O Museu da Fotografia Fortaleza (MFF) recebe nesta quarta-feira, 16, o lançamento do fotolivro “Reter Tudo ou Quanta Maravilha do Dia a Dia Que Passou”. A obra narra por meio de álbuns fotográficos a trajetória da família de Eudoro e Ermengarda Santana, pais do ministro da Educação, Camilo Santana.
Na ocasião, os editores Isabel Santana Terron e Tiago Santana - filhos do casal - conversam com o escritor Joca Reiners Terron, que assina o posfácio do trabalho. O fotolivro documenta a história da família desde o casamento até o crescimento dos filhos.
Como destaque, a paixão do pai pela jovem família ocorre ao mesmo tempo em que se dedica ao trabalho fotográfico amador. Nele, fotografa, revela e amplia negativos. Enquanto isso, sua companheira Ermengarda monta e legenda os álbuns. Nas entrelinhas, a alegre vida familiar é contaminada pelos ecos da ditadura civil-militar.
De forma subliminar, mostra como os álbuns familiares podem ser testemunhas silenciosas da história. Além disso, o livro destaca a importância da materialidade dos registros em um tempo marcado pela digitalização.
A família, formada pelo casal Eudoro e Ermengarda e pelos filhos Andrea, Tiago, Camilo e Isabel, é retratada no livroa partir de fotografias feitas entre 1960 e o final dos anos 1970. Com 256 páginas e publicada pelo selo Lux, a obra foi seminifinalista do Prêmio Jabuti 2024 na categoria Projeto Gráfico.
A construção do livro foi caracterizada por um longo processo de pesquisa nos álbuns da família, como conta Isabel Santana Terron, responsável pela edição e pelo projeto gráfico. O contexto foi caracterizado não somente pelo desafio de transpor o conteúdo para o formato de livro, mas também pela necessidade de entender “a forma que ele tomaria”.
“Ele parte dos álbuns familiares, da nossa história, mas não é apenas um livro sobre isso. A intenção sempre foi mais ampla. O livro fala sobre a importância dos álbuns como forma de preservação da memória, e sobre o gesto de tentar, de algum modo — como escreveu minha mãe em uma das páginas dos álbuns —,’Como guardar o tempo?’”, explica.
Eudoro Santana tinha o hábito de fotografar, revelar os negativos e ampliar as fotos por conta própria. Alguns dos álbuns foram montados por ele e, em um deles, diagramou as páginas artesanalmente no laboratório que mantinha em casa. Depois, Ermengarda assumiu o papel de editora e diagramadora, “sempre com muito cuidado na escolha das imagens e sensibilidade para incluir textos com as fotografias”, segundo Isabel.
Por isso, o livro reproduz algumas dessas páginas originais para preservar sua “lógica visual tão particular”. Além do valor afetivo, foram destacadas algumas imagens que revelam um “olhar esteticamente apurado” de Eudoro — algo que chegou a ressoar no trabalho de Tiago Santana como fotógrafo.
Na avaliação de Isabel Santana Terron, revisitar os álbuns foi “uma verdadeira aula de edição” por parte de seus pais, indo da escolha das imagens à inclusão de textos e legendas como poemas, memórias, reflexões políticas e poéticas. No projeto gráfico de “Reter Tudo”, a inspiração repercutiu até nas “ausências”.
“Assumi no livro a ausência de fotografias em algumas páginas dos álbuns. Fotografias que se perderam ao longo dos anos ou que foram retiradas dali pelos filhos. Deixando frases soltas no espaço. Mostrando o desafio de manter essas memórias guardadas”, compartilha.
As imagens presentes na obra abrangem o período entre o início dos anos 1960 até o final dos anos 1970. Em meio a isso, a ditadura militar brasileira. Apesar de não aparecer explicitamente nas fotografias, surge nas “entrelinhas do livro”, segundo Isabel. Um exemplo é o telegrama em que seus pais informam aos seus avós maternos “os novos rumos” após a prisão de Eudoro e exoneração da Petrobras.
Formado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e especialista em Equipamentos de Petróleo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Eudoro passou em concurso da Petrobras em 1963. Com isso, precisou se mudar para Salvador com Ermengarda no mesmo ano. Entretanto, foi preso pela ditadura militar em setembro de 1964 e exonerado da empresa.
Eles, então, se mudaram para o Cariri cearense, em busca de abrigo da perseguição política. Foi no Crato que nasceu, em 1966, Tiago Santana. Hoje diretor-presidente do Instituto Mirante, tem atuação destacada também como fotógrafo, paixão absorvida a partir da vivência com os pais.
As influências em sua trajetória são inegáveis. Há até o episódio no qual “roubou” a câmera Kodak do pai na infância, em 1975, em um ato lúdico de tirar fotos, tamanho era seu fascínio pela área. Quando seu pai chegou em casa, enterrou a câmera na areia a fim de escondê-la. O caso é citado por Joca Terron, como se Tiago estivesse “plantando para o futuro”.
No futuro que hoje é presente, veio o desejo de aliar seu gosto pela fotografia com o intuito de destacar a história compartilhada de Eudoro e Ermengarda. O livro tomou forma, com Tiago entre os editores. Mais que uma história familiar, a obra é o desejo de manifestar a importância da materialidade dos álbuns fotográficos e do resgate da história do País.
“Quisemos fazer uma homenagem a esse casal, de militantes, e transformar em um livro que está além de um álbum da nossa família. Ele tenta trazer questões do País que vivemos, além de questões conceituais sobre fotografia”, afirma Tiago Santana.
Ele também pontua que o resultado final foi de um “livro afetuoso”, devido ao cuidado a ele empenhado. É, afinal, uma obra que expõe o desejo de compartilhar com as pessoas um outro tempo da fotografia: “A fotografia analógica tinha um tempo mais dilatado, que é o tempo que você faz a fotografia. Você não vê na hora, tem que passar por um processo e revelar. Depois, ela era vista em outro momento. É a história do País e a história de vida de um fotógrafo que teve uma câmera desde quando era pequeno”.
Isabel Santana Terron destaca a relevância do livro enquanto registro histórico e meio mais duradouro de guardar recordações: “Assim como o álbum de família, o livro tem o poder de preservar imagens e memórias para o futuro. Mas vai além: abre-se para o mundo, alcançando outros olhares, despertando novas reflexões e dialogando com histórias que podem encontrar ecos nas suas páginas. E é justamente aí que o livro ganha força, como um espaço de memória, mas também de encontro”.
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