A arquitetura brasileira perdeu uma de suas grandes mentes criativas com o falecimento, em julho de 2023, do renomado arquiteto cearense Francisco Luciano Marrocos Aragão, aos 88 anos. Com maestria e sensibilidade, assim como um artista pleno de inspiração, Marrocos Aragão deixou sua marca nas paisagens urbanas a partir de projetos que tracejam histórias e momentos importantes para o Ceará, da Capital ao Interior.
Entre as linhas do tempo que marcam uma extensa trajetória, o arquiteto conquistou reconhecimento nacional e internacional pela habilidade em criar estruturas que dialogam com o entorno e respeitam o meio ambiente — um trabalho cuidadoso que resultou em edifícios que se destacam pela originalidade e beleza estética, estudados e referenciados pelas novas gerações.
Conhecido pela visão arrojada e criativa, Aragão foi responsável por obras que tornaram-se verdadeiros marcos da arquitetura cearense, como o Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé (1973), seu projeto mais famoso.
Foi nas memórias da terra natal que o arquiteto buscou inspiração para a estrutura arquitetônica de concreto armado que, em conjunto, forma uma espécie de floresta edificada, onde a luz do sol é delicadamente filtrada e ilumina os caminhos de aventura e saudade dos viajantes que por ali passam.
Nascido em 1935 no sopé da Serra da Ibiapaba, em Ipu, Marrocos estudou no Colégio Franciscano de Tianguá, cuja formação humanística e artística influenciou na escolha da profissão.
Nessa época, porém, ainda não havia nenhuma escola de arquitetura no Ceará. Assim, aos 22 anos, o jovem Marrocos partiu para o Rio de Janeiro, onde se formou em 1962 na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil.
Na antiga capital federal, o arquiteto cearense teve a oportunidade de estudar e trabalhar com profissionais renomados em diversos países, o que lhe deu uma visão ampla sobre diferentes estilos arquitetônicos e técnicas construtivas. De volta às origens, Marrocos montou seu primeiro estúdio de arquitetura e urbanismo.
Em Fortaleza, se uniu a nomes também expoentes como Liberal de Castro, Neudson Braga e Delberg Ponce de Leon, e passou a constituir a arquitetura moderna que compreende aos anos 60 e 70 — época, também, em que foi criada a Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC).
A convite do colega José Armando Farias, um dos fundadores da Escola, Marrocos atuou como professor do curso recém-criado e compartilhou sua paixão e expertise, ainda que por pouco tempo, com as primeiras gerações de arquitetos formados pela UFC.
Os passos de Aragão, que também foi consultor da Companhia de Habitação do Estado do Ceará (Cohab) e atuou na Secretaria de Obras da Prefeitura de Fortaleza, caminharam com o processo de modernização de Capital, com obras públicas e privadas que ajudaram a desenhar os princípios da arquitetura pela cidade.
No fim do ano de 1969, Marrocos foi convidado pelo então prefeito Walter Cavalcante para idealizar e projetar o primeiro terminal rodoviário de Fortaleza. A construção viria a mudar a forma como os passageiros viajavam, já que concentrava as viagens em um só lugar — até então, a maioria se espalhava no Centro.
“A minha primeira procedência frente ao tamanho do desafio foi viajar à cidade do Rio de Janeiro, onde se inaugurava o terminal ‘Novo Rio’, na época, paradigma da visão nova de terminais rodoviários”, conta o arquiteto, em depoimento.
“De volta, aprofundei as pesquisas com os órgãos responsáveis pelas estatísticas dos transportes interestaduais e municipais. Muito pouco ou quase nada aferi dos levantamentos, deixando-me dúvidas quanto ao futuro crescimento das empresas transportadoras. Era difícil, portanto, realizar um projeto comprometido com as gerações autotransportadas do futuro”, narra.
Rodoviária de Fortaleza (1973)
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Estes obstáculos de informações direcionaram a concepção do futuro terminal para a alternativa de uma arquitetura celular, cujos módulos seriam acrescidos indefinidamente aos já construídos, sem solução de continuidade estética, funcional ou mesmo do uso e serviços ao terminal.
“Mas… qual seria a peça mágica estrutural? A solução foi mágica e rápida. A inspiração reportou-se às reminiscências da infância. Nascido na singela cidade de Ipu, nos flancos areníticos da cordilheira, convivendo com a escala monumental das pedras e das águas caindo da serra Ibiapaba, estava o cenário perfeito que moldurou o espírito de criação”, recorda.
“O vale fértil do riacho Ipuçaba, serpenteando sítios, cidades e povoados, deixa um imenso cordão verde e perene em suas ribeiras ricas de húmus e vida. Neste palco da natureza, nasce, entre tantos outros, o majestoso sítio do Gagão, confinado entre a urbe e o grotesco talhado, desfrutado por visitantes quase diariamente ou nos alegres folguedos de fim de semanas”, descreve.
Nas recordações de Marrocos, “o Gagão deixou vivas as lembranças do imponente ‘salão das mangueiras’, espaço ensombrado e sem limites, enquanto colunatas robustas sustentam o teto das copas redondas de folhagem verde escuro. Bem do alto o sol invade os espaços dos copas deixando, clareado o chão do ‘salão’, coberto de folhagens mortas e tênue relvado. Estava aí, construído pela natureza, o espaço que insinuava o novo terminal”.
O processo de concepção da rodoviária induzia à estilização do bosque extraído das recordações da infância. As árvores, agora esculpidas no concreto, são feitas de parabolóides hiperbólicos, que passam a cobrir a área de 287 metros quadrados.
Os módulos localizados lado a lado projetam nas arestas livres da cúpula a luminosidade solar, que incide sobre o piso do salão. Localizado e construído em terreno fértil de mangueiras, o terminal funciona há 50 anos na avenida Borges de Melo.
“Hoje, o Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé prima pela originalidade da concepção e função orgânica da arquitetura. Evoca as origens de tantos quantos que por lá passam e passam também lembranças de suas meninices, ora transportadas em ônibus para as viagens de reminiscências de tempos passados, talvez nas mesmas lembranças de sítios de canções iguais de paisagens verdes e felizes como o sonho da criança”, retrata.
Pegue sua bagagem e circule pelo Terminal Rodoviário Engenheiro João Thomé
Àquela altura, há cinco décadas, o adolescente Romeu Duarte, que morava na Base Aérea de Fortaleza com o pai, militar da Aeronáutica, via com curiosidade os caminhões atravessarem a avenida com areia, brita, sacos de cimento e outros materiais.
“Como era perto, um belo dia fui até lá para espiar a obra. Um canteiro imenso, centenas de operários trabalhando. Fiquei maravilhado quando os tais parabolóides hiperbólicos começaram a ser levantados. Uma floresta de concreto, pensei”, lembra Duarte, hoje arquiteto e professor do Departamento de Design, Arquitetura e Urbanismo da UFC (Daud).
“Na inauguração, foi fantástico. Não havia em Fortaleza uma obra com a generosidade espacial como aquela, talvez apenas a Assembleia Legislativa. Muita gente ia para lá não para viajar nem receber quem chegava, mas para admirar o edifício”, contempla.
Apesar de ter construído carreira profissional fora da Universidade, para o arquiteto, Marrocos sempre foi uma sólida referência: “Conheci-o através do Departamento do Ceará do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/CE), quando ele ministrou um curso de paisagismo rodoviário, no começo da década de 1980, já que tinha feito o projeto paisagístico da BR-116. Era um gentleman, pessoa de grande delicadeza, inteligência e sensibilidade”.
“Como era formado no Rio de Janeiro e tinha trabalhado com os arquitetos Affonso Eduardo Reidy e o Sérgio Bernardes, era apaixonado pela paisagem e pelo importante papel que esta desempenha nas cidades”, acentua.
Romeu Duarte acrescenta que Marrocos Aragão foi um arquiteto “icônico, avesso à Carta de Atenas de 1933, na contramão dos seus contemporâneos, ligado nas questões da paisagem, do bem estar humano e da ecologia (o primeiro a mencionar o assunto entre nós no Ceará), dono de um trabalho magnífico, mas, infelizmente, como acontece com a nossa arquitetura e os seus autores, desconhecido, o que deve ser descoberto, valorizado e divulgado”.
Pouco tempo mais tarde, no início de 1980, a cidade parou para receber o sumo pontífice da Igreja Católica, Sua Santidade João Paulo II, o primeiro papa a visitar o Brasil.
Para a aguardada cerimônia, um cenário grandioso precisava ser montado a fim de receber o líder religioso e a multidão de fiéis no estádio Castelão — e Marrocos foi o arquiteto incumbido de desenhar o notável projeto.
“Talvez tenha sido o maior evento do catolicismo no Ceará em todos os tempos. Lembro-me do arquiteto, muito humilde e emocionado, dando entrevistas e agradecendo a oportunidade de ter sido escolhido para desenhar as duas obras”, comenta Romeu Duarte.
A estrutura especial, que tinha como originalidade um altar monumental em movimento giratório, permitiu que a celebração fosse realizada em movimento de 360° e as mais de 130 mil pessoas presentes no evento histórico pudessem acompanhar a missa.
“Naquele dia 14 de julho, na abertura do Congresso Eucarístico Nacional, a Sua Santidade abriu e celebrou a missa em um altar de madeira em cedro do Pará sobre um aparador de 20 metros de diâmetro capaz de realizar um giro completo em 15 minutos”, rememora Marrocos Aragão, em relato.
“A celebração foi assistida por 136 mil pessoas que, em coro, exigiam o giro contínuo para ver o papa de frente. Ouvia-se os gritos: gira, gira! O grande espetáculo da fé católica foi acompanhado por cardeais, bispos, padres e religiosos, ao lado do círculo da plataforma giratória próxima à cruz-monumento entalhada em madeira com 18 metros de altura e 15 metros de ‘braço’, tornando-se um espetáculo à noite por sua iluminação em vazado dos símbolos litúrgicos: o trigo e o cacho de uva”, detalha.
O Altar do Papa (1980)
Mas a utilização criativa dos materiais atenta aos detalhes não se limita a esses trabalhos: homem de fé e ligado à caridade, Marrocos projetou, sem custos, o Santuário Nossa Senhora da Assunção, paróquia da padroeira de Fortaleza no bairro Vila Velha, inspirada em
Para lá foram direcionados alguns dos painéis de madeira feitos artesanalmente durante a vinda do pontífice, composições de fino esmero que passaram a integrar o arranjo da igreja, uma construção inteiramente contornada por adornos sagrados que simbolizam a fé cristã de maneira artística.
A fim de compreender e incorporar a espiritualidade do Vaticano II, Marrocos, que acompanhou de perto cada etapa da edificação, realizou um curso de liturgia com o Padre Luís Carlos Garcia de Castro, fundador da Sociedade de Vida Apostólica Comunidade Shalom.
Santuário de Nossa Senhora da Assunção (1987)
“Ele aceitou com toda humildade e fez questão de fazer um curso comigo, que era professor de liturgia. Conversamos muito sobre vários aspectos da constituição do existir, a espiritualidade, nos aproximamos, nos emocionamos. Ele era uma pessoa amiga, cristão autêntico”, relembra o pároco.
“Ele trabalhava com materiais ricos, era arquiteto de pessoas ricas, mas falei com toda franqueza, por sermos paroquianos pobres, e ele, com simplicidade, atendeu”, diz.
Para o sacerdote, o engajamento voluntário na obra, onde todos atuaram sem qualquer remuneração pelo trabalho, “é escola de participação para a comunhão paroquial, que quis construir o santuário como expressão de uma Igreja viva”.
Padre Luiz Carlos explica que o santuário foi erguido pelo povo, em regime de mutirão: “Sem subsídios do governo, da Prefeitura ou de políticos, apenas alguns benfeitores. 650 pessoas trabalhando para executar o projeto de Marrocos, que conseguiu gravar na pedra e no concreto a liturgia e a espiritualidade do Vaticano feliz”.
“Com o efeito de duas conchas gigantes, o santuário é uma peça de lógica. Tem uma estrutura circular, o altar central e a ausência de paredes e portas, o que transmite mensagem profunda de fé e unção, liberdade e presença do Espírito Santo. É uma peça arquitetônica, mas também teológica”, observa.
Padre Luiz Carlos detalha que “a imagem da padroeira é uma obra de arte rara. Peça de madeira de cedro, com 1,50 cm de altura em estilo barroco, esculpida por artistas portugueses da região de Braga. Encontra-se num nicho suspenso, simbolizando sua assunção”.
Pesquisadora na área de arquitetura moderna, a arquiteta e urbanista Beatriz Diógenes, docente da graduação e do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFC, conhece o trabalho de Marrocos Aragão desde que era estudante.
A proximidade e convivência permitiram um contato próximo com o trabalho do arquiteto, que era amigo da família. Com o tempo, eles se afastaram — mas as obras permaneceram presentes.
“Até que agora, como professora e pesquisadora, eu venho fazendo essa pesquisa juntamente com o meu colega Ricardo Paiva sobre a produção da arquitetura moderna aqui em Fortaleza, em que dedicamos uma pesquisa inteira à atuação dele”, expressa.
Beatriz revela que procurou o arquiteto no começo do ano de 2020, um pouco antes da pandemia de Covid-19: “Conversamos longamente com ele no escritório dele, durante toda uma tarde. Ele falou de método de projeto, como pensou em obras, e isso resultou num trabalho que fiz com esse meu colega, que vai ser publicado brevemente na revista Projetar”.
Na pesquisa, a arquiteta destacou projetos assinados por Marrocos Aragão que considera relevantes — inclusive o mais conhecido, até internacionalmente: a rodoviária.
“Ela é uma obra muito grande, repleta dos chamados parabolóides hiperbólicos, com uma altura diferenciada, forma um conjunto que tem uma expressão plástica e estrutural incrível. Ali você vê que ele adotou uma modulação com todos os princípios da arquitetura, tem regularidade, racionalidade, concreto aparente”, analisa.
Mas além do feito de maior gabarito atribuído ao arquiteto, outros projetos menos conhecidos também são destacados pela arquiteta Beatriz Diógenes.
É o caso do Quartel do Comando da Polícia Militar (primeira metade da década de 1970), do Hotel Amuarama (1975), do Restaurante dos Comerciários do Sesc (1975) e do Edifício Magna Santos Dumont (1979), fora várias residências unifamiliares e projetos de urbanismo como o do Conjunto Habitacional Prefeito José Walter.
De acordo com a professora, que deseja agrupar os estudos em um livro sobre os principais nomes cearenses da arquitetura moderna, “são informações que muitas pessoas não conhecem, não é à toa que grande parte dessas obras já se encontra descaracterizada, ou mesmo já foi demolida. A intenção é valorizar e dar conhecimento a essa produção arquitetônica que tem enorme valor”.
O Quartel de Polícia, aponta a pesquisadora, “além de bonito está em excelentes condições de conservação”. Segundo ela, “esse é outro problema que todo esse acervo moderno enfrenta: ele tem sido prejudicado, está descaracterizado ou sofreu alguma intervenção”.
“São dois blocos em formato de pavilhão, com dois pavimentos que de longe já expressam uma monumentalidade muito bela. Ele demonstra modulação, uma regularidade espacial, que são grandes premissas da arquitetura moderna”, ressalta.
“Tem outro elemento comum nesse período que era a utilização de brises para controlar a luminosidade, a entrada de luz, então a gente vê um jogo de luz e sombra que é muito rico. A gente vê o rigor do desenho, do detalhe, o cuidado que ele tinha. Isso é algo que sempre a gente admirou muito nele, esse tato especial que ficava visível nas obras”, distingue.
Outra edificação pouco conhecida que carrega traços de Marrocos é o Restaurante dos Comerciários do Serviço Social do Comércio (Sesc), no Centro, obra de 1975.
“A fachada é de concreto aparente, com panos de vidro grandes, e tem um detalhe que torna essa diferença especial que são uma espécie de sheds, por onde entra a iluminação mas também formam arcos muito bonitos. Ele sofreu algumas intervenções, mas ainda apresenta a essência do que ele quis mostrar com esse projeto”, caracteriza Beatriz.
A professora sobreleva, por fim, outro projeto que estudou em períodos anteriores e chegou, inclusive, a frequentar: o edifício residencial Magna Santos Dumont.
“Ele foi concluído em 1979, época em que os prédios obedeciam a uma legislação em que eram construídos com pilotis e mais três pavimentos. É um projeto que foi feito para ter integração com a rua, com a proposta de ser um edifício misto, e no térreo recebeu várias lojas que eu mesma cheguei a visitar com frequência”.
A arquiteta considera “até temeroso, porque muitos desses prédios atualmente estão sendo demolidos para dar a edifícios mais altos. Infelizmente essa arquitetura vem sendo desaparecida”.
Edifício Magna Santos Dumont (1979)
Tornar conhecida essa arquitetura é um dos objetivos de Beatriz Diógenes, que espera “que as pessoas valorizem e ela possa ser preservada, porque trata-se de um acervo muito especial que a cidade ainda tem”.
Enquanto docente, ela sublinha que muitos desses projetos são apresentados em sala de aula: “São nossos mestres, trata-se de uma expressão que vigorou e inspirou muitos a seguirem nessa profissão. Os projetos de Marrocos ficam como um testemunho desse período”.
“Foi um prazer conversar com ele e ouvi-lo, aprender com os ensinamentos, a prática e a metodologia de um profissional que deixa enorme legado para as próximas gerações”, delineia.
“A perda causou comoção geral, vários colegas falando sobre como ele era ativo, lúcido, participativo, um estudioso. Mais recentemente atuava com a filha e a neta, quando fomos lá ele nos mostrou maquetes de projetos recentes. Seguia trabalhando no que, de fato, era uma paixão para ele”.
Fora da Capital, Marrocos Aragão assinou projetos em municípios da Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), muitos já idealizados em parceria com a filha e a neta, as também arquitetas Rafaela e Alessandra Marrocos — que herdaram, além do sobrenome, a paixão pela profissão.
“Ele deixa um legado para os filhos, netos e para a arquitetura do Ceará e do Brasil, trajetória que vamos continuar com o escritório Marrocos Aragão”, assegura a filha, Alessandra Marrocos.
A arquiteta confessa que será difícil viver sem a presença do amigo, companheiro e sócio: “Meu maior amor. Sempre vou guardar no meu coração a alegria de viver a vida, o amor por nós e a compaixão para com as pessoas, o gosto pela música e pelas artes”.
Alessandra recorda que o pai sempre foi um homem íntegro e ético. “Um profissional visionário, à frente do seu tempo, ultrapassou os limites de um arquiteto, na verdade foi um artista. Sempre inspirado nas coisas divinas. Um verdadeiro gênio. Levarei em toda a minha vida os seus ensinamentos. Agora temos a grande responsabilidade de perpetuar o seu legado: a arquitetura é a arte de fazer o que não existe”, declara.
“Ele me ensinou a gostar da arquitetura e a fazer dela a minha profissão. E a frase que sempre falava: ‘somos pequenos, mas sempre devemos fitar os Andes’”, pontua.
Vinicius Marrocos, também filho e sócio, carrega na memória as viagens de família que define como “as melhores da infância” e se prolongaram quando Marrocos Aragão comprou um trailer — “para desespero da minha mãe”, comenta.
“Conhecemos parte do Nordeste e a espetacular Minas Gerais. Lá tive os primeiros ensinamentos dele da arquitetura barroca e do rococó... Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei e Tiradentes foram algumas cidades por onde passamos antes de chegar ao Rio de Janeiro”, narra.
“Desde cedo aprendemos com ele o gosto pela vida e pela natureza. Dos passeios à casa da avó Heloísa, em Ipu, durante nossas férias, até os banhos no rio Jatobá, com águas cristalinas que cortavam a fazenda cruzando toda aquela floresta nativa que ele sempre preservou com muitas oiticicas”, expressa.
Vinicius confidencia que o pai fará grande falta: “Vou sentir falta das nossas idas a restaurantes, vindas a minha casa para assistir e ouvir suas músicas preferidas, e pelas nossas conversas falando de coisas do passado. Ele sempre estará presente, tanto nos seus ensinamentos sobre arquitetura quanto na minha vida em família”.
Ter tão próximo alguém que é referência também é uma responsabilidade para Rafaela Marrocos, a mais velha dos sete netos de Aragão. Para a “neta querida”, como descreve que a chamava, o arquiteto foi mais que uma referência de avô: tornou-se, também, sua inspiração profissional.
“Sempre foi uma referência de avô, carinhoso, amoroso; e na arquitetura sempre foi a maior referência para mim, pois desde pequena eu ficava com ele no escritório, ele projetando na sua prancheta enquanto eu rabiscava os livros dele. Ele olhava para mim orgulhoso daquilo e dizia que era o meu primeiro projeto”, rememora, saudosa.
“O amor que sinto por minha profissão começou através dele, cada projeto que ele fazia era poesia, arte e ele depositava tanto amor que eu admirava aquilo e queria ter esse mesmo sentimento pela minha profissão. Além disso, tive a honra de continuar com a nossa relação de avô e neta trabalhando juntos, o que era incrível”, conta.
Rafaela lembra que o avô gostava de viajar, e que “em todas as viagens adorava falar sobre arquitetura e como ela pode ser inovadora se colocarmos como prioridade as reais necessidades da humanidade”.
“Ele era cultura e conviver com ele era sempre um ensinamento muito grande. Hoje, o meu maior desejo é continuar com esse legado que, como ele mesmo dizia, a arquitetura está no nosso DNA. Meu desejo é fazer acontecer os melhores e maiores projetos que ele tinha em mente”, marca.
No escritório, a neta cita projetos como a reforma do polo de lazer do Eusébio, Quintas das Fontes, Museu do Mangue, Centro de Cultura do Eusébio e o monumento da entrada do Cambeba, todos desenhados em parceria.
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Conforme adiciona o arquiteto Romeu Duarte, a obra de Marrocos Aragão é permeada por trabalhos de qualidade e sensibilidade: “Em todos eles, se preocupou com questões ligadas ao conforto ambiental (ventilação, iluminação e exaustão naturais) e à paisagem”.
Duarte lamenta, contudo, que parte desse acervo esteja “ameaçado de desaparecer, destruído pela especulação imobiliária”.
“Arquitetura e cidade são manifestações da mesma coisa, o espaço, em escalas diferentes, e devem ser necessariamente complementares. Estamos construindo Fortaleza na contramão disso. A casa divorciada da rua e vice-versa. Acho que ele era um discípulo tardio do Leon Battista Alberti, um arquiteto-tratadista do Renascimento: ‘as casas como as cidades, as cidades como as casas’”, finaliza.
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