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Poeta e atriz, Luiza Romão discute expansão do movimento slam
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Poeta e atriz, Luiza Romão discute expansão do movimento slam

Slammer, poeta e atriz, Luiza Romão revisita a própria história e fala sobre as brechas possíveis entre a oralidade e a escrita
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Performance de 'Também guardamos pedras aqui' (Foto: Divulgação/Txai C Mendes)
Foto: Divulgação/Txai C Mendes Performance de 'Também guardamos pedras aqui'

"Escuta agora a canção que eu fiz, pra te esquecer, Luiza", canta Tom Jobim na faixa de 1981. Predestinada à composição, à poesia e a jamais cair no esquecimento, Luiza Romão nasceu em Ribeirão Preto, em uma família de professores afeita aos livros, à poesia, à música e ao teatro.

Ao lado de seus irmãos Chico, Caetano e Bethânia, sempre foi incentivada no universo artístico e desenvolveu uma paixão particular pelo teatro ainda na adolescência.

"A área que sempre me interessou mais foi o teatro. Saio de Ribeirão em 2010 para vir estudar direção teatral na Universidade de São Paulo (USP), e sabia que, dentro de mim, sempre houve uma vontade de trabalhar com isso. Começo a me envolver com direção, teatro de grupo", pontua.

O desejo, ainda da Luiza da graduação, de trabalhar com a cena e a performance, se remodelou e tomou outras formas 15 anos depois. No corre-corre paulista, ao sair da estação de metrô da Guilhermina-Esperança, Luiza conheceu o Slam da Guilhermina, batalha de poesia falada que acontece toda última sexta-feira do mês, na Zona Leste da cidade.

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Em meio às Jornadas de Junho, levantes feministas e uma ebulição de sentimentos que conflitavam com o mundo exterior, o encontro de Luiza com o slam foi porta de entrada para parte de sua projeção literária.

"Fiquei muito apaixonada por essa comunhão da palavra, essa palavra que é falada coletivamente, que aborda tantos temas relevantes e tem vínculo com a sociedade. Conheci o slam nesse momento de ebulição da vida política brasileira e comecei a participar de uma forma muito despretensiosa, casual e fascinada ainda", relata.

Luiza Romão: conheça obras publicadas

Fruto desse encontro, nasce, em 2017, o livro "Sangria", narrativa em que Luiza revisita a história do Brasil colonial até a contemporaneidade, através de uma voz pouco convencional - o útero. Para isso, a obra é dividida em 28 poemas - ou 28 dias -, como um ciclo menstrual, a fim de decifrar a identidade feminina e brasileira.

Partindo de divagações análogas, surge em 2021 "Também guardamos pedras aqui", vencedor da categoria Livro do Ano no Prêmio Jabuti de 2022. Com um espetáculo homônimo que já rodou o País, Luiza afirma não ver distinção entre as diversas linguagens artísticas por onde transita.

"Eu sempre gosto de pensar esse trânsito entre a literatura e o teatro. Essa relação continua sendo indissociável e até brinco que, quando começo a me saturar um pouco em uma linguagem, tento me aventurar em outra, e vice-versa", destaca.

A inspiração para o "Pedras", como Luiza apelida a obra nacionalmente premiada, veio após um mochilão feito em Vallegrande, vilarejo boliviano que escondeu os restos de Che Guevara por 30 anos. Como companhia nas horas de estrada, Luiza escolheu o clássico "Ilíada", de Homero.

"Estava lendo 'Ilíada' pela primeira vez, e fiquei muito horrorizada com as cenas de assassinato, cenas de tortura. No entanto, apesar de todo o horror, comovido pelo sofrimento de Príamo, Aquiles se rende e devolve o corpo de Heitor, permitindo que os troianos o enterrem com dignidade. Li essa cena no local onde o corpo do Che Guevara ficou desaparecido por 30 anos. Concluí naquela viagem que, por mais sanguinários que os gregos fossem, pelo menos eles devolvem os corpos. E, quando a gente olha para a história colonial e contemporânea na América Latina, nem esse direito básico é garantido", pontua.

Com essa inquietação com a mitologia grega e a violência intrínseca desde "Sangria", o best-seller de 2021 traça uma releitura de "Ilíada" — mas, em vez de narrar uma guerra entre gregos e troianos do ponto de vista masculino, Luiza desloca o foco para as mulheres que resistem, que sofrem, que denunciam e que lutam.

O livro, que começou a surgir em 2019 em uma oficina de escrita criativa do escritor pernambucano Marcelino Freire, tinha em seus planos uma pesquisa de campo no sítio arqueológico de Troia. Contudo, uma confusão geográfica, comum no imaginário popular, acabou levando Luiza para outros destinos.

"Comprei uma passagem para o outro lado do mundo, com planos de visitar santuários, sítios arqueológicos e museus. Perto da viagem, fui descobrir que a Troia de hoje na verdade não é na Grécia, e sim na Turquia, no noroeste do país, perto da costa do mar Egeu. Essa compra para o país errado me levou, de certa forma, a visitar as ruínas dos vencedores. Entre tropeços em pedras nos sítios arqueológicos e descobertas entre as ruínas, pensei: 'Eu não conheci Troia, ruínas a mais, ruínas a menos, também guardamos pedras aqui do outro lado do oceano'".

Com expectativas remanescentes de ir à Troia, Luiza, contudo, já se considera satisfeita com o ciclo concluído com o livro "Também guardamos pedras aqui".

Luiza Romão relembra participação na XV Bienal Internacional do Livro do Ceará

"Fui muito feliz porque consegui fazer o retorno à Grécia com o trabalho e pude exibir o curta-metragem do livro em um festival de poesia em Atenas. Então, de certa forma, acho que consegui concluir essa viagem de regresso", explica.

Ainda sob os efeitos da XV Bienal do Livro do Ceará, que lhe trouxe à capital cearense em abril, Luiza reflete sobre o crescimento quantitativo da literatura nordestina feminina, que tem alimentado os sonhos e ideais vivos de diversas novas autoras em todo o País.

"Essa Bienal tomada por mulheres, de uma curadoria feminina, me deixou extremamente contente em ter contribuído. Mulheres como Jarid Arraes, Socorro Acioli, a APH do Slam da Quentura só mostram que tem uma produção cearense muito interessante circulando e ganhando espaço. Tenho um poema que fala 'poesia palavra, em estado de lança chama'. Desejo que minha palavra também possa botar fogo nessa mesma fogueira", finaliza.

 

Saiba mais sobre Luiza Romão

Mais informações: @luiza_romao

Conheça as obras de Luiza Romão

"Coquetel motolove" (2014)

Primeiro livro de poesia da autora, lançado pelo Selo do Burro.

"Sangria' (2017)

Também publicado pelo Selo do Burro, o livro revisita a história do Brasil sob a ótica de um útero, sendo dividido em 28 poemas e 28 dias, como um ciclo menstrual.

"Também guardamos pedras aqui" (2021)

Lançado pela editora Nós, a obra foi premiada como Melhor Livro de Poesia e Livro do Ano no Prêmio Jabuti 2022.

"Nadine" (2022)

Publicado pela editora Quelônio, o livro é uma história de detetive narrada em versos, abordando temas como feminicídio e violência contra a mulher.

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