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De Paulo Gustavo a Aldir Blanc:o legado de artistas mortos na pandemia
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De Paulo Gustavo a Aldir Blanc:o legado de artistas mortos na pandemia

Cinco anos após anúncio oficial da pandemia de Covid-19, artistas mortos pela doença são reverenciados e têm legados compartilhados por quem ficou
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Paulo Gustavo, ator (Foto: Reprodução/Instagram)
Foto: Reprodução/Instagram Paulo Gustavo, ator

Em seu especial de fim de ano da TV Globo em 2020, o ator e humorista Paulo Gustavo deixou ao público um recado poderoso. O contexto era a influência positiva da arte no enfrentamento à pandemia. Como disse, “o humor salva, transforma, alivia, cura e traz esperança”: “Este ano foi difícil? Sim. E foi a cultura em geral que nos ajudou a seguir em frente, tornando tudo um pouquinho mais leve”.

Meses depois, Paulo Gustavo morreu devido à covid-19. Seu falecimento chocou o Brasil por diferentes motivos, como a sensação de que ainda teria muitos projetos marcantes a apresentar. Ele foi um entre vários artistas e mais de 700 mil brasileiros vítimas da doença.

Nesta terça-feira, 11 de março, chegamos à marca de cinco anos desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que a doença causada pelo então novo coronavírus estava caracterizada como uma pandemia. O Vida&Arte dedica espaço para lembrar alguns dos artistas que foram vítimas da covid-19 e ressaltar seus legados. Na música, no humor ou no teatro, não foram poucos os abalos sofridos pela arte na pandemia.

Assim como Paulo Gustavo, quem reforça o protagonismo da arte na crise sanitária é o jornalista cultural, dramaturgo e colunista do O POVO, Renato Abê. Em um momento no qual todos estavam isolados em suas casas e “precisavam buscar referenciais simbólicos para além da dor”, os artistas apareciam como “apontadores de futuro”, profissionais “capazes de fabular um depois” em meio a tantas dificuldades.

Por isso, mortes de atores como Tarcísio Meira e Nicette Bruno foram “golpes duplos”, pois tanto se somavam à dor existente quanto representavam perdas de profissionais que levaram a milhões de pessoas entretenimento ao longo de muitos anos na televisão. “Nesse momento tão crucial em que nosso referencial social estava balado, ver artistas morrendo trazia uma dor ainda maior, no sentido de perder duas vezes: pelo lado objetivo da dor e pelo lado simbólico de ver nomes tão importantes não estando mais presentes nas telas”, argumenta.

Meira e Bruno atravessaram décadas em diferentes formatos na tela, do humor ao infantil, atuando também em novelas clássicas e épicas. Impactaram, então, diversas gerações. Renato também cita vítimas como João Acaiabe, Eduardo Galvão e Paulo Gustavo entre tantos artistas que deixaram “uma tristeza que só se ampliou ao longo do tempo”.

Localmente, no Ceará, a perda de um ator cearense também foi bastante dolorida. O dramaturgo Wellington Rodrigues partiu aos 45 anos em agosto de 2020. Fundador da Companhia Teatral Moreira Campos, usava a arte para se debruçar sobre as nuances do existir. Como define Renato Abê, o ator era “um operário do teatro”.

Para além dos palcos, teve atuações muito fortes na busca por políticas públicas mais adequadas para as artes cênicas e pesquisas voltadas à terceira idade nas artes, “assunto muito importante e pouco abordado”. “Ele foi um símbolo da luta da classe artística, sempre muito presente na articulação da linguagem teatral. Ele deixou um vazio muito grande”, pondera.


No Ceará, também foi símbolo do triste período vivido na pandemia a morte do jornalista, escritor, pesquisador e professor Gilmar de Carvalho. Ele faleceu em 2021, após passar 29 dias internado. Em 2024, foi homenageado com o título honorífico de Professor Emérito da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Como afirma a pesquisadora e curadora de artes visuais Dodora Guimarães, Gilmar de Carvalho “foi um intelectual sensível a todas as questões humanas”, sendo inovador em todas as áreas e atividades que abraçou, na literatura, comunicação e cultura. Ela ressalta seu papel enquanto alguém que “inventariou a produção cultural e artística do Ceará”, fazendo “os estudos mais aprofundados sobre Patativa do Assaré, o Cordel e a Xilogravura em Juazeiro do Norte e trazendo à contemporaneidade mestres luthiers e rabequeiros”.

“Trabalhador incansável, generoso e apaixonado pela vida criativa, Gilmar de Carvalho tinha um radar e um conhecimento completo de tudo que acontecia, contaminava e fervilhava na vida sociocultural cearense. Doutor em semiótica pela PUC de São Paulo, ele compreendia e articulava perfeitamente o embricamento da cultura de massa com a cultura popular e a nova cultura mediada pela internet. Esta era a pessoa Gilmar de Carvalho. Um cientista da cultura”, define.

Gilmar de Carvalho deixou não somente “mais de 50 livros importantíssimos para a cultura brasileira”, mas uma “legião de ex-alunos que são uma riqueza imensurável, tocados pela sua inquietude, inteligência e sabedoria”. Por tudo o que fez e viveu, é eterno. “Como faz falta a sua coragem, a sua liberdade, o seu olhar 360 graus, o seu senso de humor agudo, a sua sabedoria”, lamenta Dodora Guimarães.

A Covid-19 também atingiu o humor nacional. Um dos principais nomes da linguagem, Paulo Gustavo morreu em 2021, aos 42 anos, após passar quase dois meses internado. Admirado em todo o País, criou a personagem Dona Hermínia em “Minha Mãe É Uma Peça”, sucesso no teatro e no cinema.

O artista foi tão relevante que deu nome à Lei Paulo Gustavo (LPG), que destina recursos para a execução de ações e projetos culturais no Brasil. Ela foi aprovada em 2022 para combater os efeitos da pandemia no setor. Com sua grandeza, inspirou outros profissionais de sua área, como o cearense Moisés Loureiro.

“O lugar do ator/produtor/autor que ele ocupava sempre me inspirou e me inspira”, indica Loureiro. Como afirma, sempre foi “público” de Paulo Gustavo, artista “muito original e orgânico”. “Nada dele parecia decorado ou técnico - por mais que muitas vezes fosse. A sensação era sempre de estar vendo algo único e verdadeiro”, enfatiza.

Moisés Loureiro aponta legados deixados pelo carioca: “Sobretudo no cinema, mas não só nele, o legado é enorme. Paulo passou por todas as plataformas e foi sucesso absoluto em todas: teatro, TV e cinema. A confiança e coragem de unir arte, política e sociedade é um dos maiores legados desse artista”.

Neste contexto de cinco anos de pandemia, Renato Abê enfatiza a relevância de continuar lembrando dessas pessoas, visto que deixaram marcas em diferentes campos: “A morte do Paulo Gustavo aconteceu em um momento no qual o Brasil mais precisava dele. Isso é muito triste. É um indicador de que não dá para somente virar a página, ignorar essas existências, porque estamos em uma situação sanitária mais tranquila. Não dá para esquecê-los”.

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