Países irmãos, Portugal e Brasil dividem não só a história e a cultura em comum, como também desafios importantes no âmbito do desenvolvimento, da inclusão social e da busca pelo bem-estar da população.
A realidade de cada país partilha de dilemas que lhes são próprios e exige soluções que aumentem a capacidade de construir um futuro, cujo desenvolvimento saudável possa abrigar as gerações atuais e futuras. Por isso, as duas nações têm feito investimentos importantes para enfrentar as necessidades das suas populações.
Se no Brasil a agenda política e econômica tem promovido desenvolvimento, com o crescimento do PIB e o incentivo para o investimento externo, Portugal tem cumprido um programa de destaque no que diz respeito ao avanço de modernos parques industriais e tecnológicos e ao impulsionamento dos setores de serviços e tecnologia.
Ainda assim, as demandas são muitas e urgentes, como a necessidade de ampliar o desenvolvimento econômico, que permite novas oportunidades a regiões que possuem um grande potencial de crescimento.
Não é difícil notar as semelhanças que nos unem. Tenha-se como exemplo o Nordeste brasileiro ou a região das Beiras portuguesas. Ambas são regiões com uma riqueza cultural impressionante, com um grande capital humano e um potencial enorme de crescimento represado. Crescimento esse que será destravado com os investimentos certos, de forma a trazer um novo ciclo de desenvolvimento e a reposicionar o seu papel nas respectivas economias nacionais.
Nesta publicação, “Conexões”, contamos um pouco dessa história comum, dos cenários que já estão em construção e daquilo que pode vir a ser. O caderno, na versão impressa, que circulou na região central portuguesa, é uma produção do O POVO, veículo de comunicação sediado no Ceará, Estado do Nordeste brasileiro que, não por acaso, mantém uma forte relação com Portugal.
O plano econômico comum – em torno da sustentabilidade, das energias renováveis e da economia azul – ganhou força nos últimos anos. Por isso, o Ceará passou a abrigar uma em cada quatro empresas portuguesas abertas no Brasil, de acordo com os dados mais recentes da Federação das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil (FCPCB). Isto torna o Ceará o Estado brasileiro que mais tem recebido investimento direto português.
Ao longo dos seus 96 anos, O POVO tem acompanhado nas suas várias plataformas essa aproximação e o que pode vir a surgir a partir dela. É o compromisso com um jornalismo global e de qualidade que revela como Portugal segue os passos da reinvenção e transformação, com o intuito de incrementar negócios, atrair novos investimentos, e desenvolver ações para ampliar parcerias com outros países. O Brasil, e o Ceará especificamente, fazem parte dessa rota de crescimento.
Bem-vindos ao “Conexões”.
Como portugueses e brasileiros, lá e cá, se descobrem em costumes, negócios, rotinas, em marcos históricos, desde a chegada da frota de Cabral
"E neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, isto é, primeiramente d'um grande monte, mui alto e redondo, e d'outras serras mais baixas a sul dele e de terra chã com grandes arvoredos, ao qual monte alto o capitão pôs nome o Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz".
O trecho acima é da "carta a el-Rei Dom Manoel sobre o achamento do Brasil". Foi redigida a bico de pena pelo escriba Pero vaz de Caminha, em 1º de maio, uma semana após a quarta-feira anterior, 22 de abril de 1500, quando os navegadores liderados por Pedro Álvares Cabral pisaram na areia de Porto Seguro, na Bahia.
Naqueles tempos, o Brasil e Portugal estavam separados por um Atlântico. Agora, existem várias pontes: pelo mar, pelo ar, pelo conhecimento, pela tecnologia... E também pelas afinidades dos costumes, língua, religiosidade, nos pratos à mesa, nos marcos arquitetônicos, nos investimentos, turismo, oportunidades em estudos, empregos, em quem parte ou chega para empreender, na nova vida dos que se deslocam daqui para lá, de lá para cá. Cada vez mais.
Atualmente, existem cerca de 400 mil brasileiros que vivem oficialmente em Portugal. Sem contar com quem tem nacionalidade dupla. Dados estes do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE) que condizem com o que apontava, até agosto de 2023, o Serviço Português de Estrangeiros e Fronteiras, que indicava 392.757 brasileiros espalhados legalmente por Portugal. É a segunda maior comunidade de brasileiros no mundo (a maior está nos EUA).
Segundo a Embaixada de Portugal no Brasil, há 661.721 portugueses inscritos nos postos consulares, "dos quais 334.311 com residência comprovada no Brasil, conforme registro de Cartão de Cidadão". Só no Ceará, são cerca de 5 mil lusitanos instalados, segundo a Embaixada. De 200 a 300 desses moram no Piauí, estado que faz parte do mesmo posto consular.
"No caso do Ceará, eu diria que há logo uma conexão geográfica. Fortaleza é a capital brasileira mais próxima da Europa. Há grande interesse dos portugueses pelo Brasil em geral, Nordeste e Ceará. Creio que os portugueses são o principal contingente de turistas estrangeiros no Ceará", destaca o cônsul Rui Almeida, chefe do vice-consulado de Portugal em Fortaleza.
Os números comprovam isso. A pesquisa da Secretaria do Turismo do Ceará (Setur), realizada entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023, indicou que quase um quarto (22,9%) dos turistas internacionais vieram de Portugal. Mais que italianos (17,17%), franceses (16,16%) e argentinos (7,41%).
Romeu Duarte, professor do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará (UFC), aponta para as linhas da arquitetura e do urbanismo, além da língua e dos costumes, também como marcas portuguesas. Elas delinearam a característica de uma sociedade e permanecem influentes. Mas ele destaca a adaptação dos modelos arquitetónicos vindos de Portugal, usados em sobrados ou igrejas, com a tecnologia e os materiais locais.
"Quando, por exemplo, vais ao Icó, a Sobral, a Aracati, a Viçosa, a Tauá e outras cidades cearenses que datam do século XVIII, vês esse tipo de coisa a acontecer. É uma arquitetura portuguesa levantada com tijolo do rio Salgado, com carnaúba, com telha de barro ali das olarias do Salgado, com pouca condição de pintura, com madeiras para fazer estrutura também de carnaúba para os pavimentos de sobrados, tijoleiras, os pisos externos", descreve. Nas adaptações, as edificações pensadas lá em Portugal precisaram de ser projetadas de forma mais arejada, ventilada, para reduzir o calor dominante no Ceará.
O português Virgílio Nogueiro Gomes, gastrónomo, professor, escritor e pesquisador do património alimentar do seu país, relaciona a primeira conexão pelo mar também para o que comemos. "Através da ligação marítima começou primeiro o intercâmbio de produtos e depois as formas de os confeccionar, o que deu origem ao que hoje chamamos de 'cozinha de fusão'". Ele afirma que esta ponte ainda está em construção, num processo longo e que tem acontecido naturalmente. "Veja o caso do frango. Quando Cabral chegou em 1500 não havia galinhas. Hoje o Brasil é o maior exportador mundial de frango".
Nogueiro destaca que a carta de Caminha é o principal documento para o estudo sobre a culinária do primeiro Brasil. "(A carta) estabelece algumas comparações, mas tem pequenos erros próprios da época. Por exemplo, confunde mandioca com inhame! Percebe-se que não havia doces quando os índios cuspiram as 'fartes' (doces), que hoje ainda se fazem em Sobral (concelho do distrito do Ceará)", destaca.
O cônsul português em Fortaleza, Rui Almeida, confirma: "Os dois países têm laços que sempre existiram".