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8 anos sem Belchior: O novo sempre vem
Vida & Arte

8 anos sem Belchior: O novo sempre vem

Há oito anos, o Brasil perdia Belchior. Para marcar a data, pesquisadora Josely Teixeira presta sua homenagem com uma carta que atualiza o compositor sobre os fatos que aconteceram desde sua partida
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Belchior recebe homenagem póstuma do TRE-CE por contribuição à cultura (Foto: Fábio Lima/O POVO)
Foto: Fábio Lima/O POVO Belchior recebe homenagem póstuma do TRE-CE por contribuição à cultura

Fortaleza, 30 de abril de 2025

Oi, Belchior!

Estamos em 2025 e te escrevo como se, desde 2017, ainda estivesses de passagem, em algum canto secreto do mundo — nos pampas do Brasil e do Uruguai, numa praia do Ceará ou num arranha-céu de Sampa.

Como tu disseste, "o novo sempre vem", ora como luz, ora como sombra. Resolvi te escrever para contar o que tem acontecido por aqui e as coisas novas que também são boas. Tu, autor do verso "Amar e Mudar as coisas", sempre esteve atento às transformações do mundo.

Primeiro, deixa eu te falar do Brasil. Tu lembras do Lula? Após um turbilhão — prisão entre 2018 e 2019 — ele voltou. Em 2022, venceu as eleições e reassumiu a presidência. Na política mundial, Trump também retornou à presidência dos EUA em 2024, após perder em 2020 para Biden. O Capitólio foi invadido em janeiro de 2021 e a cena parecida se repetiu em Brasília em 2023. Parecia cena de filme distópico. E o Reino Unido, após debates intensos, saiu da União Europeia com o Brexit, em 2020. O mundo nunca mais foi o mesmo, Bel!

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Mas nada se compara à dor da guerra entre Rússia e Ucrânia, que estourou em 2022. A crise humanitária tem sido devastadora. A Ucrânia resistente virou símbolo de bravura. Após cada ataque, Bel, lembro tua voz dizendo: "A felicidade é uma arma quente", com toda a dureza dessa frase de Lennon em meio ao conflito.

Agora, neste fim de semana em que te escrevo, o mundo também perdeu o papa Francisco. Aquele argentino de alma franciscana, que falava dos pobres, migrantes e da ternura. Francisco morreu em Roma, deixando um vazio na igreja e no coração de quem crê. Ele foi defensor das causas que tu também defendeste: os esquecidos, os deslocados, os fatigados.

Falando de cultura, há boas notícias. Chico Buarque, teu rival dialético, recebeu o Prêmio Camões em 2019. Foi emocionante ver o reconhecimento da obra, mesmo com tentativas do governo brasileiro de impedir. Mas Chico, como tu, não se cala fácil.

E Elis, Bel, faria 80 anos em 2025. Temos visto shows e relançamentos em memória da Pimentinha. Tua voz, na boca de Elis, também voltou a ecoar forte. "Como nossos pais" está sendo cantada em coro pelo Brasil. Está sendo bonito, porque, ao homenagearem Elis, homenageiam tua obra, que ela levou como estandarte.

Tu, o Belchior cantor, não ficas atrás. Continua sendo descoberto, estudado, cantado, regravado. Uma juventude inteira, que nunca te viu ao vivo, conhece cada verso teu. Muitos trabalhos acadêmicos também vêm surgindo sobre ti. Fico feliz ao ver que minhas pesquisas acadêmicas sobre tua obra deram frutos.

Vamos continuar falando de música, Bel? Tu adorarias ver Ana Cañas interpretando tuas canções. Ela gravou um álbum ao vivo, lançado em DVD, com participação de Ney Matogrosso. E Emicida fez história com "AmarElo", misturando música e poesia.

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Quero te contar uma novidade: tua filha Vannick tem encantado a todos com a interpretação das tuas canções. Ela tem feito sucesso e a forma como traz sua alma para as músicas é impressionante. Não há dúvida de que teu legado vive e pulsa através dela.

E no esporte, trago mais novidades! O Brasil não levou a Copa de 2018 — foi a França quem ganhou. Em 2022, a Argentina levou a taça, e Messi, aquele gênio, levantou finalmente o troféu. Mas também houve tristeza: Pelé nos deixou em 2022 e o Brasil inteiro chorou como se perdesse um parente querido. Ele, que era rei, virou constelação ao lado de ti.

Em meio a isso tudo, veio a pandemia da Covid-19. A partir de 2020, o mundo parou por um vírus. Ruas vazias, máscaras nos rostos. Muita gente se foi, mas também surgiu solidariedade. Foi um grande acorde dissonante na música da humanidade, apelidado de "o novo normal".

E a inteligência artificial, Bel? Agora é real! Tem gente escrevendo e desenhando através dela. Até canções são feitas por IA, com a mais famosa, chamada chatGPT. Inacreditável, né? Um sistema que entende o que escrevemos e responde a perguntas sobre música, política, poesia. Talvez tu achasses impessoal, mas quem sabe te divertisses com essa brincadeira moderna. Duvido que a IA consiga criar canções do quilate das tuas.

Ah, Bel, antes que eu esqueça: continuo morando em Porto Alegre, no estado onde escolheste viver teu exílio. Caminhar nas ruas de Quintana é como seguir teus rastros invisíveis, em tardes frias, entre cafés e calçadas cobertas de folhas secas.

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Pra fechar minha carta, te conto que o mundo, apesar de tantas incertezas, segue tentando se entender. Muitas lutas por justiça, igualdade e diversidade. Gente continua nas ruas pelo planeta, com cartazes e vozes, tentando mudar as estruturas. E tua música, tua palavra, continuam ecoando entre os que resistem. "A minha alucinação é suportar o dia a dia" nunca fez tanto sentido.

Bel, com saudade, espero que esta carta te alcance onde quer que estejas. A arte sobrevive ao artista e, por isso, segues vivíssimo por aqui, embalando sonhos e despertando consciências.

Professora Josy

carlus campos
carlus campos

Uma carta para Belchior

A professora e pesquisadora Josely Teixeira Carlos é autora da carta para Belchior, relatando os acontecimentos dos últimos oito anos. Ela cursou mestrado e doutorado com trabalhos sobre o cantor cearense e é autora do site www.discosediscursos.com

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