Figuras icônicas da cultura pop, as sereias são criaturas que habitam o limiar entre o real e o imaginário, unindo a figura feminina ao fascínio insondável dos oceanos. Encarnam mistério, sedução e, muitas vezes, perigo. Na mitologia grega, eram temidas e encantadoras que, com seus cantos hipnóticos, arrastavam marinheiros para um destino trágico.
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No Brasil, o folclore nos presenteia com Iara, a mãe d'água, uma sereia envolta em lendas amazônicas que seduz homens e os conduz para as profundezas dos rios. Já no universo Disney, Ariel, pequena sereia sem voz, trouxe uma interpretação mais inocente e sonhadora dessas criaturas, conquistando gerações. Seja no imaginário ancestral ou na ficção moderna, as sereias continuam a nos fascinar, personificando o desconhecido e a eterna ponte entre o humano e o místico.
É justamente sobre estes seres enigmáticos que a nova graphic novel do brasileiro Hiro Kawahara se desenvolve. Autor de "Parzifal" (2017), ele lança "A Sereia da Floresta" pela JBC. A obra é vencedora do "Japan Internation Manga Award", condecoração criada pelo governo do Japão para encorajar trabalhos de mangás não-japoneses.
A trama se passa no século XV, em um universo onde a magia existe, mas surge em uma realidade paralela, na qual as sereias reinam quase absolutas nos mares. Nesse mundo, elas vivem em harmonia com outras criaturas terrestres, tendo como objetivo a perpetuação de sua espécie. No entanto, ao se reproduzirem com uma forma de vida mágica, são atingidas por uma doença devastadora que as leva à beira da extinção.
Brissen, uma das protagonistas da obra, está à beira da morte quando recebe uma proposta inesperada das Abaias, deusas que observam sua espécie há milhares de anos. A oferta? Uma nova vida em outro universo. Mas há um preço: ela deve gerar um filho, que será entregue às Abaias como pagamento.
Com uma narrativa rica em simbolismos e reviravoltas, "A Sereia da Floresta" transporta os leitores para um oceano de significados, explorando não apenas a mitologia das sereias, mas questões universais sobre destino, escolhas e o conflito entre o humano e o sobrenatural.
Ao aceitar a oferta, Brissen ressurge em meio a uma floresta, debilitada, e é encontrada por Kui, uma "alquimista" que vive isolada das cidades por ser considerada uma bruxa. A partir desse encontro, a história narrada por Hiro transita por diversos temas, como ciência, religião, imigração, amor e luto.
A relação entre as protagonistas, Kui e Brissen, se desenvolve de forma natural, surpreendendo pela profundidade alcançada em poucas linhas. Apesar das 160 páginas da graphic novel, a narrativa se desenrola de maneira fluída e intensa, explorando cada tema com profundidade. Um dos aspectos mais marcantes da trama é a visão preconceituosa da cidade religiosa em relação à Kui.
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Embora a região esteja assolada por uma doença que se assemelha à peste-negra, a igreja, que domina a cidade, se recusa a aceitar a ajuda de Kui. A protagonista, no entanto, entrega remédios clandestinamente a um amigo da vila, que os utiliza para tratar os doentes sem revelar sua verdadeira origem. Esse detalhe reflete com precisão o momento histórico em que a narrativa se desenrola.
Além das temáticas atuais e complexas abordadas no roteiro, a graphic novel também merece destaque pela arte de Hiro e pelas cores de Nicole Spada. A ilustração transita com maestria entre momentos de ternura e brutalidade, sem jamais perder o fio condutor da narrativa. Cada arco se torna um espetáculo visual à parte, guiando as emoções do leitor por meio de cores e composição visual. Além de surpreender narrativamente até o último quadro de leitura em todos os sentidos.
"A Sereia da Floresta" é uma obra que alia mitologia, beleza e profundidade, conduzindo o leitor por uma jornada reflexiva - com um enredo cativante e uma direção artística impecável.
A Sereia da Floresta