É comum encontrar fotografias com aparência de pinturas nas paredes das casas de parentes, geralmente retratos de casais em trajes formais sob uma expressão séria. Essa tradição de lares brasileiros é conhecida como fotopintura e já acumula quase dois séculos de história.
Foi com a técnica que o fotopintor Júlio Santos, também Mestre da Cultura do Ceará, desenvolveu um trabalho que celebra e resgata as tradições culturais do País. O artista explora o processo desde 1956 e é homenageado na 76ª edição do Salão de Abril, que celebra a vida e a obra do fortalezense no Centro Cultural Casa Barão de Camocim.
"Eu adoro olhar a arte feita por cearenses, entender que elas estão repletas de sensibilidade, fazendo valer o trabalho do artista em tudo que você possa imaginar. A arte talvez seja uma forma de transcender a vida, sair dela para outro canto e enxergar a beleza no mundo", ressalta o homenageado sobre a representatividade nordestina na arte.
Mestre Júlio floresceu a curiosidade para explorar o mundo das fotopinturas ainda na infância, entre cavaletes e artigos de pinturas de um ateliê que seu pai estava a montar em Fortaleza durante o ano de 1956.
Aos doze anos, o então futuro artista decidiu deixar os estudos no Mosteiro de São Bento em Garanhuns, no interior de Pernambuco, e se dedicar inteiramente à arte. "Falei com meu pai da minha vontade de fazer aquilo. Ele protelou dizendo que era o meu futuro em jogo, mas me deixou escolher. Foi a partir daquele momento que decidi que não seria monge Beneditino, mas seria um monge da fotopintura", relembra.
O artista transita, com sensibilidade, entre a tradição e o digital. Em meados de 2006, com a ajuda do sobrinho, iniciou os estudos no Photoshop. Desde então, reinventou sua técnica com auxílio do programa de edição e sem abandonar a essência de sua arte.
"Tanto faz se a tecnologia é um monitor de computador ou um cavalete de pintura. Para mim, o que importa é amar o que faz. Hoje está tudo no Photoshop, o que eu tinha em cima de uma bancada, eu tenho no computador, onde tudo é possível. A grande questão é quem está por trás do monitor", considera o profissional.
O artista também comenta sobre o uso de Inteligência Artificial (IA) para criar imagens: "É muito boa para fazer o que fiz até ontem. Porém, o que vou fazer amanhã ela não sabe, não tem informação. Afinal, é apenas uma biblioteca de dados".
O fotopintor dirige o Áureo Studio desde 1973 e atua desde 2019 no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Mesmo com o passar das décadas, Júlio enfatiza como é inestimável ver o retorno dos clientes sobre os trabalhos realizados. Do presidente da República ao secretário de Estado, o artista já ilustrou o grupo Tribalistas e cantores como Caetano Veloso e Gilberto Gil.
"Fico muito feliz com esse retorno. As pessoas choram, outros agradecem demais. Eu sempre acredito que o trabalho mais importante para mim é o próximo. Não importa o status de quem encomendou, o importante é me tatuar na parede das pessoas, pois sei que meu trabalho fica na história. Aos jovens artistas, digo: façam com amor, com verdade. Não é sobre se mostrar, mas sobre mostrar sua arte com emoção e autenticidade", reitera.
Arte, natureza e memória
Sob o tema "Despertar à Terra", a 76ª edição do Salão de Abril propõe uma reconexão com a terra e a preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural, destacando a relação intrínseca entre arte, natureza e memória.
Com curadoria de Aline Ambrósio e Wes Viana, a exposição reúne obras de cerca de 38 artistas nordestinos. "Vivemos um momento histórico em que as pessoas estão dando menos importância à natureza, entendendo-a como um recurso a ser extraído para um propósito capitalista, sem entender como a produção e o consumo têm impactado (o meio ambiente)", aponta Wes.
Entre as novidades, destaca-se a inclusão da arte têxtil, expandindo as linguagens artísticas trabalhadas. "Esse é um Salão que acolhe, celebra as diferenças. Na exposição, a gente reúne artistas que já são conhecidos na cena e também jovens com diferentes linguagens. Em relação à fotopintura, uma artista que é muito importante para essa discussão em diálogo com o mestre Júlio Santos é a J. Amancio, com o trabalho "Memória Transcestral Memória Presente", destaca a curadora.
Lançado em 1943, o Salão de abril se desenvolveu com o suporte dos artistas que atuavam em Fortaleza nos anos 1940. Dentre as mais de sete décadas do projeto, já passaram artistas como Antônio Bandeira, Aldemir Martins, Barrica e Jean Pierre Chabloz.
Nesta edição, o evento pretende seguir levantando debates e pensamentos contemporâneos: "O Salão de Abril tem uma importância gigante como espaço de afirmação e de circulação da arte contemporânea brasileira fora do eixo Rio-São Paulo. O evento proporciona esse espaço para projetar artistas nacionalmente como uma plataforma de grande alcance e trazer essas vozes para o centro da cena. Um lugar de produção de pensamento e de invenção de mundos", ressalta Wes.
Conheça o mestre Julio Santos
76º Salão de Abril: Despertar à Terra