"Eu escuto a cor dos passarinhos"- já citava o poeta Manoel de Barros em "O livro das ignorãças" (1993). O autor demonstra como a linguagem pode permitir que as palavras ganhem novos significados. Ressignificação que a artista visual Côca Torquato explora a partir das cores. Neste sábado, 15, o Museu de Arte da UFC (Mauc) recebe o mais recente trabalho da cearense de Parambu, a exposição "Só para ver-te agora são meus olhos", referência ao poema de Virgílio Maia, marido da artista.
A mostra contempla 70 peças - sendo 40 pratos de porcelana e 30 aquarelas em nanquim. Iniciadas na pandemia de Covid-19, as obras são marcadas pela presença de pássaros que despertam a temática de empatia, de amor e da solidariedade que a própria autora descreve.
"Nesse novo trabalho, eu represento o amor e a fraternidade com a figura dos pássaros, inseridos numa natureza de folhagens, que simbolizam tempos de gentileza, solidariedade e convivência em harmonia", explica a artista.
Sob estética rupestre, a produção busca resgatar a demonstração das ancestralidades e da cultura popular do Nordeste brasileiro, com influência direta do Movimento Armorial. Criada por Ariano Suassuna, amigo de Côca, a vertente artístico-cultural busca desenvolver uma produção erudita a partir de elementos da cultura popular.
"Minha inspiração vem muito da natureza, da observação dos pássaros aqui do Nordeste, e também de folhagens e plantas imaginárias, mas que têm uma conexão real com o que vejo na minha vivência e espero que o público absorva esse tema", destaca.
Ela ainda acrescenta a influência de Suassuna na cultura brasileira e o movimento realizado na década de 1970. "Ele (Ariano) dizia que essas artes andando todas juntas seriam arte brasileira calcada nas nossas raízes culturais, na nossa matriz cultural nordestina", relembra.
Nas porcelanas e aquarelas da artista, os pássaros são mostrados em meio à vegetação. As aves que ficam em bandos fazem referência à fraternidade, à amizade e ao amor. Côca espera que o público consiga sentir as mensagens das produções. "Acredito que as pessoas vão sentir empatia pelo tema do amor e da solidariedade. E, claro, terão curiosidade sobre as citações rupestres, que são uma parte importante da exposição", relata.
Com tons terrosos misturados a azul, vermelho e amarelo, Torquato afirma que buscou desenvolver um trabalho baseado em memória e imaginação. Apesar da mensagem leve que a obra carrega, a produção, segundo ela, foi "complexa", especialmente nas peças de cerâmica, pois os pratos precisam ser queimados várias vezes - levando cerca de três anos para a conclusão da coleção.
O Mauc é um espaço que tem simbologia importante para Maria do Socorro Torquato Maia, a Côca. Ela, que já foi estudante do curso de Direito da universidade, disse que o museu foi um dos primeiros que possibilitou seu contato com obras de artistas cearenses como Aldemir Martins e Barrica.
"O Mauc é um lugar muito significativo para mim, já o visitava desde a minha juventude e sempre me inspirei nas exposições que lá aconteciam. Para mim, é uma grande honra estrear minha individual nesse espaço tão importante para a cultura cearense", reforça.
Côca pinta desde criança e começou com o desenho daquilo que via na natureza. Aos 11 anos, ela iniciou no curso de pintura em tecido, que despertou seu interesse pela arte.
Depois, sua vida a levou para rumos diferentes - que a colocaram na universidade e no casamento com Virgílio Maia, que é escritor da Academia Cearense de Letras. Quando o seu esposo começou a publicar livros, ela ficou responsável pelas ilustrações.
No decorrer dos anos, Torquato colaborou com o Jornal O Pão e ilustrou livros e cordéis, além de atuar como desenhista, pintora e escultora. Ela destaca a importância do protagonismo da mulher no meio artístico e registra seu desejo de que mais pessoas busquem esse trabalho.
"É importante continuar abrindo espaço para que novas artistas também possam se expressar. Necessário ter disciplina para conseguir aprimorar mais, explorar e nunca desistir", aponta.
Abertura da exposição "Só para ver-te agora são meus olhos", de Côca Torquato
"Só para ver-te agora são meus olhos"