No palco, um grupo de jovens periféricos protagoniza um baile funk. Eles se divertem, dançam, vibram e se confraternizam. A plateia não assiste inerte, pois também integra a festa. Entretanto, o evento não traz somente comemoração: é plataforma também para reivindicações, manifestos políticos, revolta e, acima de tudo, resistência.
Por meio da linguagem teatro-dança, é desta forma que se estabelece o espetáculo "Cinestesia", criado pelo coletivo homônimo. Em dois atos, a peça traz à tona vivências compartilhadas e discute temas como antirracismo, luta do trabalhador, diversidade de corpos LGBTQIA e realidades da juventude periférica.
A montagem é apresenta nesta sexta-feira, 7, no Teatro Dragão do Mar. Os ingressos estão à venda por R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). As entradas podem ser adquiridas pelo site Sympla e pela bilheteria física do espaço cultural. A classificação indicativa é 16 anos.
A ideia para o espetáculo surgiu em 2023, em um processo de criação na Universidade Federal do Ceará (UFC). No "Laboratório de direção: Workin Process", o diretor, Erlano Sousa, reuniu um grupo de pessoas pretas, pardas e periféricas.
A expectativa era de ser somente um "experimento cênico". Entretanto, a partir de vivências, diálogos entre o grupo e perspectivas de projetos futuros houve a compreensão "de que a movimentação ali estava sendo de firmar um coletivo".
Além de ser criado o Cinestesia, foi desenvolvido o primeiro ato da peça. A obra chegou a ser apresentada algumas vezes para entender a "recepção do público" e aperfeiçoar o trabalho. Como afirma Erlano, "o processo foi difícil".
A construção se deu a partir de estudos de funk, jogos de improviso e cartas de reivindicações para a sociedade: "Trabalhar sobre temáticas políticas que nos afetam diretamente requer muito cuidado, pois durante todo o processo tivemos vários momentos delicados abordando a nossa própria vivência".
Em sua análise, o espetáculo "fala sobre a celebração da dor e da vida". Com caráter "antirracista e antifascista", a peça visa denunciar lacunas nas políticas públicas "que afetam diretamente os povos às margens da sociedade". Nesse escopo, são abordadas também a luta de trabalhadores e a diversidade de corpos LGBTQIA .
Integrante do coletivo e da peça, Lanna Raíssa destaca como o trabalho não ocorre "de forma tradicional", com "personas definidas". Os personagens são os próprios jovens, que se divertem e reivindicam. Imersiva, a obra torna o público protagonista da cena. Para Lanna, sua personagem "é uma voz no meio de tantas, nessa juventude que não se cala perante injustiças raciais e sociais".
Em pouco menos de duas horas, os integrantes dançam bastante, o que exigiu "resistência física" e "muito ensaio para lapidar a sagacidade do ritmo dessa dança tão familiar". "Aprender a dar luz a uma 'sem vergonhice', ao encarar o outro, brincar com a sensualidade ao mesmo tempo que colocamos esses corpos marginalizados como belos e admiráveis. Lidar com a sensibilidade, dialogar com nossa ancestralidade, nos despir de nossas ânsias utópicas de um futuro em possamos parar de resistir e apenas viver", caracteriza.
Lanna divide "Cinestesia" em três pilares: celebração, denúncia e resistência. Há a celebração da cultura periférica e do funk, a denúncia de realidades cotidianas "muitas vezes invisibilizadas" e contra desigualdades e a resistência a partir da "força de corpos menosprezados que se conectam com sua ancestralidade".
O ator Dudu Rocha destaca a "presença coletiva" em cena, bem como a relação afetiva com o funk e "a força política que esse gênero musical tem para além do que é estigmatizado pela sociedade". Para o artista, a importância da peça vai também na direção de celebrar a juventude periférica.
"Enquanto pessoas negras merecemos festejar. A juventude periférica pulsa vivência, diversidade e afetividade. É aqui que gera a importância de 'Cinestesia' ser visto não só no teatro, mas em cada chão periférico que pulsa os mesmos desejos que os nossos, onde há os mesmos sorrisos, a vontade de dançar e a vontade de celebrar de estar vivo todos os dias", enfatiza.
Cinestesia