Há gerações, os livros são símbolos de capital intelectual e status social. Hoje, é possível até comprar fundos falsos com estantes cheias de obras literárias para vídeos e conferências. Com as redes sociais, ficou mais fácil consumir todo tipo de conteúdo, e a literatura não fica de fora.
Hoje, o conteúdo literário está em todas as plataformas, e tem nome: booktube, bookgram, booktok e booktt. Mesmo com o ambiente digital sendo considerado para divulgação de obras literárias e para o incentivo à leitura, esse fenômeno vem sendo criticado fortemente por tornar a indústria editorial a "nova fast fashion". Coincidentemente ou não, a maioria dos conteúdos literários nas redes sociais são femininos, e são amplamente criticados.
No século XXI, persistem conteúdos direcionados ao público feminino que carregam estereótipos de gênero. Ou seja, apesar de parecerem inofensivos ou voltados ao entretenimento, esses materiais continuam reforçando expectativas antiquadas sobre como as mulheres devem se comportar, se vestir e parecer fisicamente.
Em artigo intitulado "Leitoras e Leituras: Acesso orientado e questões de gênero", a mestra em Ciência da Informação pela Universidade de São Paulo (USP), Larissa Alccabochi de Carvalho, argumenta: "Embora não existam mais proibições oficiais de leitura, e o acesso à informação seja facilitado pela tecnologia, as leituras ainda são indicadas de modo estereotipado para os homens e as mulheres, e a sociedade reflete esses estereótipos de leitura".
Alccabochi destaca que "apesar da possibilidade de acesso à informação ter aumentado com o desenvolvimento da tecnologia, observou-se que os livros considerados como "femininos" foram lidos mais pelas mulheres".
O pensamento da autora é refletido na pesquisa da Nielsen Book Research, encomendada pelo Women's Prize Trust, que revelou que menos de 20% das obras das 20 autoras mais vendidas no Reino Unido em 2023 foram compradas por homens. Em contraste, as mulheres representaram 44% das compras dos 20 autores masculinos mais vendidos. Apenas Harper Lee foi lida majoritariamente por homens. Já autores como Richard Osman, James Patterson e até o príncipe Harry tiveram seu público em maior fatia feminino.
Ou seja, enquanto mulheres leem tanto homens quanto mulheres, leitores homens tendem a evitar autoras. Essa disparidade remonta há séculos anteriores. Virginia Woolf, em "Um teto todo seu", já discutia como as mulheres foram desencorajadas a escrever e, quando escreviam, precisavam recorrer a pseudônimos masculinos para serem publicadas.
Woolf cita Jane Austen, que escrevia às escondidas, sem um escritório próprio. "Ninguém sentiria vergonha de ser apanhado no ato de escrever 'Orgulho e Preconceito'", diz. Em contraste, Tolstói viveu e escreveu com liberdade. "Houvesse Tolstói vivido em reclusão no convento com uma mulher casada, 'cortado do que se chama de mundo', e por mais edificante que seja a lição moral, dificilmente teria escrito 'Guerra e Paz'", observa Woolf.
Com o avanço da equidade de gênero, mulheres têm conquistado espaço na ficção literária. "O cenário editorial mudou. Não é mais dominado pelos romancistas homens estrelas do rock dos anos 1980", diz um artigo do The Irish Times. "Agora, a ficção literária é dominada por mulheres".
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Como no fenômeno do "white flight" — ou "fuga branca" em tradução livre, que consiste na migração de pessoas brancas de áreas que estão se tornando mais diversificadas racialmente — é visível os deslocamentos relacionados ao gênero. Áreas hoje associadas às mulheres, como enfermagem, já foram masculinas. O contrário também é verdade: ciência da computação e a programação eram, inicialmente, "trabalho de mulher". Uma reportagem do New York Times, de 2016, concluiu: "Uma vez que as mulheres começam a fazer um trabalho, ele simplesmente não parece exigir tanta habilidade ou ser tão importante para o resultado final".
Em novembro de 2024, a 6ª edição da "Retratos da Leitura no Brasil" apontou que 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa. Pela primeira vez na história, a maioria dos brasileiros não leem livros. Em um Brasil que perdeu quase 7 milhões de leitores em 4 anos, seria esse protagonismo feminino uma razão para o aparente afastamento masculino dos livros?
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