Falar sobre o universo de leitores no Brasil pode ser recorrer à edição mais recente da pesquisa Retratos da Leitura, que apontou perda de quase 7 milhões de leitores em quatro anos no País. Entretanto, pode ser também a oportunidade de discutir formas de iniciar novos públicos - ou retomá-los - na leitura.
O hábito da leitura é multifatorial. O campo é tão importante que há profissionais que se dedicam a investigar minuciosamente a prática, bem como proporcionar mecanismos de acolhimento a quem deseja se aventurar nesse universo. As portas para a leitura podem vir de incentivo de amigos ou de publicações especializadas. O importante, acima de tudo, é existir uma chance.
“O primeiro passo, para mim, é tentar fazer chegar essa oportunidade a mais pessoas, principalmente às que não tem acesso ao ensino ou que não tem uma assistência maior da família. Entendemos muito o papel da família nesse momento do início da leitura e do incentivo à escolaridade”, aponta a produtora cultural e editora Patrícia Veloso, idealizadora da Terra da Luz Editorial.
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A Terra da Luz Editorial trabalha com produção de livros desde o final da década de 1980, com obras focadas em se comunicar com o mundo a partir da linguagem visual. No final de 2018, começou o investimento no segmento da produção para crianças, com livros até adotados pelo Plano Nacional de Livros Didáticos (PNLD).
“Chegamos em um momento em que achamos que era importante pensar nos primeiros passos da leitura”, indica. Com essa missão em mente, surgiu a Coleção Ler É Divertido. O intuito era incentivar “leitores iniciantes a enfrentarem dificuldades no processo de apreensão da linguagem escrita a partir de uma experiência lúdica e prazerosa”
Os livros estão agrupados em três ou quatro títulos por afinidades temáticas, incluindo material lúdico, mapa de leitura e marcadores de páginas. Os conteúdos das publicações são alinhados com os fundamentos estabelecidos pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), bem como as teorias proeminentes que abordam as metodologias ativas, o desenvolvimento da consciência fonológica e o letramento.
No livro “Come-come todo dia”, por exemplo, o leitor é convidado a adentrar no universo do cotidiano a partir da alimentação e da rotina presente nos diversos momentos do dia. O texto leva a uma relação entre o que consumimos e o que pode ser identificado na vida diária de cada um.
Em “Borboleta voa, voa”, o público mergulha no universo das borboletas a partir de uma construção que se apoia na poesia. Por meio de rimas e jogos de palavras, permite aos estudantes se conectarem “com a experiência de encantamento pela conquista do domínio do conteúdo e da percepção de si mesmo como leitor” .Até o momento, 13 livros compõem o projeto. É possível conferir mais detalhes sobre a iniciativa no site da Terra da Luz Editorial e no estande da editora na XV Bienal Internacional do Livro do Ceará.
Nos (não tão) novos caminhos de incentivo para a leitura, a internet tem espaço precioso para recomendações. Nela, autores e entusiastas de livros assumem papéis importantes com sugestões de livros, abarcando plataformas que incluem o Instagram, o TikTok e o YouTube.
Nos “primórdios”, o movimento foi marcado pela proliferação de blogs. “Quando eles surgiram, as pessoas queriam falar de livros. Quando as redes sociais ‘estouraram’, ninguém sabe direito como, mas começaram a falar de livros”, opina o escritor e influenciador literário cearense Alexandre de Almeida.
Dono do perfil “Estante do Alê” no Instagram e no TikTok, ele produz conteúdo voltado a livros, em uma jornada que começou em 2016, quando manteve o Blog Alexandria por cinco anos. Depois, migrou para as plataformas de fotos e vídeos. “Como todo mercado, o do livro se adaptou à internet. Se adapta diariamente, na verdade, porque tem tanto a ser explorado, com formatos, durações e mídias diferentes”, avalia.
Com suas publicações, incentiva seguidores a lerem diferentes obras literárias, destacando também autores cearenses. Na Bienal do Livro do Ceará, mediou na última segunda-feira , 7, a mesa “Marketing Editorial e a Formação de Leitores”.
Alê começou a ler a partir de uma vizinha, que deu uma coleção do Plano Nacional de Livro Didático com clássicos como “Odisseia” e “Ulisses”. Depois, passou a frequentar mais a biblioteca da escola. Apesar de hiatos, o gosto pela leitura sempre o acompanhou, contribuindo para seu ingresso na escrita.
Ele destaca suas características na internet: “Gosto da clareza, da sinceridade, e não sou o maior adepto de uma criação de conteúdo mais complexa. Acho que a linguagem simples aproxima mais leitoras e leitores, faz com que o conteúdo tenha mais abrangência e alcance as pessoas da maneira certa. É algo que o Jornalismo me ensinou: a gente existe para decodificar informações, não para tornar tudo ainda mais difícil de entender”.
As portas para a leitura também podem ser abertas a partir da influência de eventos como a Bienal Internacional do Livro do Ceará, seja pela venda direta de livros ou pela programação oferecida. A feira segue em funcionamento até domingo, 13, no Centro de Eventos e mobiliza milhares de pessoas em torno da leitura.
Uma das curadoras da Bienal, a escritora e professora de literatura Amara Moira destaca essa característica: “O movimento de trazer gigantes da literatura e colocá-los em diálogo com nomes que estão surgindo é crucial para a formação não só de leitores, como de escritores. Aponto ainda a amplitude do evento, capaz de abarcar uma gama enorme de expressões literárias. Além disso, a Bienal dá à literatura uma cara de festa, subverte a forma como ela é tratada na escola e nos manuais”.
Seu ingresso no universo da leitura ocorreu por fatores diversos. Um deles foi o fato de ter tido um pai que lia para todos os filhos antes de dormir. Depois, sua professora Eunice mostrou “beleza em obras complexas de Machado, Clarice e companhia” nos anos finais do Ensino Fundamental.
Há, porém, uma questão a acrescentar: “Acho que a entrada definitiva foi quando comecei a sentir prazer em estudar: a escola mata o nosso desejo por conhecimento quando reduz o processo de aprendizagem a simples notas. No momento em que me vi livre disso e percebi o prazer de aprender por mim mesma, para mim mesma, aí me tornei a leitora voraz, e crítica, que sou hoje”.
Enquanto professora, enfatiza a necessidade de ferramentas e processos que ajudem estudantes a investirem nos rumos da leitura. Um dos aspectos fundamentais “é ter aulas com alguém que ama o que faz”, transmitindo a paixão pelo saber e não se deixando engessar pelo sistema de avaliação.
“A educação é um dos pilares da sociedade democrática e ela está sob intenso ataque no momento. Para passarmos por essa turbulência, creio que será preciso ganhar as próximas gerações primeiro pelo coração... a polarização que vivemos infelizmente impede diálogos racionais. Se recuperarmos o prazer de aprender, a gente vence essa batalha”, considera.
XV Bienal Internacional do Livro do Ceará