“Quem tem direito a fazer parte da memória coletiva?” “Quem são as pessoas que ocupam os acervos museológicos?”. É a partir de indagações como essas que a 4ª edição da Mostra Proibida estreia nesta quinta-feira, 10, reunindo linguagens e celebrando a rede de resistência LGBTQIA+ no Ceará.
Orquestrada pela Banida Plataforma, coletivo de criação, produção e curadoria em arte contemporânea, esta edição comemora, em abril, a comemoração de meia década da plataforma.
Fundado por Bárbara Banida e Mateus Falcão em 2020, o coletivo, que hoje engloba cerca de 30 artistas, tem como missão conectar produtores e gestores culturais independentes com as possibilidades de circulação cultural oferecidas no Estado.
Com mais de dez ações artísticas gratuitas, a 4ª Mostra propõe uma ocupação pautada em dissidências, por meio de experimentações estéticas, atos performativos e exposições fotográficas. Marcando um ano desde a realização da primeira mostra, Bárbara reafirma a premissa de inclusão que motivou a criação da Plataforma, há 5 anos.
“Como tema, pensamos nas redes de criações que se estabelecem entre pessoas e plataformas na contranorma do Ceará. A ideia é pensar em como, ao longo dos anos, temos criado uma rede de criação desobediente, protagonizada por pessoas trans, negras e pessoas com deficiência”, destaca.
Na 4ª edição, a Proibida também ressalta a conexão com a performance, que contará com uma convocatória para artistas distribuídos por diferentes regiões do Estado, relembrando a fertilidade da produção artística cearense e tentando lutar contra o êxodo de artistas para outras localidades.
“Pensamos em um conjunto de performances de ocupação urbana, que visa fortalecer os espaços, os coletivos e os agentes culturais independentes dentro do Ceará. Levar a mostra para territórios como Juazeiro, Crato, Barbalha e Quixadá nos lembra de que o nosso Estado é um território de múltiplas possibilidades e que podemos permanecer fazendo arte sem sair da nossa terra", afirma Bárbara.
Entre os destaques da programação, esta edição reafirma a parceria estabelecida desde 2020 com o grupo Chorumex, por meio da exposição no metaverso “Chorume Digital”, que estará disponível no site da Banida Plataforma.
Definido como um mundo virtual que simula a realidade, criado por meio de dispositivos digitais, o metaverso é compreendido por Bárbara como uma plataforma para encontros, que, por vezes, são inviáveis pelas distâncias físicas.
“Essa exposição acontece no metaverso, com uma perspectiva inovadora, para trazer esse questionamento sobre como tem sido a ocupação cearense dentro do digital. É uma exposição que vai ficar aberta por um ano, para circulação internacional, então a expectativa é que ela dê essa visibilidade para os artistas cearenses”, pontua.
Pautada na visibilidade, ao longo dos cinco anos de existência, a Plataforma Banida foi e segue sendo morada para pessoas com deficiência, que, por vezes, enxergam no diagnóstico de alguma condição a impossibilidade da produção artística.
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Para Arrudas Maria, presidente da Associação Banida Plataforma e coordenador de produção, a sensação que obteve ao conhecer o trabalho da Banida foi de atravessamento.
“Conheci o coletivo quando tinha acabado de receber o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). O diagnóstico tardio nos deixa muito conscientes de nossas incapacidades, então, quando participei de minha primeira performance e pude levantar uma bandeira de que pessoas autistas existem, foi um momento de afirmação para mim”, ressalta.
Ao ser questionado sobre o que a plataforma lhe proporcionou de diferencial enquanto artista, Arrudas cita todo o movimento de acolhimento e orientação que é realizado com os artistas que se juntam ao coletivo.
“Depois de conhecerem a Banida, eu percebo o surgimento de uma autoestima, de uma crença de que o trabalho consegue se materializar. Por meio da remodelação de currículos e conexão com alguns editais, mostramos que é possível ter uma saúde financeira ao se trabalhar com arte, e que é possível solidificar o seu trabalho e viver a partir disso”, exemplifica.
Com início nesta quinta-feira, 10, a abertura da mostra acontece com a exibição da peça “A Solidão das Porcas”, no Teatro Universitário, seguida de uma roda de conversa com as artistas Juliana Carvalho e Sy Gomes.
Para Bárbara, a temática central do espetáculo conversa diretamente com o convite para a coletividade da Mostra, ao abordar as estratégias que corpos e pessoas trans têm desenvolvido para lidar com a solidão no mundo contemporâneo.
“A peça utiliza a metáfora da 'porca' como um termo pejorativo e como um elemento da indústria, para refletir sobre como o contemporâneo hiper-digitalizado realça a solidão das pessoas trans. E é muito bonito que essa ação de abertura seja por meio do teatro, que é uma linguagem eminentemente coletiva”, manifesta.
Respondendo à própria pergunta que serviu como ponto de partida para esta matéria, a curadora da mostra destaca que todo o material produzido na 4ª Mostra Proibida dará origem a um site-memória, com fotografias, vídeos e ações no metaverso, fortalecidas a partir de interlocuções com profissionais de acessibilidade, produção e cenografia.
“Percebi que, ao longo do tempo, se nós não começássemos a criar a salvaguarda das nossas práticas artísticas, elas não existiriam futuramente. A ideia do site-memória é solidificar esse acervo e gerar memórias coletivas de pessoas na contranorma", finaliza.
Espetáculo "A Solidão das Porcas"- Abertura da 4º edição da Mostra Banida