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Conheça histórias de jovens artesãs que têm a produção como mecanismo de vida
Vida & Arte

Conheça histórias de jovens artesãs que têm a produção como mecanismo de vida

Três jovens artesãs cearenses conversam com O POVO para contar suas histórias sobre a prática e os caminhos entrelaçados até a consolidação da carreira
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Detalhes do trabalho da jovem artesã Rebeca Bento, 32 anos
 (Foto: DIVULGAÇÃO/@robsuniversephoto)
Foto: DIVULGAÇÃO/@robsuniversephoto Detalhes do trabalho da jovem artesã Rebeca Bento, 32 anos

Diferentes formações e histórias se entrelaçam na vida de Rebeca Bento, Bárbara Banida e Lariça Lopes. As três artesãs cearenses têm em comum o apreço pelas manualidades e a escolha certeira: é no artesanato onde encontram o sustento, a alegria e a profissionalização. Neste Dia Internacional da Mulher, 8 de março, O POVO contas as trajetórias de pessoas que escolheram a prática artesanal como mecanismo de existência. No bordado, na escultura ou na feitura de biojoias, as três jovens mulheres dão vazão a um processo que é íntimo e coletivo simultaneamente.

A jovem artesã Rebeca Bento tem 32 anos
A jovem artesã Rebeca Bento tem 32 anos

"Eu quero bordar um vestido de casamento"

Essa é uma daquelas histórias nas quais uma tradição fica na família e passa de geração para geração. Foi assim que o bordado chegou na vida de Rebeca Bento, 32 anos. Formada em Design de Moda pela Universidade Federal do Ceará (UFC), ela conta que desde criança observava a avó bordar e aquilo lhe encantava os olhos. "Mas ela era muito perfeccionista e não gostava de nada do que eu fazia", explica.

Anos depois, a própria Rebeca começaria a se arriscar nos pontos de bordado. Uma tia querida foi outra influência para o encontro com o artesanato: "Ela produzia roupas para mim e outras crianças e, com os retalhos, eu criava roupinhas para minhas bonecas". A jovem artesã explica que parecia uma eterna brincadeira. Os pontos que dava com as mãos miúdas eram bem simples: "bem coisa de criança".

Os anos se passaram e Rebeca deixou o artesanato de lado, mas nunca a criatividade e a costura. Formou-se em Design de Moda em 2019 e seguiu carreira como produtora de estampas. No início da pandemia de Covid-19, em 2020, estava infeliz com as produções. Mas o artesanato encontrou caminho de volta para a vida de Rebeca.

"Naqueles fatídicos 15 dias, que, na verdade, foram praticamente dois anos de quarentena, voltei para o bordado", conta. A graduação havia proporcionado
oficinas e aulas sobre artesanato - então, foi como se a tradição familiar sempre estivesse presente.

Hoje, Rebeca trabalha com a Loja Pupo e também de forma independente com itens para batizados, aniversários e casamentos. Sua fonte de renda é totalmente originada do trabalho como artesã. Nessa realidade, a jovem enfrenta dificuldades por trabalhar com uma produção muitas vezes desvalorizada. "Eu ganho pelo que eu faço, então, quando eu não consigo produzir tão bem, não recebo tão bem", pontua.

A bordadeira não aplaude a incerteza na renda como artesã, mas explica que atualmente é mais feliz e realizada com o que faz. Em todos os seus trabalhos, sua entrega é integral. "Antes de começar o produto, preciso ter uma conversa franca com meu cliente", explica. Para além de ser fonte de renda, diz Rebeca Bento, o bordado vai estar presente em momentos especiais.

"Eu quero sentir o que a pessoa quer, para assim transmitir no bordado e tornar o evento ainda mais especial", conta. Tornar as peças bordadas como pedaços da história de quem as procura é o que a artesã deseja. Um de seus sonhos é produzir um vestido de noiva.

Rebeca continua trilhando o caminho como artesã, coleta referências de suas próprias experiências e aprendizados. Assim como traz ensinamentos de sua avó, "deixar as coisas mais simples que eu puder, até quando o trabalho é muito elaborado". A simplicidade "quando perfeita" chama a atenção, esse traço de perfeccionismo de sua avó permanece no trabalho.

A bordadeira explica que, apesar das dificuldades do trabalho artesanal, é uma felicidade poder trabalhar com o que gosta. Sendo o mesmo sentimento que ela observava na avó em sua infância.

 

 Lariça Lopes é dona da marca Tropicana Feito à Mão
Lariça Lopes é dona da marca Tropicana Feito à Mão

"Gosto de dizer que eu sou multiartista"

"Sou artesã, design, figurinista e empreendedora", é assim que Lariça Lopes, 27 anos, dona da marca Tropicana Feito à Mão, se define. Colares e diversos tipos de acessórios feitos de miçangas de vidro são os artesanatos que a "multiartista" produz e apresenta para o mercado local.

A jovem, nascida e criada na cidade de Sobral, tem mãe e pai artesãos. Uma história de vida que não tinha como fugir da tradição familiar. Lariça explica que, antes mesmo de aprender a andar ou a falar direito, já começava a produzir peças artesanais. Em sua casa estavam disponíveis muitos materiais de diferentes cores, formatos e origens. "Minha mãe tinha um acervo de miçangas, de corda e palha, que ela produzia suas peças", e, assim,
ainda criança, Lariça começou a se aventurar
na prática artesanal.

A artesã se mudou para Fortaleza em busca de expandir seus aprendizados e se colocar no mercado local. Passou pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e pela Central de Artesanato do Ceará (CeArt), ambientes de trabalho e estudo que foram "fundamentais para a artesã que sou hoje", relata.

Essas instituições foram "grandes portas" para a artesã, pois, por meio delas, Lariça aprendeu ainda mais sobre o tipo de produto que desejava trabalhar e como se colocar dentro do mercado. "Aqui em Fortaleza, eu mergulhei totalmente no artesanato, passei por muitos lugares e conheci muitos mestres do artesanato, até que pude desenvolver a Tropicana Feito à Mão", relata.

"A Tropicana é a minha expressão artística por meio das miçangas", fala a cearense. Atualmente, seu trabalho é exclusivo com miçangas de vidro, já que acredita que o artesanato não é algo descartável. Lariça explica ainda que essa matéria-prima é feita para durar para sempre, e quando se fala de descartáveis, principalmente, no contexto de miçangas, se pensa no plástico. "Estudei a sustentabilidade dentro da moda e do artesanato e aprendi a não utilizar materiais prejudiciais ao meio ambiente", conta.

Seja nas suas peças, seja dentro da sua marca, ela traz a tradição familiar - herança da infância vivida na Região Norte do Ceará. "Pego trabalhos da minha mãe e trago com a minha visão, para manter a tradição, mas sem perder a originalidade", conta. Além desse movimento, ela tem tias que produzem bordados e crochês. São trabalhos delicados que alimentam também o acervo da Tropicana Feito à Mão. Uma cultura que nasceu e permanece em família.

Ela explica que sua arte é considerada uma biojoia, porque o vidro é 100% sustentável. "Se você perder uma miçanga da Tropicana Feito à Mão no mar, ela não vai poluir, porque ela vai se decompor e a linha que utilizo é de fibra orgânica", explica Lariça. "As miçangas de vidro ou madeira não irão prejudicar o meio ambiente", reforça, em comparação com
outros materiais geralmente utilizados.

A busca pela valorização do artesanato é uma das principais metas de Lariça. Na conversa com O POVO, ela contou que, desde o começo da carreira de artesã, enfrentou essa barreira, "produzir para slow fashion já é difícil e localmente é ainda mais". "Grandes marcas como a Dior, a Chanel e a Louis Vuitton, por exemplo, também produzem suas peças à mão, mas possuem o devido reconhecimento, mas quando se traz essa realidade para a produção local é considerado "de menor valor", pontua.

O trabalho do artesanato é único, lento e rico, "não é por meio de máquinas como na indústria da moda rápida". Por isso, é preciso que o público consumidor entenda que o processo merece valorização e reconhecimento, assim como grandes grifes recebem, e, dessa forma, é necessário um valor justo para aqueles que passaram muito tempo na produção da peça - acredita a artesã.

Seu sonho como artesã e empreendedora é que as pessoas não questionem o valor da peça e, se questionarem, que seja para saber quem a fez. "É um trabalho que não é escravizado, que as pessoas não sofrem para que aquilo esteja nas suas mãos". "O que está nas suas mãos tem amor e ninguém precisou sofrer ou se machucar. É uma moda que traz história em vez de sofrimento", finaliza a artesã.

 

Peça da artesã Bárbara Banida
Peça da artesã Bárbara Banida

"O primeiro desafio foi entender que eu sou artesã"

Uma artesã que nasceu de uma drag queen. Bárbara Banida, 28 anos, é esculturalista, performer e gerente cultural. Ela perpetua uma prática tradicional que surgiu na sua vida pela necessidade de mostrar a expressão própria para o mundo.

Desde a infância, a arte permaneceu circulando sua rotina. "Eu tinha muito, muito apreço por manualidades", conta ao relembrar que desde pequena já esculpia com massinha de modelar. Seus dotes para a arte seguiram múltiplos caminhos - primeiro, foi para o desenho; depois, seguiu para a produção de objetos manuais com arte têxtil. Ela relata que nessa trajetória passou também por uma formação sobre figurino na escola Porto Iracema das Artes.

O bordado foi seu começo, mas o tipo de artesanato que se conectou com sua carreira e sustento foi a escultura - e, desde 2023, tem sido seu foco de produção artesanal.

O processo criativo é de dentro para fora, pois ela considera o artesanato um método muito íntimo que surge do seu imaginário. "Elas vão surgindo, passam a ser essa outra materialidade que dialoga comigo", relata a artesã. Suas referências vão da cerâmica contemporânea até as pessoas que estão ao seu redor no dia a dia. Ela, como artista, gosta de entender quem são essas pessoas e de traduzir como enxerga o exterior.

O percurso para se entender como artesã foi longo, por ser formada por muitos tipos de arte. Bárbara comenta que na autodeclaração de artista, muitas vezes, as pessoas nem conseguem acessar, porque pode ser difícil se considerar artista quando se é artesão.

"Eu, por outro lado, venho de outras linguagens artísticas e antes de pensar no artesanato, eu já desenvolvi uma carreira dentro da arte". E completa: "Eu acho que o primeiro desafio foi entender que eu sou artesã".

"Acredito em outras possibilidades para o fazer do artesão", comenta sobre a diversidade existente na produção. Bárbara traz a sua bagagem com outros tipos de linguagens artísticas para seu trabalho. A expressão da arte, ela diz, é algo muito subjetivo que consegue colocar para fluir no mundo.

Explica que não é fácil viver somente da produção artesanal e, por isso, se desdobra em várias formas, mas que todas elas contribuem para o enriquecimento das suas linguagens artísticas.

 

Conheça as artesãs

Rebeca Bento

  • Bordados temáticos para datas comemorativas
  • Mais informações:
  • @bordadosdabecs

Tropicana Feito à Mão

  • Design autoral e artesanato
  • Funcionamento: ateliê aberto segunda-feira e terça-feira, das 15h às 19 horas; e Bodega Tropicana em funcionamento de quarta-feira a sábado, das 13h às 20 horas
  • Onde: Rua dos Tabajaras, 610 - Praia de Iracema
  • Mais informações: @tropicanafeitoamao

Bárbara Banida

  • Esculturas e outras materialidades
  • Mais informações: @abarbaraoca e @barbarabanida 
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