Fim de semana na minha infância sempre foi um sinônimo de festa. Cresci com música alta, jogos de sinuca e com os amigos da minha mãe sempre festejando em casa. Na esquina da rua Liberato Barroso, no bairro Jacarecanga, o encontro de quase todo sábado era frequentado "por amigos e amigos de amigos". Foi assim que Claudio Cesar conheceu a nossa residência de dois andares.
Aquele homem alto, barbudo e um pouco doido, na minha visão de criança, estava presente nos momentos de alegria. Fazia parecer tão divertido crescer. Lembro-me de que sempre que nos encontrávamos, ele brincava: "Odara, namora comigo quando crescer?". E, como criança, sempre falava "não", então, ele fingia ficar ofendido com a resposta e fazia um enorme drama enquanto eu ria.
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Esses momentos e a presença que eu tanto admirava quando criança também eram notados por outras pessoas. Claudio era artista, advogado e também se aventurou no rádio. Sua trajetória nada linear representa um pouco a pessoa que ele era. Caótico, criativo, extrovertido e cabeça dura, não era sempre fácil a convivência, como diz seu amigo Lindemberg Freitas, artista visual e produtor cultural.
Nas noites de sábado, enquanto os adultos jogavam sinuca, bebiam e conversavam alto, eu e meus amigos - filhos dos amigos da minha mãe - só pensávamos em brincar. Naquela época, não tínhamos noção do trabalho de ninguém.
Em 2012, visitei a exposição "Claudio Cesar 20 anos" no Espaço Cultural dos Correios - lembro de pensar quão legal ele era por isso - mas só anos depois entendi a importância daquele movimento.
A mostra foi marcante porque foi a primeira vez que encontrei o artista Claudio Cesar. Com aqueles quadros coloridos e esculturas de diferentes formas, me recordo de achar tudo engraçado, e era essa uma das partes de que ele mais gostava. "O Claudio adorava fazer as pessoas rirem com sua arte, ele sempre foi essa pessoa muito jocosa", conta sua amiga e curadora de suas duas exposições póstumas, Andréa Dall´Olio.
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"Ele sozinho deixa a sala lotada", diz Lindemberg sobre a energia do amigo. Tal definição também pode ser encaixada para o lado artístico de Claudio. A mente dele era tão criativa e inquieta, assim como o comportamento dele no dia a dia. E - mesmo pintando, desenhando e até escrevendo - ele encontrava paz e tranquilidade. "Ele era brilhante, criava como quem precisava esvaziar a alma". "Mas, tanto na vida quanto na arte, era desorganizado e talvez fosse justamente essa desordem que dava força à criação dele", define sua filha, Renata Guimarães.
Porém, o processo criativo ainda era caótico, pintava diversos quadros ao mesmo tempo, seu trabalho em uma peça poderia acabar e, após anos, ele completaria com algum outro elemento. O trabalho que Claudio Cesar produziu é enorme, tanto Lindemberg quanto Andréa definem as obras como autobiográficas e jornalísticas. "Em tantas obras, ele coloca elementos que contam a sua história, ele tinha muito do lúdico no seu trabalho", explica a curadora.
É comum ver em seus trabalhos referências à infância, irmãos e pais, assim como, por ter nascido no Rio de Janeiro e sido radicado em Fortaleza, há referências das duas cidades em seu processo criativo. Além de retratar seu íntimo, a observação do outro foi algo importante para Claudio, talvez por isso tenha se formado em Direito.
Ele era o tipo de pessoa que podia estar passando de carro e parava tudo se percebesse algum tipo de injustiça acontecendo, e toda sua observação do mundo - de conversas em bares de esquina ou nos sábados à noite na minha casa - poderia se tornar inspiração.
Claudio morreu em 2018 depois de uma batalha contra o câncer, mas deixou como legado sua filha e uma imensa quantidade de obras finalizadas e algumas incompletas. Renata tem trabalhado para continuar a mostrar às pessoas o trabalho de seu pai. A exposição "Claudio Cesar - O Que Muitos Não Viram" está em cartaz em Fortaleza até 18 de junho .
A curadora da exposição e amiga íntima, Andréa Dall´Olio, explica que, nos últimos meses de vida, Claudio queria contar tudo sobre suas obras e, mesmo hospitalizado, continuava a produzir. "Ele tinha muito medo de morrer e que seu trabalho e história ficassem perdidos, parecia que ele gritava, era um grito de 'por favor, não deixem minha arte morrer'", fala a amiga.
Renata Guimarães tinha uma conexão inexplicável com o pai e é uma das responsáveis por perpetuar sua arte. "Dá um orgulho imenso ver a obra dele sendo respeitada, vista e sentida pelas pessoas". "É impossível não sentir a falta dele e não pensar em como ele estaria se estivesse aqui para ver tudo isso", relata.
O carioca "sabia ser inesquecível até nos detalhes mais improváveis", como define sua filha. O que se pode referir tanto à sua relação com as pessoas quanto à sua arte. Em uma entrevista recente com o jornalista Nelson Augusto, ele me falou que o artista morre, mas obra está eternizada, e se depender da filha e dos amigos, a obra de Claudio seguirá viva.
"A exposição é uma forma de eternizar essa conversa entre ele, sua arte e o público. De manter sua presença viva através do que ele mais amava fazer", explica Renata.
Mais de 10 anos se passaram desde a primeira exposição que tive a oportunidade de visitar do Claudio Cesar, e ao visitar a nova mostra, "Claudio Cesar - O Que Muitos Não Viram", me senti com oito anos novamente, "quão legal ele era por ter uma exposição só dele". Revistar sua arte, agora como uma mulher adulta e como a estudante de jornalismo contando um pouco da sua história é, com certeza, uma honra.
Já faz um tempo que os encontros corriqueiros das noites de sábado não acontecem, mas guardo na memória toda brincadeira, risada, partida de sinuca e, principalmente, a presença do Claudio Cesar.
Claudio Cesar - O Que Muitos Não Viram