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Livro literário na escola pública? Saiba como funciona o processo de escolha
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Livro literário na escola pública? Saiba como funciona o processo de escolha

Como um livro literário chega até a escola? O caminho passa por debate entre professores, validação da obra e entendimento sobre notoriedade cultural
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Livro literário na escola pública? Saiba como funciona o processo de escolha  (Fotos: Lorena Louise / Especial para O POVO) (Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Livro literário na escola pública? Saiba como funciona o processo de escolha (Fotos: Lorena Louise / Especial para O POVO)

Instituído pelo Congresso Nacional para homenagear a instituição primária na formação educacional no país, o Dia da Escola é celebrado neste sábado, 15 de março.

Como órgão vivo que se mescla com os estudantes, famílias e agentes exógenos ao ambiente educacional, é crescente nas redes sociais as manifestações que pedem a inclusão ou exclusão de obras literárias nas escolas da rede pública do país.

No mês de janeiro, foi apresentado na Câmara Municipal de Fortaleza um projeto de lei de autoria da vereadora Professora Adriana Almeida (PT), que propõe a circulação nas escolas municipais de Fortaleza do livro "Ainda Estou Aqui", de Marcelo Rubens Paiva.

Por outro lado, a deputada estadual Silvana Sousa (PL) pediu o veto ao livro "E o Medo, que Medo Tem?", integrante da Coleção Paic Prosa e Poesia da Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), sob alegação de haver uma "mensagem subliminar para a cultura LGBT", devido à narrativa apresentar um personagem vestido de bailarina.

Entre vetos, projetos de lei, medidas e manifestações nas redes, qual é o real caminho que um livro literário percorre até ingressar nas escolas públicas do país?

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

Criado em 1937, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o mais antigo dos programas voltados à distribuição de livros aos estudantes da rede pública de ensino brasileira. Entre mudanças de nome e remodelações, hoje, sob a regência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), o programa distribui obras didáticas, pedagógicas e literárias de forma sistemática, regular e gratuita.

Como principal abastecedor dessas instituições, o programa passa por uma série de fases, que vão desde o cadastro das editoras até a chegada dos livros às escolas.

Na primeira etapa, ocorre a inscrição das editoras, que apresentam suas obras conforme os critérios definidos nos editais. Posteriormente, as obras passam por uma avaliação pedagógica anônima, realizada por professores das redes pública e privada e mestres e doutores pertencentes a um banco de avaliadores do MEC.

Após a avaliação, monta-se um Guia Digital do PNLD que é encaminhado às escolas públicas do país, e, de maneira democrática e autônoma, gestores e professores analisam e escolhem, via sistema, as obras que desejam trabalhar no próximo ciclo letivo.

De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica 2023, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a educação brasileira contava, à época, com 178,3 mil escolas públicas, entre a rede federal, estadual e municipal.

Para Fernanda Pacobahyba, presidenta do FNDE, desenvolver uma política de abastecimento nacional, em um país de dimensões continentais e com contextos educacionais tão distintos, é um dos motivos a serem comemorados neste dia 15 de março.

“Fazer política pública no Brasil, com o tamanho e a diversidade do país, não é fácil. Mas o PNLD é um programa extraordinário, pois ele fornece autonomia para as redes de ensino, e respeitamos essa autonomia na seleção dos livros. Os professores, que conhecem diretamente os interesses e as necessidades dos alunos, são os responsáveis pelas escolhas dos títulos literários que vão circular nas escolas. Apesar das particularidades regionais, não há um registro de diferenças expressivas nas escolhas feitas pelas redes de ensino, o que demonstra um gosto amplo pela leitura, pela língua portuguesa e também que os autores brasileiros estão conseguindo impactar toda a população”, destaca.

Rememorando as fases do processo, a presidente destaca ainda o papel primordial que o educador desempenha na formação do caráter dos estudantes por meio da escolha da literatura escolar.

“O educador está no centro da seleção dessas obras, pois conhece a realidade dos alunos e sabe quais temáticas precisam ser abordadas. Um professor que trabalha em uma escola com problemas de bullying ou preconceito tem uma grande oportunidade de usar a literatura para tratar desses temas, não de forma direta e dura, mas por meio de histórias que podem ajudar na conscientização. O sucesso do programa só é garantido por conta dessa proximidade, sensibilidade e pelo conhecimento dos professores sobre as realidades que os alunos enfrentam”, pontua a cearense.

Além do recebimento das obras adquiridas por meio do FNDE, a Seduc seleciona os demais exemplares por meio de concursos literários, que são viabilizados via editais. O concurso estadual é aberto para escritores cearenses, que podem inscrever até um texto em uma das três categorias, no caso da literatura infantil: categoria para 4 e 5 anos, categoria para 6 a 8 anos e a categoria para 9 e 10 anos.

Este ano, a Secretaria Estadual também realiza a modalidade infantojuvenil, que é segregada com duas categorias de inscrição. Uma vez selecionados por pareceristas que possuem domínio na área de educação e literatura, escolhidos por meio de uma Chamada Pública, os textos são encaminhados para um tratamento editorial.

Após a transformação em livro e a fase de impressão, surgem 36 títulos que, de acordo com a Seduc, chegam a 100% das turmas do Ensino Fundamental e da Educação Infantil do estado do Ceará. Além disso, o autor cujo texto é selecionado é premiado com 4 mil reais e 10 exemplares do seu título, incentivando também a produção literária local e conectada com o contexto educacional cearense.

O processo descrito se aplica à coleção Coleção Paic Prosa e Poesia, que selecionou e editou o exemplar "E o Medo, que Medo Tem?", que recebeu um requerimento da deputada estadual Silvana Sousa (PL), que pedia a "imediata suspensão" dos livros nas escolas.

Ao serem questionados sobre a tentativa de interferência no processo de seleção das obras literárias, a Seduc reiterou o processo criterioso realizado pelo órgão, referendado pelo FNDE e pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

“Essas medidas prejudicam o processo educativo na medida em que direcionam o trabalho pedagógico para uma única concepção de pensamento e modelo de educação que, geralmente, exclui aqueles que historicamente foram apagados e/ou silenciados. Isso permite que as ações realizadas individualizem o processo, retomando escolhas parciais e sem garantia da responsabilidade técnica e científica”, finaliza a Seduc.

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