção executiva de diversos longas de Walter Salles.
Para além da superação de se olhar para a cinematografia sob as lentes estadunidenses, as indicações deste ano são acompanhadas de razões lógicas e um tanto quanto fatalistas, como conta Miriam Spritzer. A jornalista e membro-votante do Globo de Ouro explica que a guinada para o Oscar advém de dois fatores: a vitrine conquistada após a indicação e vitória de Fernanda Torres no Globo de Ouro e os incêndios em Los Angeles, que atrasaram o pleito do Oscar e, por conseguinte, deram mais tempo para que mais votantes assistissem ou reassistissem "Ainda Estou Aqui".
Para muitos, o dia 23 de janeiro trouxe a convicta certeza de que a estatueta chegaria de alguma forma aos braços da família Torres, com as confirmações da indicação de Fernanda e de Melhor Filme Internacional, e com a surpresa de Melhor Filme. Contudo, na reta final, Miriam relembra fatores que não podem ser ignorados.
"O Globo de Ouro conta com o fato de que são 12 mulheres indicadas, devido à separação das categorias de Melhor Atriz em Filme de Drama e Melhor Atriz em Filme de Comédia/Musical (seis para cada), enquanto as demais premiações são apenas cinco. Além disso, a maior parte da Academia do Oscar é formada por atores e profissionais do mercado e, como participam do SAG, o sindicato dos atores dos EUA, os resultados do SAG costumam se repetir no Oscar de alguma forma", contrapõe.
Ignorar a ausência de indicações para Fernanda em premiações como o British Academy of Film and Television Arts (Bafta), o SAG e o Critics Choice Awards seria acreditar em uma vitória garantida em um cenário de 7x1 para o Brasil. A situação se agrava com a conquista de Demi Moore no SAG de Melhor Atriz. Contudo, o gol contra feito por Karla Sofia Gascón e os votos doados por Cynthia Erivo, que provavelmente serão guardados para o
Oscar seguinte com o lançamento de "Wicked Para Sempre" deixam a categoria com cinco indicadas em um duro páreo de três.
Logo atrás, a jovem Mikey Madison, 25 anos, pode dar trabalho à veterana Demi Moore e à sensação Fernanda Torres. Vencedora da categoria de Melhor Atriz no Bafta 2025 por sua atuação em "Anora", para a crítica especializada, Madison desenvolveu um "empate técnico" com Moore, colocando a vitória de Fernanda Torres como o grande plot twist da temporada.
Entre o trio, a jornalista Miriam Spritzer resgata o tradicionalismo da academia como combustível para a esperança. Apesar do caminho vitorioso de Demi, que redefiniu as apostas na reta final, como todo bom jogo, só se terão respostas após o apito demarcado por "E o Oscar vai para…".
Melhor Filme Internacional
Se, por um lado, a edição de 2025 do Oscar bate recordes com produções internacionais disputando categorias tradicionalmente reservadas aos norte-americanos, a aparente abertura da Academia não é sinônimo de compreensão. Fernanda Torres relembrou à imprensa estadunidense, em entrevista concedida à Variety, que a nação que hoje celebra "Ainda Estou Aqui" foi outrora a responsável por dar aporte financeiro e operacional para o golpe militar, que redefiniu a vida de tantas outras Eunices no País.
Mas, entre a academia conceder um prêmio e levar uma nação a abraçar suas culpas, o salto é homérico.
"O que observo é que o americano médio não está preocupado com a posição política dos Estados Unidos durante a ditadura brasileira. Eles estão vendo a história brasileira com o olhar americano. Então, o máximo que conseguem fazer é comparar o que aconteceu no Brasil naquela época com a situação atual dos Estados Unidos, como um alerta para o futuro", ressalta a jornalista Miriam Spritzer, enquanto correspondente brasileira.
Ao se ter uma avó que se encolhe na cadeira ao ver cenas específicas e que sai da sala de cinema imersa em memórias de um passado recente, seria pretensioso pedir que a experiência fosse a mesma.
Por sorte, a direção assertiva de Salles, a contenção que tanto diz de Fernanda e a memória incorruptível de Marcelo Rubens Paiva transpassam para o telespectador o indescritível, colocando "Ainda Estou Aqui" como líder na categoria de Melhor Filme Internacional. Entre as três, é nela que reside, com peso, as maiores chances de o Brasil sair vitorioso.
"Independente de ter vivenciado o contexto, a universalidade da obra reside em conseguir se sustentar sozinha. Ela conta uma história de uma família do início ao fim, de uma forma que o público se engaja, reflete e sente todas as emoções", sinaliza Miriam.
Melhor filme
Em levantamento realizado pelo O POVO, entre 7 e 17 de fevereiro, com bilheteira de US$ 2.288.453, à época, o longa brasileiro "Ainda Estou Aqui" estava em segundo lugar na arrecadação entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme, atrás apenas dos US$ 3.343.141 de "Um Completo Desconhecido", cinebiografia sobre Bob Dylan.
Mas no que tange à estatueta de Melhor Filme, ao olhar o retrovisor, em 96 edições realizadas, apenas oito filmes estrangeiros venceram na categoria considerada a "mais aguardada" da premiação.
O prêmio, ao que tudo indica, samba entre "Anora" ou "O Brutalista", com "Conclave" não muito atrás. Entre a obra de Sean Baker, que destrói o sonho americano com o caos que resta aos oprimidos, com o drama bruto sobre a imigração nos EUA, o palco do Dolby Theatre este ano dialoga mais que nunca com a realidade ante a ficção.
E, apesar da crise de saúde do papa Francisco ter se iniciado pouco antes do fechamento das votações para o resultado final do Oscar, e a influência nos votos aparentar ser mínima, parece ser o timing perfeito para "Conclave", enquanto o mundo inteiro discute e se consterna com os rumos da Igreja Católica Apostólica Romana.
Indicada para subir ao palco caso o longa vença na categoria de Melhor Filme, Maria Carlota quantifica a vitória por outras métricas.
"Antes e hoje, o desafio segue sendo fazer com que as pessoas assistam ao filme, sendo votantes ou não. Estamos muito emocionados com o público brasileiro que abraçou o filme nas salas de cinema, com mais de 5,2 milhões de espectadores. Os brasileiros estão novamente interessados no próprio cinema, reconhecem as narrativas potentes que produzimos e querem ver histórias que nos retratem refletidas nas telas", declara.
Traçando estratégias para que momentos como esses não sejam esporádicos na filmografia brasileira e possam de fato se tornar uma experiência recorrente, Carlota comenta ainda o caminho sólido que o público brasileiro há de pavimentar.
"O retorno do público brasileiro aos cinemas, que reconquistou as salas depois da pandemia, é um movimento muito importante para solidificar e oxigenar a cinematografia nacional. Novos filmes brasileiros chegam aos cinemas e ganham visibilidade, inspirando as distribuidoras e exibidores a trabalharem nossas produções. Mas é o início de um movimento que ainda precisa ser consolidado, para ampliar o nível de produção e o impacto do nosso mercado", defende Carlota, que integra a equipe da produtora VideoFilmes desde 1989.
Confira as indicadas à categoria de Melhor Atriz
>Cynthia Erivo - "Wicked"
>Karla Sofía Gascón - "Emilia Pérez"
>Mikey Madison - "Anora"
>Demi Moore - "A Substância"
>Fernanda Torres - "Ainda Estou Aqui"
Confira os indicados à categoria de Melhor Filme Internacional
>"Ainda estou aqui"- Brasil
>"A garota da agulha" - Dinamarca
>"Emilia Pérez" - França
>"A semente do fruto sagrado"- Alemanha
>"Flow" - Letônia
Confira os indicados à categoria de Melhor Filme
>"Anora"
>"O Brutalista"
>"Um Completo Desconhecido"
>"Conclave"
>"Duna: Parte 2"
>"Emilia Pérez"
>"Ainda Estou Aqui"
>"Nickel boys"
>"A Substância"
>"Wicked"