Logo O POVO+
A Caipora e Jeovah Mendes
Vida & Arte

A Caipora e Jeovah Mendes

Edição Impressa
Tipo Notícia Por

"Segundo a tradição folclórica nordestina, a Caipora é um menininho peludo que traz um cachimbinho na boca e anda montado num porco-do-mato, sempre em proteção à fauna e à flora. A segunda-feira, o 'Dia da Caipora', é dedicada à proteção de todos os animais silvestres (algumas versões remetem às sextas e dias santos), não sendo então permitido aos caçadores capturá-los. Para aplacar a ira da Caipora, os antigos aconselhavam os caçadores a deixar, num pedaço de toco, uma pequena quantidade de fumo, uma cabeça de alho e um pouco de aguardente."

Assim, nesta segunda-feira Caipora, trago acima esse fragmento me deixado em folha de caderno, escrito de próprio punho pelo historiador e escritor Jeovah Mendes, confrade do nosso fiel e agradável sodalício da Padaria Romana e do Restaurante Caravelle em Fortaleza. Jeovah, cearense de Itapiúna, é um contador de histórias, autor de 19 livros e 8 biografias, tendo participado do programa do Jô Soares por 8 vezes, nas quais, entre outras, discorria sobre esses mitos da cultura popular também nordestina, como a Caipora, o Boitatá, o Curupira, a Mãe-d'Água, a Cabra Cabriola, a Mãe da Lua, o Bacurau...

Ele mesmo me contou que, quando criança, juntamente com outros meninos, munidos com lamparinas ou pequenas lanternas, se embrenhava na mata à caça de pequenos animais, atento à possível presença e consequente perseguição daquele perigoso serzinho.

Curiosamente, mais tarde, herdaria uma pequena propriedade situada em Aratuba, denominada "Sítio Caipora". Ao perguntar ao seu tio Antônio - mais conhecido como "Toinho Caipora" - o porquê do nome da fazendola, ele respondeu que seu pai, quando adquiriu aquele terreno em 1850, garantia que por lá a Caipora já morava, o que resultaria durante anos no grande consumo de alho, pedaços de fumo e muita cachaça!

Eu também, desde pequeno, por meio das leituras de Lobato, me encantei - e fui encantado - por essas lendas e personagens da mitologia folclórica fortemente influenciada pelas contribuições indígenas, africanas e europeias que refletem a nossa vasta diversidade cultural. O fato de sobreviverem e resistirem ainda nos dias atuais deve-se, prioritariamente, aos coloridos canais da oralidade, marca de nossa cultura ágrafa sertaneja, mesmo quando temos ciência de que muitas dessas lendas fantásticas foram criadas com o objetivo de impor alguma moral e/ou para "conter os filhos mais danados" com o emprego do recurso do medo: Quibungo (Bahia), Papa-Figo, Barba Ruiva (Piauí), Cabra Cabriola (Pernambuco), Alamoa (Fernando de Noronha), o Cabeça de Cuia, a Mãe da Mata, etc.

Por se tratar de uma lenda brasileira, encontramos variações regionais da Caipora. Entre elas, em vez do menininho, uma indígena pequena, muito forte e peluda, com cabelos longos e avermelhados. Em algumas versões, ela persegue homens que adentram a mata e se relaciona sexualmente com eles, impondo-lhes fidelidade eterna que, se rompida, resulta em morte do traidor. Em versões latino-americanas, a Caipora é um ancião indígena com poder de ressuscitar animais mortos ou tomar a forma de cães ou porcos. Ademais, é comum no Brasil associar a Caipora ao infortúnio. Ou seja, quando se está numa maré de azar, se diz: "está com a Caipora". Assim, "pela cachaça de graça que a gente tem que engolir", salve Jeovah Mendes e a sua Caipora.

O que você achou desse conteúdo?