"Imagina você ter escrito uma redação no colégio com 15 ou 16 anos e as pessoas te perguntarem sobre ela, te encherem o saco falando sobre essa redação para o resto da sua vida, sendo que você quer mostrar outras produções? Imagina escrever uma redação com essa idade e as pessoas só quererem saber sobre ela?".
Para a cantora e compositora americana Vanessa Carlton, essa metáfora ajuda a explicar um sentimento que a acompanha há 23 anos. Foi em 2002 que lançou a primeira música da carreira - e também a de maior sucesso. "A Thousand Miles" se tornou hit e foi alavancada pela comédia "As Branquelas" (2004).
Mesmo ainda ativa profissionalmente e com trabalhos bem diferentes em relação à sua estreia, ela continua sendo lembrada majoritariamente por essa canção. Carlton não é a única artista a passar por isso. Tantos já sofreram com o sabor "agridoce" da fama de apenas um sucesso musical - os chamados "one hit wonders".
São exemplos cantores como Daniel Powter ("Bad Day") e Bonnie Tyler ("Total Eclipse of The Heart"), além de grupos como Aqua ("Barbie Girl") e Hoobastank ("The Reason"). Assim como Vanessa Carlton, suas histórias são contempladas no livro "Baseado em Hits Reais", do jornalista Bráulio Lorentz.
Em campanha de financiamento coletivo até 18 de maio, a obra reúne entrevistas com mais de 40 ex-hitmakers (incluindo brasileiros, como Vinny, Kasino e Moptop). Como aponta o autor, o trabalho "mergulha nos bastidores de músicas inesquecíveis de artistas que você provavelmente já esqueceu".
As entrevistas revisitam trajetórias de quem "viveu o auge da popularidade há muito tempo e diz viver o auge da vida hoje", e cuja redenção "não foi voltar ao topo, mas formar uma família, continuar tocando, tentar novas atividades e ter um monte de histórias incríveis para contar".
A lista de entrevistados (que ainda pode ter alterações na versão final) tem também Vanessa Carlton. A fala que inicia esta matéria, por sinal, foi dada a Bráulio Lorentz. A ideia para o livro surgiu ao organizar os discos de sua biblioteca. Jornalista musical, sua coleção é grande e diversa. Ao notar álbuns de bandas e artistas que "sumiram" após um grande sucesso, fez uma pilha de CDs nesse recorte. Alguns tiveram dois ou até três sucessos, mas, em comum, todos tinham sido "esquecidos" pelo grande público.
"Durante uns quatro ou cinco anos, comecei a ir atrás de todos. Consegui falar com alguns, com outros, não. Publiquei alguns desses conteúdos, outros ainda inéditos, mas a questão é que resolvi procurar todos. Tomei muita porta na cara, muita gente que não quis falar por estar magoada, mas muitos quiseram falar. Algumas entrevistas foram oferecidas porque estavam lançando um novo projeto, ou porque estavam vindo ao Brasil, mas a maioria eu tive que correr atrás mesmo", descreve Bráulio.
Para o "Baseado em Hits Reais", o autor seguiu critérios de seleção dos entrevistados. Um deles foi a opção por fazer entrevistas diretamente com os artistas, sem atravessamentos de produtores ou empresários.
Outro recorte foi "o sumiço" do artista. Valia não ter música de sucesso há bastante tempo, não fazer grandes shows há um longo período ou mesmo não se apresentar no Brasil há vários anos. Vale ressaltar outro critério: o rendimento das conversas. "Alguns entrevistados com quem falei não renderam nada", lamenta o autor.
Entre os motivos para as respostas negativas aos convites de Bráulio Lorentz estão fatores como um artista "não querer mais ser famoso" ou até mesmo por não gostar de dar entrevistas. Em alguns casos, não houve motivos claros. Uma das maiores insistências do jornalista foi com Linda Perry, vocalista da banda 4 Non Blondes e voz do hit "What's Up?".
Bráulio brinca que "virou quase melhor amigo" de sua empresária de tanto que persistiu na entrevista, mas por algum motivo "nunca virou entrevistada". Outro exemplo foi a banda de rock alternativo americana Spin Doctors, responsável pelos sucessos "Two Princes" e "Little Miss Can't Be Wrong". Na avaliação de Lorentz, é um grupo que "tem muito medo da imprensa" em decorrência das críticas recebidas, como quando abriram um show do The Rolling Stones em 1995 no festival Hollywood Rock.
"Eu tenho vários CDs deles, porque gostava na adolescência. Para tentar a entrevista eu tirei uma foto segurando quatro discos deles e enviei para eles. Deram risadas. 'Nossa, você gosta mesmo, hein?'. Estavam super simpáticos no e-mail, mas por algum motivo não rolou. Quem sabe eles aparecem caso haja uma segunda edição do livro", compartilha.
Quanto a quem aceitou conceder entrevista, um dos destaques foi a cantora americana Vanessa Carlton, de "A Thousand Miles". Sucesso estrondoso, a faixa foi escrita quando a artista tinha entre 15 anos e 16 anos. Segundo Bráulio, ela lamenta que seja associada apenas a essa música, pois há outros materiais a apresentar.
"Ela chegou a dizer: 'Claro que eu tenho orgulho da menina que eu era, mas já sou mãe de família, tenho um milhão de outras músicas'. A carreira dela é muito legal, tem umas coisas psicodélicas, de piano, bem bacanas, mas todo mundo só quer falar com ela sobre essa música. Ela ganhou muito dinheiro com a canção, sim, mas quer se desassociar disso. Você sente um pouco a dor e a delícia de ter um hit", avalia.
Outra história interessante está relacionada à banda inglesa Chumbawamba, do hit "Tubthumping" (1997), cujo refrão "I get knocked down, but I get up again" se tornou clássico em jogos, cantos de torcida, na trilha da Copa do Mundo de Futebol e em campanhas políticas. A questão é que o grupo era formado por anarquistas e a faixa foi criada para "se infiltrar na música pop e fazer protestos".
Como compartilha Bráulio, cantar sobre "beber, cair e levantar" era uma forma de defender o direito de os trabalhadores "encherem a cara" depois de um dia difícil de trabalho, na visão da banda. Com o dinheiro gerado a partir do uso da música em publicidade, o grupo direcionava a quantia para empresas ou ONGs que "agiam contra" a peça publicitária em questão.
Se um anúncio de carro novo tinha como trilha sonora a canção, por exemplo, a banda dava o dinheiro para uma ONG "que fiscalizava a poluição dos carros". "Eles queriam fazer sucesso para ir contra o sistema. Chegou uma hora em que eles deram entrevistas nos principais talk shows dizendo para o público roubar seus CDs caso não tivessem dinheiro para comprá-los. Era uma banda anarquista por trás de um hino que poderia parecer bobo", analisa Bráulio.
Diante do longo processo de coleta de entrevistas e de histórias, o jornalista pontua como a fama pode alterar a percepção de realidade das pessoas. Os artistas certamente tiveram suas vidas mudadas, fosse financeiramente ou pelo status adquirido pelos hits. Alguns tentaram de todo jeito continuar famosos e outros fizeram questão de nunca mais fazer músicas parecidas com as que tiveram o sucesso estrondoso.
"Foram pessoas que estavam dispostas a conversar comigo de uma forma muito sincera e honesta que quem ainda está no topo não tem, porque elas querem desabafar, seja por trauma ou por querer conversar sobre o que passou. Percebi que eram pessoas que estavam querendo contar suas histórias, mas nem todo mundo estava disposto a ouvir", destaca.
Baseado em Hits Reais