Os dados são claros: O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) paga até um salário mínimo para dois a cada três beneficiários aposentados. E esse número de pessoas que ganham até o piso da Previdência está crescendo.
Conforme a série histórica, o reajuste da aposentadoria não tem acompanhado a inflação oficial, contribuindo para o achatamento da renda da população mais velha que está saindo do mercado de trabalho e recebe acima do salário mínimo.
Já segundo a política de reajustes do Governo Lula, os aposentados e pensionistas que ganham o mínimo tiveram um reajuste de 6,97% em 2024.
Esse resultado é equivalente ao acumulado do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 2023 mais um ganho real equivalente ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022.
As demais aposentadorias foram reajustadas em apenas 3,71%. Outro detalhe importante: Quem se aposentou durante o ano de 2023 recebeu um reajuste ainda menor, porque o repasse ocorre de maneira proporcional.
O problema está no índice que é utilizado. O INPC dá grande peso aos produtos alimentícios e bebidas. Esses produtos, claro, fazem parte da cesta de consumo dos aposentados, mas não exclusivamente.
Em 2023, o INPC ficou abaixo da inflação oficial, que é calculada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), cujo resultado do ano passado foi de 4,62%. A diferença, portanto, entre reajuste das aposentadorias e a inflação oficial chega a quase 1 ponto percentual (p.p.).
Além da perda para a inflação, outra questão é que o piso das aposentadorias tem subido mais rápido do que os reajustes do miolo e do teto. Então, em algum tempo, a tendência é que mais beneficiários recebam o piso do INSS.
Quem é afeito às análises de índices econômicos sabe que o INPC também é conhecido como a "inflação dos pobres", pelo peso que dá aos itens de alimentação e seu recorte de análise tem por "população-objetivo" as famílias que recebem entre um e cinco salários mínimos.
Atualmente, dos 39,3 milhões de beneficiários do INSS, mais de 26 milhões recebem até um salário mínimo, ou seja, 67% do total.
Neste cenário, a advogada especialista em planejamento Previdenciário, Emanuela Diógenes, avalia que é preciso que os trabalhadores estejam atentos não só para o tempo necessário para aposentadoria via INSS, mas, a depender do padrão de vida, para guardar recursos ou investir para maior conforto.
Ela destaca que, como poucos se planejam, a aposentadoria é deixada para depois e a conta não fecha. Como a pirâmide etária está alterando, a situação tende a ficar mais crítica.
Com base nos dados do INSS, a advogada destaca que, apesar de a proporção de aposentados recebendo apenas um salário mínimo do INSS, grande parte deles ganhavam bem acima desse valor no mercado de trabalho, deixando grandes brechas no orçamento e na vida.
Emanuela ainda destaca que a digitalização dos pedidos de aposentadoria, que inicialmente veio para descomplicar o acesso, na verdade, está atrapalhando. Ela conta que não são raras as queixas de clientes que são prejudicados e acabam recebendo valores menores do que têm direito.
Em um dos casos, diz a advogada, um trabalhador pleiteando aposentadoria "perdeu" 11 anos de trabalho por conta da falta de informações registradas em seu CPF.
No entanto, esse cliente já trabalhava à época em que os registros de trabalhos eram simplificados e feitos apenas no nome completo e sem CPF, o que não é captado pelo sistema digitalizado do INSS.
"Planejando com antecedência é possível criar metas de valores que se pretende alcançar no benefício de aposentadoria. O recomendado é, com ajuda de um advogado, analisar qual seria a melhor estratégia de contribuição para alcançar as metas desejadas e isso é feito com um planejamento previdenciário", diz.
Para o economista Ricardo Coimbra, membro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), o cenário econômico no País em meio às mudanças observadas no mercado de trabalho, em que a informalidade nunca esteve tão alta e em que o déficit previdenciário só se agrava, a situação, que é desafiadora para os aposentados de hoje, deve ficar pior para os trabalhadores que pensam em deixar o mercado de trabalho algum dia.
Isso exige mudanças na perspectiva dos trabalhadores. Alocar recursos desde a juventude em opções do Tesouro Direto, renda fixa de longo prazo, além das previdências privadas, é fundamental.
"O número significativo de pessoas na informalidade não contribui com o sistema de aposentadoria, que depende que os trabalhadores de hoje contribuam para o INSS para bancar o sistema", destaca Ricardo.
O economista ainda se diz preocupado com a forma como a Geração Z encara esse futuro desafiador. Ricardo diz que os jovens estão muito imediatistas com seus objetivos, suas metas são focadas no limite de 30 anos de idade. E pouco se olha no longo prazo.
Ricardo ainda afirma que, além da ampliação do déficit previdenciário atual, a falta de contribuição prejudica os trabalhadores no futuro, tanto na exigência de aposentadoria por idade mais alta, aos 65 anos, quando pela exigência de 35 anos de contribuição, em meio a um mercado de trabalho em que a recolocação de profissionais entre 45 e 55 anos é bem dificultada na maioria dos setores.
"Muito provavelmente, esses trabalhadores não terão acesso a serviços de amparo trabalhista, e, caso consigam aposentadoria, será de um salário mínimo, o que gera preocupação, por ser uma renda com um nível de praticamente subsistência", diz.
O "empobrecimento" dos aposentados no Brasil também está relacionado ao modelo do sistema previdenciário nacional e a sua mudança de perfil de sustentação.
Quando ele foi pensado, o País tinha uma grande quantidade de jovens em idade ativa. Nas próximas décadas, deve ocorrer o movimento contrário, em que a maioria deve ser de idosos beneficiários de aposentadoria.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a idade média do brasileiro passou de 29 anos, em 2010, para 35 anos, em 2022.
Outro dado que demonstra o envelhecimento da população é o de que, em 2010, a cada 30,7 idosos com 65 anos ou mais, havia 100 jovens de até 14 anos. Em 2022, o IBGE registrou 55 idosos para cada 100 jovens.
O POVO questionou o INSS sobre diversos temas relacionados sobre aposentadorias, mas não obteve retorno. As perguntas foram sobre qual o tempo médio de espera para análises de aposentadorias e qual a evolução desse tempo, assim como qual a atual fila de espera por aposentadorias.
Após 40 anos de trabalho como advogado, João Gonçalves de Oliveira faz as contas. A pedido da família, aos 70 anos, está decidido a se aposentar, mas diz: "O padrão de vida vai cair."
Organizado, diz que desde cedo pensa na hora da aposentadoria. Há mais de 20 anos paga previdência privada e escolheu continuar trabalhando mesmo tendo completado o tempo de serviço necessário.
O motivo para não depender da aposentadoria paga pelo INSS é claro: O valor mensal que receberia seria muito menor ao que estaria habituado em relação ao que tem hoje como advogado de Direito Coletivo.
Ele conta que a vida foi permeada pelo trabalho. Vindo de família pobre e sem padrinhos no Direito, "sempre batalhou para ascender" na profissão.
"Estou com 40 anos de advocacia e nunca tirei férias. Os dias de descanso sempre foram "com um olho no gato e outro no peixe". "Nesse plano privado eu busco uma segurança a mais porque eu já sabia que a renda do benefício do INSS não era suficiente. Mas confesso, eu já tenho feito um exercício tremendo cortando gastos já de agora", conta.
João ainda pontua que o trabalho de rever seu padrão de vida e consumo é um pouco frustrante e duro, mas que agora, com os filhos criados, chegou o momento de desacelerar.
"Mesmo com a previdência privada, ela não me permite manter o mesmo padrão. Vou parar pela minha família, não adianta parar de trabalhar quando estiver sem qualidade de vida".
Em meio às dificuldades de quem já vive com uma redução de patrimônio após o fim da carreira laboral, o cenário para o futuro não parece promissor no contexto de transformação da faixa etária da população: A quantidade de jovens que sustentam o sistema previdenciário está diminuindo, enquanto a de velhos beneficiários está subindo.
Então, com o aumento da expectativa de vida da população, o planejamento financeiro para o médio e longo prazo torna-se fundamental. Pensar na saúde financeira ainda jovem para usufruir na velhice é o ponto.
Wagner Oliveira, especialista em Educação Financeira da Quanta Previdência, lançou em novembro de 2023 uma plataforma gratuita de educação previdenciária, a Acqua, e disponibilizou cursos que promovem uma cultura de educação financeira de longo prazo.
Ele destaca que pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), mostra que apenas 35% dos brasileiros consideram-se alfabetizados financeiramente. E o cenário é mais desafiador quando falamos de pensar no longo prazo.
O projeto é desenvolvido em parceria com a Somma Investimentos e a plataforma gratuita de educação financeira recebeu mais de 2 mil inscrições no primeiro mês de atividade.
"Além da estabilidade financeira, um bom planejamento oferece oportunidades para um envelhecimento mais tranquilo e seguro", diz Wagner.
Desde que a Fundação Getulio Vargas (FGV) lançou oficialmente o cálculo da inflação para 3ª idade, levando em consideração os custos para quem tem mais de 60 anos, tornou-se notável que as cestas de produtos desse público são diferenciadas e, muitas vezes, a carestia sobre eles é maior.
Isso ocorreu em 2023. De acordo com o levantamento trimestral do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), o Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i) foi de 3,71%.
Já o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), que acompanha semanalmente o comportamento médio da inflação em geral, foi de 3,55% em 2023.
Para dar noção do tamanho da diferença, a variação do cálculo de inflação sobre os idosos medido pela FGV nos últimos 12 meses até março foi de 3,33% pelo IPC-3i.
Já o cálculo geral feito pela instituição semanalmente pelo IPC-S no igual período foi de 2,93%.
Analisando os gráficos, é possível notar que o sobe e desce dos dois índices de inflação é similar, no entanto, o peso sobre os preços para as cestas de consumo daqueles que estão na 3ª idade é maior.
Estudo feito por economistas ligados ao FGV/Ibre e publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) já apontou que a cesta de consumo de famílias que contam com pelo menos 50% de sua composição de pessoas idosas tem custos maiores em despesas de saúde e cuidados pessoais, alimentação, habitação e despesas diversas.
E as diferenças podem ser relevantes. Nas despesas com saúde, por exemplo, os gastos com essas despesas podem chegar a ser até 30% superiores.
Segundo o Bureau of Labor Statistics, dos Estados Unidos, as famílias dedicavam cerca de 5% do seu orçamento para gastos com prevenção e tratamento de doenças. Entre os cidadãos com mais de 65 anos, a fração destes gastos chega a 11,5%.
No Brasil, destaca a pesquisa do Ipea, essa proporção é maior. "Sem dúvida, as despesas de saúde e cuidados pessoais, que são responsáveis por 15% do orçamento dessas famílias (com pelo menos 50% de idosos na composição) comparado a 10,4% do conjunto de famílias pesquisadas (em geral)".
O atual sistema previdenciário brasileiro é deficitário e promove desigualdades. Apesar da aprovação da reforma previdenciária em 2019, estudos demonstram que alguns problemas persistem e outros aumentaram.
Há servidores aposentados que recebem acima do teto do INSS, que atualmente é de R$ 7.786,02. Na Justiça Federal, por exemplo, o teto fica sendo R$ 41.650,92, no valor do salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Então, quem recebe o teto do INSS reembolsa o equivalente a apenas 18% do que esse regime diferenciado para servidores do judiciário.
Por meio de Emenda Constitucional, ocorreu significativa reforma do regime geral de previdência e do regime próprio dos servidores da União.
O que aumentou idades mínimas para aposentadoria, tempo mínimo de contribuição, alterou cálculo de benefícios, entre outras mudanças, em 2021, e o déficit financeiro do sistema alcançou R$ 379 bilhões.
O problema da insustentabilidade do sistema previdenciário, no entanto, é apontado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) desde 1994. Então, o principal foco da reforma não foi atingido.
"Quando observado o valor presente dos déficits futuros do sistema, apesar das limitações de qualidade dessas projeções, é possível observar que o sistema de previdência no Brasil é um dos menos sustentáveis do mundo, o segundo menor entre os países emergentes e desenvolvidos analisados na publicação Monitor Fiscal de 2018 do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apenas o déficit atuarial do RPPS da União está estimado em R$ 1,3 trilhão, valor que pode triplicar ao ser somado aos respectivos déficits atuariais de estados e municípios", aponta estudo do TCU.
Outro problema é a alta taxa de judicialização. O TCU aponta que, em 2021, mais de 13% dos benefícios foram concedidos com base em decisão judicial, o que representou 16,4% da despesa do INSS com benefícios. Foram mais de R$ 116,1 bilhões em concessões judiciais, para uma despesa previdenciária de R$ 709,6 bilhões.
Outro problema persistente no sistema previdenciário brasileiro é sua desigualdade. Em resumo, a disparidade entre trabalhadores do regime geral e do setor público existe, assim como os trabalhadores privados e os autônomos, além dos informais.
Em 2017, a Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) já lançava um estudo alertando da situação. O destaque era que a proposta posteriormente aprovada se concentrou somente nos efeitos fiscais, mas não discutiu sobre o impacto na distribuição de renda.