Desde o comércio local até espaços artísticos, tudo estancou. Presos dentro de casa, artistas precisaram encontrar formas de produzir sua arte. Isabela Bosi agarrou-se à sua memória. Os lugares em que já esteve, que estaria, que poderia estar se mesclam com sensação de remanescer e se tornam o livro “O perigo de deixar as mãos livres”.
Fruto de um mundo suspenso pela pandemia da Covid-19, em 2020, Isabela começou a escrever o livro junto a sua tese de doutorado, antes mesmo de saber que seria uma obra para ser publicada. Quando olha o retrospecto, percebe que sua pesquisa também está impressa ali.
Com foco em literatura crítica e na interseção com a filosofia, a escritora estava tomada pela questão do tempo e da memória, algo que, de acordo com ela, sempre foram importantes em sua vida.
O livro foi surgindo de maneira inconsciente. “Eu estava só escrevendo uns poemas”, diz. Mas percebeu a comunicação que seus versos tinham um com o outro, que não eram poemas soltos, mas que “eles tinham uma relação”.
Apesar de sua escrita focar no movimento da mente, também explora as fronteiras pelas quais Isabela atravessava na época, suas experiências de mudança de Fortaleza para São Paulo.
Nascida no Rio de Janeiro, a escritora viajou pelo Brasil e se acomodou por um tempo na cidade do sol. Trabalhou em jornais, se formou na faculdade e escreveu poemas. Mas, em 2019, fez sua viagem de volta para São Paulo.
Isabela se considera uma pessoa mambembe, no sentido itinerante, já morou em diferentes locais do mundo. “Esse livro traz esses movimentos que já fiz na vida”, compartilha.
O livro foi lançado em março deste ano, em São Paulo, mas também ganhou lançamento em Fortaleza, no início do mês de abril. O evento aconteceu no Centro Cultural Banco do Nordeste de Fortaleza (CCBNB) e teve a participação do professor e escritor Alexandre Barbalho e também da atriz Ana Luiz, lendo alguns poemas.
“Tudo que eu escrevo tem um pouco de Fortaleza, independente do que seja, então eu ter lançado o livro aqui foi muito emocionante, foi um dia muito especial mesmo”, expressa Isabela.
O projeto gráfico de “O perigo de deixar as mãos livres” é do selo chamado Círculo de Poemas, que faz parte da editora Fósforo, de São Paulo. Cada livro possui uma imagem diferente no seu interior. Normalmente escolhidas pelo próprio editor, mas, nesse livro, aconteceu “uma feliz coincidência”.
Isabela conta que o editor já conhecia seu trabalho e sua pesquisa acadêmica. Nesta, a escritora estudou a obra de Elida Tessler, uma artista do Rio Grande do Sul.
A imagem sugerida foi um dos quadros de sua série de desenhos de 1988. A arte parte de uma observação que a artista fazia diariamente de sua escova de cabelo e desenhava em cima disso.
O tempo dos objetos e da memória se relaciona com a do livro. “A memória das coisas mais banais, de uma planta, da poeira da casa, do vidro, no voo de um pássaro”, lista Isabela.
Apesar da sua perspectiva pessoal, a escritora deixa claro que não é um livro autobiográfico e que diversas experiências se misturam nos versos. Até mesmo depois do lançamento, Isabela ainda encontra novas interpretações da sua escrita.
O livro foi criado com versos que se quebram, que começam e que continuam no seguinte. “Um pouco de trabalho para o leitor também, de completar o sentido ali, não está tudo dado”, diz.
A escolha também colabora com a hipótese de ser um “livro-poema”, em que a obra não seja apenas uma coleção desses textos, e sim uma longa prosa. Essa não foi a intenção original de Isabela, mas agora, relendo, ela percebe a possibilidade.
“Quando a gente escreve, a gente não tem muito domínio do que a gente está fazendo, você não tem aquela absoluta certeza do que aquilo é ou de como aquilo vai chegar, você está fazendo realmente um exercício, um esforço de criação, de movimentação com a linguagem, de criação de imagens, de ritmo, enfim”, completa.
Nesse processo de releitura, Isabela também encontrou o seu título. Questionada sobre o porquê do verso “O perigo de deixar as mãos livres” entre tantos outros, a escritora responde que sempre teve dificuldade em nomear suas obras. Normalmente coloca muitas opções no papel, pensa em diversas ideias.
Ela menciona que esse livro teve cinco ou seis ideias de título antes, mas que nenhuma a convenceu. No final apagou todas e ficou no vazio.
Ficou um tempo sem saber o que seria o título, logo começou a reler: “eu faço muito isso quando acho que o livro já está criando forma, eu fico relendo muito mesmo, exaustivamente”. Nesse meio de releitura, diz que ficou presa no verso.
Separou-o do poema, botou em uma página só e ficou olhando para ele. Pensou nas várias possibilidades de interpretação: “tanto pode ser uma coisa boa, como pode ser uma coisa ruim essa frase”. Este pensamento fez com que gostasse dele.
Quando mostrou para seu marido, teve a sua aprovação. “E eu falei, bom, se ele adorou, os outros eu já tinha mostrado e ele não tinha se convencido, então acho que é esse mesmo”, relembra.
Depois que chegou nesse verso como título, não pensou em mais nenhum.
Assinatura do Círculo de Poemas (plaquete e livro)