Entre as memórias de infância da professora Kaliza Holanda, 36 anos, ela guarda com carinho os dias que passava pintando. Desenhos que apenas utilizavam os contornos do lápis de cor, mas eram suficientes para dar vazão ao que sentia.
A prática tão estimada nos primeiros anos de vida ficou de lado durante a adolescência. "O tempo, que na infância era mais livre, passou a ter que 'render' com as obrigações", explica. Enquanto a maior parte do período era destinada aos estudos e aos deveres de casa, os intervalos começaram a ser preenchidos com a criação de agendas, como um "scrapbook" com bilhetinhos, poesias e letras de músicas.
Foi a partir desta fase que ela começou a entender a importância dos hobbies dentro do cotidiano. Estas pequenas ações que nos fazem desacelerar da rotina e parar a atenção em algo apenas pelo querer. "Vejo como uma atividade por meio do qual eu possa desopilar, me distrair da correria diária, e que me gere uma sensação prazerosa", considera.
Basicamente, qualquer exercício pode virar um hobby, sem necessidade de especificidades com orçamentos ou horários, por exemplo. A educadora enumera os que pratica atualmente: aquarela, bordado livre, leitura e colorir livros de pintura. Todos eles, curiosamente, remetem à infância por algum motivo. Seja pela lembrança do ato ou pelo sentimento atrelado a ele. E a prática permanece em intervalos, quando é possível, para não entrar na rota dos afazeres.
"Acredito que os hobbies trazem uma pausa bonita para o dia a dia, sem necessidade de perfeição, de constância ou obrigatoriedade. Ajuda a deixar a cabeça mais livre, menos barulhenta e ansiosa". A percepção tem fundamento. De acordo com estudo divulgado em 2023 pelo periódico Nature, ter hobbies impacta diretamente na saúde mental e bem-estar por meio de padrões comportamentais.
Isto porque estas ações promovem imaginação, criatividade, estímulo cognitivo e relaxamento. A pesquisa, feita em pessoas acima de 65 anos em 16 países, aponta que cultivar hobbies está associado com a diminuição de sintomas depressivos, aumento da felicidade e crescimento da satisfação com a própria vida.
Benefícios como estes foram alguns dos motivos que levaram a criadora de conteúdo Leslie Possidonio, 30 anos, a incluir estes momentos de pausa na rotina. Ela compartilha estes instantes nas redes sociais pelo próprio perfil (@ovodoseubolo). Sem uma fórmula a ser seguida, ela experimenta hobbies como uma forma de reconexão consigo mesma. "Fazendo um hobby, a gente consegue descobrir como a gente lida com a vida. Às vezes você faz uma cerâmica fria e percebe que gosta muito de controle, percebi isso em mim", exemplifica.
Ela não mantém, ao contrário de Kaliza, a prática desde a infância. Não tinha uma ligação inicial com a pintura ou desenho. Durante a faculdade de Design, não se considerava boa nas aulas de aquarela. "Quando eu fui reaprender e me reconectar com o mundo da arte, foi quando fui com a cabeça mais aberta e consegui fazer", avalia.
Estas brechas de intervalo resgatam a diversão, por vezes perdida nas demandas da vida de uma mulher adulta, como flexiona a comunicadora. Para encontrar outras pessoas com os mesmos interesses, ela decidiu criar o Clube do Hobby. "Quando mulheres adultas vem fazer hobbies, elas resgatam também o desejo e a nossa necessidade de brincar, de se divertir, de olhar para nós mesmas. Isso é importante também".
A iniciativa é definida por Leslie como uma "comunidade". Por meio de um grupo no WhatsApp, os integrantes conversam sobre temas em comum e trocam indicações de materiais. O principal diferencial, entretanto, são as edições presenciais. São até duas edições mensais que envolvem uma estrutura maior com temáticas diferentes, nas quais os participantes podem praticar uma atividade específica e aproveitar um brunch.
A mais recente aconteceu no último domingo, 27, com o tema de aquarela. Outro formato são as "pocket sessions", que acontecem durante os dias da semana. As edições padrões custam até R$ 160, mas os valores das menores chegam até R$ 80. A demanda também criou um outro modelo: o clube do livro do Clube do Hobby. Ao fim de cada mês, os integrantes se reúnem para discutir o título escolhido.
"Está sendo um sonho, uma descoberta muito incrível. Percebo que me toca profundamente e toca profundamente outras pessoas", frisa. Para além das experiências com os materiais, pontua a influenciadora, há também um encontro importante de conexão emocional. Muitos dos membros estão passando por momentos sensíveis, como a mudança de cidade ou o término de um relacionamento. Estar em comunidade acaba se tornando um meio de transformar a perspectiva: "Você se conecta com pessoas que, normalmente, você não conheceria. Começa a ter novas parcerias".
Conhecer novos mundos
É possível que o hobby impacte outras áreas da vida? Para o escritor e criador de conteúdo Alexandre de Almeida, 28 anos, o gosto pela leitura fez com que o hábito se tornasse parte do que é natural. A prática começou a ser adquirida na adolescência a partir de livros de fantasia, mas logo se expandiu para outros gêneros.
"Virou hobby quando eu percebi que gostava e podia inserir na minha rotina de forma maleável. Na vida adulta, trabalhando regularmente, é complicado para inserir porque a gente não tem tempo", menciona ao explicar que, por vezes, lê no caminho para o trabalho, de manhã cedo, e, às vezes, antes de dormir. "É muito mais a questão de conseguir colocar em horários".
Transformar em costume corriqueiro, entretanto, pode ser delicado: "Você sabe que gosta de ler quando você tem acesso fácil às obras". Ele considera necessário descobrir os próprios gostos e explorar os enredos possíveis. Alexandre também reforça que tem interesse em jardinagem e séries. "Considero ver séries para desenvolver um senso crítico por cima dessas produções, me ajuda a pensar em outras questões".
Naturalmente, o hobby da leitura começou a influenciar nos estudos e no trabalho. Ele criou o Blog Alexandria em 2016, com a intenção de compartilhar informações sobre literatura, e lançou o primeiro livro, "Magos da Música", em 2022. Atualmente, desenvolve conteúdo sobre o tema para as redes sociais. "Eu falo que ler é hobby, falar sobre livros é meu trabalho", define. "Para mim, é complementar, principalmente se você gosta do que está fazendo. Quando é algo que você está minimamente confortável, você vai querer falar mais sobre aquilo. Você tem que ter um limite, como que eu vou trabalhar com isso, até onde vai ser prazeroso. E você só vai saber explorando".
Benefícios comprovados
A psicóloga Carla Rabelo explicita que os hobbies são "atividades realizadas por prazer, que não têm uma demanda externa de produtividade ou obrigação. Elas são voltadas para o bem-estar e o descanso, mas podem ser qualquer ação que nos conecte com o prazer".
Segundo a profissional, o conceito tem uma forte conexão com o ato de brincar, essencial para o desenvolvimento social, emocional e cognitivo na infância. "Na fase adulta, perdemos muitas vezes essa capacidade de brincar livremente devido às pressões do cotidiano. Os hobbies podem ser vistos como uma continuidade desse comportamento, oferecendo espaço para a expressão criativa. Ao conseguir encontrar um hobby, estamos resgatando essa leveza, esse brincar e essa espontaneidade", elabora.
A experiência na clínica com jovens com demandas de ansiedade, depressão e burnout - por vezes atrelada a estresse - mostra que muitos acabam negligenciando os momentos de lazer e têm dificuldade de se desconectar das tarefas diárias. Ela pontua, porém, que este momento de conexão com outros aspectos pode gerar benefícios para a saúde. "Por isso, é importante ajudar essas pessoas a resgatar a ideia de que o lazer não é uma obrigação em si, mas faz bem a mente e ao corpo", desenvolve.
Dentre as vantagens, ela cita a queda nos níveis de cortisol e a ativação da dopamina, hormônio ligado aos processos de motivação, prazer, aprendizado e recompensa. Um ponto importante, adiciona, é não tratar hobbies como obrigações a serem cumpridas.
"Sinto muitas vezes que tem a necessidade da mudança, da percepção. Muitas pessoas trazem a crença do 'não posso perder tempo, preciso estar sempre produtivo' e acaba que o espaço para os hobbies acabam sendo deixados de lado". Para ela, o tempo livre virou algo "muito difícil de ser encontrado" e o lazer pode ser considerado um ato de resistência.
"Não porque queremos transformá-lo em mais uma tarefa, mas porque o cuidar é necessário. Passar por mudança na rotina vem através de escolhas conscientes, de uma sensibilização. Na prática, a saúde mental não espera a lista de afazeres acabar. Nesse sentido, transformar o hobby em compromisso é prioridade. O que nos faz bem merece um lugar no dia a dia", complementa.
Como manter um hobby na rotina?
"Para que seja algo leve, também precisa de um grau de intenção", é o que diz a psicóloga Carla Rabelo. Este momento de pausa, para que possa acontecer, deve ser planejado
1) O primeiro passo é encontrar quais atividades são possíveis dentro do cotidiano. Buscar por opções nas redes sociais, por exemplo, permite um ponto de partida;
2) É preciso pausar! É necessário reservar um horário para estes momentos no dia a dia;
3) Focar na sensação de prazer é importante. Por isso, as telas devem ser deixadas de lado nestes minutos;
4) O coletivo também pode ser um ótimo incentivo. Convidar amigos ou familiares para participar destas atividades pode aumentar a adesão.
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