Segundo dados divulgados pelo Ministério do Turismo no estudo "Tendências de Turismo Verão 2025 - comportamento da população brasileira", 35% dos brasileiros, totalizando 59 milhões de pessoas, planejaram viajar entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, sendo o principal atrativo turístico o sol e as praias (54% das escolhas). A natureza e o ecoturismo são a segunda opção, com 10% da preferência dos entrevistados, seguido de turismo de aventura e de saúde e bem-estar (5% cada), e rural/campo e natural/histórico (4% cada).
O Brasil é o "país destino" mais desejado por 97% das pessoas e a região Nordeste é escolhida por 53%. Bahia (16%), Ceará (9%) e Paraíba (7%) estão entre os estados preferidos. A expectativa é de que o turismo movimente R$ 148,3 bilhões neste período, considerando o gasto médio de R$ 2.514 declarado pelos entrevistados.
Todos esses dados levam à conclusão de que o Brasil é um destino turístico querido e desejado pelo brasileiro, tendo o sol e as praias do Nordeste como grandes vedetes. Mas, é possível definir e valorizar uma região de mais de 1,5 milhão de km² apenas pela sua faixa litorânea?
Para o turismólogo Thiago Buriti, a resposta é sucinta: não. Porém, nem para o paraibano esse fato sempre foi tão evidente. Ao lado do irmão Pablo, viveu a infância em São Paulo. As férias de janeiro eram curtidas em João Pessoa e as férias de julho no interior, no agreste ou no Cariri Paraibano. As vivências fizeram os irmãos notarem que a educação que receberam não condizia com a realidade.
"Com o tempo, a gente foi percebendo que a educação que a gente tinha desde do ensino básico mostrava um Nordeste irreal, que era a cena do gado morto, o solo rachado, aquela miséria e pobreza. E quando a gente vinha para cá, a gente via que não era nada disso. Tem pobreza, tem seca, mas não era esse estereótipo que é passado do Nordeste de uma forma generalizada", diz Thiago.
Em 2016, Thiago e Pablo idealizaram dois negócios: o Visu e o Xilo Hotel, no bairro turístico Cabo Branco, em João Pessoa. O hotel foi inaugurado dois anos e meio depois, no imóvel onde os irmãos cresceram. A casa deu lugar a um hotel de pequeno porte, com dez quartos.
Em paralelo, o Visu se enquadra como uma agência de turismo, chamada pela dupla de "um manifesto sobre o novo viajante". A experiência com produção audiovisual para cinema, programas de TV e ensaios fotográficos serviram de base para o que hoje consiste na criação de roteiros para viajantes. A ideia, conta, é "levar o pessoal para conhecer o verdadeiro Brasil, o real, e não oficial, como já dizia Machado de Assis".
O Visu, segundo ele, leva as pessoas para o turismo de experiência, vivência, emoção, o turismo de base comunitária, onde a relação começa ainda com as pessoas que moram na região, gerando confiança.
Os destinos são sempre lugares não triviais. "são lugares que o Brasil desconhece, que os livros de história não contam, que realmente fogem do comum e que despertam o imaginário das pessoas. É o Nordeste das águas desarrumadas, a gente não gosta de chamar 'Nordeste seco'. São águas desarrumadas, porque chove pouco e esse pouco chove de uma vez, então é uma chuva desregular".
No Visu, os irmãos trabalham com grupos de até 20 pessoas, com datas específicas, sempre divulgadas no site e nas redes sociais. São ofertadas duas vertentes: expedição e vivência. A expedição é quando "avançam no território". Paraíba, por exemplo, é uma expedição, saindo do litoral, passando pelo Agreste e chegando ao Cariri paraibano. Já na Chapada do Araripe, os visitantes passam por uma Vivência. A base é em Juazeiro do Norte, para onde o grupo retorna após as vivências.
As datas das viagens estão em consonância com períodos com alguma manifestação cultural do território, como a Festa do Pau da Bandeira em Barbalha ou o aniversário da Fundação Casagrande, ambos no Ceará. A duração é, em média, de cinco dias.
Segundo Thiago, a aproximação com as comunidades rendem laços afetivos, que proporcionam aos visitantes uma viagem segura, acolhedora e confortável. Em paralelo, a economia circula ainda mais. Conforme o empresário, até o momento o projeto já movimentou, só na Paraíba, mais de R$ 600 mil de consumo de artesanato.
Na Chapada do Araripe, por exemplo, uma das vivências é levar os viajantes para dançar e apreciar o "Jogo de Espadas" de reisado e entender a importância do Jaraguá para essa cultura na periferia de Juazeiro, no bairro João Cabral, e, depois de vivenciar toda a história, conhecer e adquirir obras do Mestre Noza ou as xilogravuras da Lira Nordestina.
"Quando você entende essa ordem de roteiro, você traz outro significado pro artesanato. Aquela peça já vai trazer memória. Memória já traz emoção, então ele já se reconecta com aquela experiência. Essa leitura que o turismo tem que ter".
O carro-chefe do Visu é o quintal de casa: o Cariri paraibano, inspirado em Ariano Suassuna. Ainda há a vivência na Chapada do Araripe, no Cariri cearense, e a "De Rosa a Francisco", no norte de Minas Gerais, inspirada em Guimarães Rosa. Já no projeto "Na Foz do Rio Doce", a vivência acontece no Espírito Santo. A novidade é a expedição para o baixo São Francisco, na região percorrida pelo rio entre Alagoas e Sergipe. Ao todo, a empresa já fez mais de 25 expedições, levando mais de 500 pessoas pro Nordeste das águas desarrumadas.
Tornando cidades visíveis
Muitas viagens começam quando amigos se unem, definem um destino e iniciam uma pesquisa com o que será visto. No caso da Urbes - Cidades Invisíveis, Antônio Sávio Magalhães Sousa, Nicholas Mesquita e seus amigos fotógrafos só queriam se reunir e registrar em fotos o que viam nesses lugares, ainda em 2020. As fotos publicadas nas redes sociais fizeram sucesso entre os seguidores e o projeto chegou ao formato atual.
Quando Nicholas se afastou por questões de trabalho, a esposa Anna Karolina Lobão assumiu a administração do projeto e seguiu com a ideia de agregar pessoas, compartilhar conhecimentos e valorizar as histórias das cidades.
"A gente entende que faz parte de um movimento que hoje tá mais forte na cidade, envolvendo educação ambiental e patrimonial, histórica", explica Anna Karolina, nutricionista que trabalha com a relação entre cultura e nutrição.
Sem o objetivo de tornar-se uma agência de turismo, a Urbes é definida como um projeto colaborativo, onde todos compartilham conhecimentos. Professores de diferentes áreas, geógrafos e historiadores formam uma equipe que se une às comunidades locais para elaborar roteiros de acordo com o destino planejado.
Anna Karolina explica que o intuito é oferecer roteiros curtos, que vão de três horas a um fim de semana, mas capazes de integrar histórias, consciência ambiental e responsabilidade social, "já que todos os destinos respeitam as parcerias locais, seguindo uma perspectiva de ecoturismo e cultura". Os valores cobrados são partilhados entre guias locais, transporte, entradas nos museus e sítios.
A escolha dos destinos segue critérios como ineditismo ou pouca difusão entre o público, que desperta interesse dos próprios organizadores. Após definida a equipe que será responsável pela elaboração do roteiro, é feita uma articulação entre parceiros na comunidade, além de uma visita prévia aos espaços. Hoje, a Urbes oferece aos clientes mais de dez destinos exclusivos, com roteiros ativos e visitados regularmente.
Dentre os favoritos do público está a Rota do Café, com três opções de roteiros; a visita aos territórios indígenas; e a trilha de Furna dos Ossos, em Tejuçuoca, com foco nas questões históricas e geográficas. "A gente dá destaque ao relevo, à flora da caatinga, além da mística do lugar", destaca Anna Karolina. Há, ainda, roteiros pelo litoral e na Capital que também fogem do convencional.
Para conhecer a própria história
A professora de biologia Alice Manuela Teixeira Andrade, 29 anos, conheceu a Urbes por indicação de uma amiga e se interessou pelos roteiros após seguir o projeto no Instagram.
"O que mais me chamou atenção foram as rotas que sempre eram de lugares daqui, de maneira turística, mas com um aporte histórico, geográfico, biológico; isso tudo me fazia sentir mais curiosidade pelo território que cresci, mas nunca tinha enxergado por outros olhos", conta.
Entre as experiências vividas estão a Rota pelo Rio Ceará, onde pôde se aprofundar na história do bairro Barra do Ceará e se conectar com a história da própria família, e a visita à Aldeia Jenipapo-Kanindé.
Nesta, a receptividade dos indígenas foi cuidadosa e atenciosa, permitindo que o grupo se inserisse na cultura e compreendesse o próprio papel na permanência dos povos originários em seus territórios.
As vivências, ela conta, a fizeram "enxergar melhor a beleza do nosso território". "Sinto que o conteúdo passado agregou também na minha profissão como educadora e bióloga, porque aprendi de maneira mais contextualizada sobre o espaço que vivo", descreve.
Passaporte cearense carimbado
Thiago Lúcio, profissional da área de tecnologia da informação, e Kaliza Holanda, professora de história, resolveram, em 2017, iniciar um projeto para visitar, juntos, os 184 municípios cearenses.
Os roteiros começavam com a escolha do destino final e o caminho era percorrido visitando o máximo de cidades possível. Sempre com paradas para tirar fotos, conhecer os locais e visitar pontos como mercados municipais e a igreja matriz, importante para os moradores e localizada na praça que, muitas vezes, reúne também gastronomia, arte e cultura.
Dentre os desafios, Kaliza cita a falta de informação sobre alguns municípios, que não dispõem de sites e perfis nas redes sociais falando dos atrativos. E ainda compara com as experiências no litoral, afirmando ser muito mais fácil encontrar informações das praias.
Segundo Kaliza, o projeto acabou despertando emoções também em quem acompanhava. "Quando eu postava, sempre comentavam: 'Ah, minha avó é daí', 'Eu viajei para aí nas férias', ou 'Minha mãe morava aí'. Então tem esse ponto da afetividade, falar de uma cidade que não é a sua acaba chamando pessoas que são ou que têm história ligada à aquele lugar", declara.
E frisa: "A gente tem muita riqueza no interior cearense. Eu acho que a gente vai ver muita coisa ainda, mas talvez seria interessante existir um mapeamento disso". O projeto seguiu até a pandemia e o casal visitou 60 municípios. Porém, a ideia é dar continuidade, agora com mais um integrante, a filha Catarina, de 4 anos. Inclusive, a dupla já sabe o primeiro destino: Catarina, na microrregião do Sertão dos Inhamuns.