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Médicos entre telas: como a teleinterconsulta altera a jornada do paciente
Reportagem Especial

Médicos entre telas: como a teleinterconsulta altera a jornada do paciente

A teleinterconsulta — uma modalidade de telemedicina — permite a discussão do caso de pacientes entre o médico generalista e o especialista

Médicos entre telas: como a teleinterconsulta altera a jornada do paciente

A teleinterconsulta — uma modalidade de telemedicina — permite a discussão do caso de pacientes entre o médico generalista e o especialista
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O percurso desde os primeiros sintomas até a resolução de um problema de saúde — mesmo que seja uma patologia sem maior gravidade e sem a necessidade de tratamento de alta complexidade — pode durar anos. O acesso a um especialista requer, em muitos casos, enfrentar filas imensas.

A tecnologia entra nesse cenário como uma oportunidade de ligar médicos generalistas a especialistas e, consequentemente, trazer mudanças ao processo de tratamento do paciente. A pandemia da Covid-19 acelerou uma tendência que já despontava, a telessaúde.

Para o caso específico do exercício da Medicina, a telemedicina foi regulamentada em 2022, por meio da Resolução nº 2.314/2022 do Conselho Federal de Medicina (CFM).

A telemedicina compreende diferentes modalidades de atendimentos. Conforme a resolução, a teleinterconsulta é "a troca de informações e opiniões entre médicos, com auxílio de TDICs (tecnologias digitais da informação e comunicação), com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico".

A teleconsulta, entre médico e paciente, é ligeiramente diferente da teleinterconsulta, em que um profissional discute com outro(Foto: Getty Images)
Foto: Getty Images A teleconsulta, entre médico e paciente, é ligeiramente diferente da teleinterconsulta, em que um profissional discute com outro

Texto pormenoriza que o médico assistente responsável pela teleinterconsulta deverá ser, obrigatoriamente, o médico responsável pelo acompanhamento presencial do paciente. Desta forma, os demais profissionais envolvidos de forma remota "só podem ser responsabilizados por seus atos".

O projeto TeleNordeste, implementado há pouco mais de um ano, realizou mais de 54.026 teleinterconsultas de 20 especialidades, atendendo usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) dos nove estados da região.

A iniciativa é executada por cinco hospitais: BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Hcor, Hospital Moinhos de Vento — o único fora de São Paulo, localizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul —, Hospital Alemão Oswaldo Cruz e Hospital Sírio-Libanês, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS). Ou seja, em parceria com o setor público.

No Ceará, foram realizadas 2.878 no período. No Estado, as especialidades mais demandadas são pediatria (13,9%), neurologia (11,3%), cardiologia (9,8%), psiquiatria (9,7%), endocrinologia (9,2%), reumatologia (8,7%), nutrição (7,1%), dermatologia (5,8%) e ortopedia (5,4%). 

Teleinterconsultas pelo programa TeleNordeste

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Fernando Moreira Gonçalves, médico de Família e Comunidade e referência Técnica do Projeto TeleNordeste pelo Hospital Sírio-Libanês — que atua no Ceará e na Bahia por meio da parceria —, avalia que qualquer estratégia de saúde digital vai necessitar de adaptação dos processos de trabalho. O que ele considera um dos desafios. Outro é a mudança cultural dos profissionais da saúde.

Ele explica que o teleconsultor do Sírio-Libanês presta apoio ao médico que atua diretamente com o paciente. Há o "compartilhamento do cuidado com um profissional especializado".

Antes, quando havia necessidade, era feito o encaminhamento para uma consulta presencial para uma policlínica ou ambulatório. "Ao invés disso, a gente poder promover esse contato e essa discussão de caso no próprio território", compara.

Dr. Fernando Moreira Gonçalves, médico de Família e Comunidade e Referência Técnica do Projeto TeleNordeste pelo Hospital Sírio-Libanês(Foto: Divulgação Ascom Hospital Sírio-Libanês)
Foto: Divulgação Ascom Hospital Sírio-Libanês Dr. Fernando Moreira Gonçalves, médico de Família e Comunidade e Referência Técnica do Projeto TeleNordeste pelo Hospital Sírio-Libanês

"Atuamos desde meados de 2022. Começamos no Sertão dos Inhamuns, na Região de Saúde de Tauá. Fomos incorporando outras regiões. Há cerca de seis meses incorporamos Itapipoca e Maracanaú", explica. "A gente consegue observar que tem um apoio importante da gestão, que viabiliza a entrada no território", afirma o médico. 

No Ceará, atualmente, o projeto atua em quatro regiões de saúde e 27 municípios, além de três pólos-base de saúde indígena (ver quadro). "Na região de Tauá, que é mais distante geograficamente, os pacientes precisariam  se deslocar 5 horas, 6 horas para uma consulta com especialista. Precisariam de múltiplos deslocamentos", exemplifica. 

Do Sírio-Libanês, 15 teleconsultores  de 11 especialidades médicas diferentes prestam a consultoria aos médicos nos postos de saúde dos municípios cearenses atendidos. 

A iniciativa do Ministério da Saúde é promovida pelas Secretarias de Informação e Saúde Digital (Seidigi) e de Atenção Primária à Saúde (Saps) em conjunto com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass).

 


Ampliação do TeleNordeste no Ceará

Segundo Fernando Moreira Gonçalves, em 88% dos casos do Ceará não foi necessário encaminhar o caso para consulta presencial — é a chamada "taxa de evitamento". Quadros em que foi possível ser "conduzido pela equipe junto com esse apoio a distância". "Não é a única solução e não resolve todos os problemas. Mas é um aliado", considera.

 "Nós estamos vendo com os 27 municípios que já estão no projeto para renovar, se desejam continuar. E identificar o tamanho da extensão possível. Hoje, fazemos o apoio a 400 equipes (da Estratégia de Saúde da Família). A expectativa de passar a fazer apoio de 600 equipes", prospecta sobre o que representaria um aumento de 50%.

A telemedicina foi regulamentada em 2022, pela Resolução nº 2.314/2022 do Conselho Federal de Medicina(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação A telemedicina foi regulamentada em 2022, pela Resolução nº 2.314/2022 do Conselho Federal de Medicina

"Estamos em articulação com a Sesa (Secretaria da Saúde do Estado) estudando outras regiões que potencialmente podem receber e intensificar o uso onde a gente já atua. Nós não estamos iniciando a saúde digital no Ceará, estamos trabalhando junto com o núcleo do Estado. Somos mais um projeto de apoio que fomenta e estimula", contextualiza.

Ele cita a ideia de aumentar a atuação em saúde indígena, que "tem uma especificidade de contexto transcultural, com perfil de pacientes diferentes". Além de "pensar em outros contextos em que o contato a distância pode ser mais importante, como o contexto prisional, para deslocar uma pessoa da unidade prisional para um ambulatório é difícil. Se a gente conseguir prestar o apoio lá dentro, pode ser uma estratégia interessante", discute.

 

 

A experiência da rotina de cuidado com a expertise a distância

A médica generalista Anne Karoline Araújo Rocha atuou pelo projeto TeleNordeste no município de Pacoti, localizado na região de Baturité. Ela participou de 71 teleinterconsultas, sendo a segunda médica a fazer mais teleinterconsultas pelo projeto. 

Ela compartilha que, no início da experiência com a teleinterconsulta, a organização e logística eram dificuldades.

"O principal entrave era que no Pacoti eu era médica de uma unidade que tinha seis subunidades. Todo dia eu estava em uma unidade diferente. Precisava encaixar o paciente no cronograma do mês seguinte", diz.

A disponibilidade de internet também é um empecilho. "Peguei da casa de um vizinho, da igreja, usei várias vezes de outros locais. Era difícil organizar essa programação. Tentava organizar de modo a atendê-los distribuindo nas unidades próximas ao paciente, em que ele tivesse disponibilidade, tivesse internet", relata. 

A teleconsulta tornou-se mais difundida durante a pandemia da Covid-19(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA A teleconsulta tornou-se mais difundida durante a pandemia da Covid-19

Segundo ela, às vezes, a pessoa espera seis meses por uma consulta e, em muitos casos, não é "nada demais". Situação que, na visão da médica, acarreta uma ansiedade e preocupação desnecessárias no paciente, "Em quadros mais simples, a teleinterconsulta tornou isso mais fácil. O paciente tira todas as dúvidas, tem as demandas atendidas"", avalia.

Ela conta que os pacientes se adaptaram e confiam no sistema remoto. Isso nasce, explica ela, da consultoria com médicos experientes de outras localidades e de forma mais rápida, algo que dá segurança aos pacientes. "Eu digo é 'um profissional top, chique, eu, você e ele. Lá de São Paulo'. Eles super-aceitavam, achavam massa. Até mesmo os idosos", diz.

"Tive caso de um paciente que foi encaminhado de imediato para a emergência na hora da consulta com o neurologista. Ela tinha um quadro crônico de dois anos evoluindo com perda de mobilidade nas pernas. Ser encaminhado com o parecer do especialista é diferente. Foi encaminhada para o hospital de referência e hoje, tá ótimo, andando", compartilha. 

Modalidades de Telemedicina

 

A Maria Nazaré dos Santos Souza, 57 anos, foi uma dessas pacientes que teve o caso discutido por teleinterconsulta. 

Moradora do município de Pacoti, a agricultora tem hérnia de disco e apresentou dores no tornozelo nos últimos meses. Por isso, precisou de atendimento especializado. “Gostei da consulta com a TeleNordeste, fui bem atendida”, conta sobre a experiência com a teleinterconsulta.

“A doutora me encaminhou para o ortopedista. Fiz uma ressonância, mostrei e fui encaminhada para fazer cirurgia. Estou fazendo fisioterapia e na fila de espera”, relata.

 


7.080 teleinterconsultas foram realizadas em Fortaleza em cerca de um ano

Em Fortaleza, a Prefeitura realizou 5.612 consultas de segunda opinião — como também é chamada a modalidade de teleinterconsulta — entre maio de 2023 a meados deste mês de abril. Conforme Galeno Taumaturgo, secretário municipal da Saúde, a intenção é reduzir em 80% a fila de cirurgias eletivas. 

"Em média, mais de 100 consultas são realizadas por dia na rede. Está se massificando. Começamos com 30. É uma das ferramentas utilizadas para reduzir filas. É necessário que a gente saia do tradicional, se a gente não inovar vai continuar do mesmo jeito", defende. 

Galeno Taumaturgo, secretário da Saúde da Prefeitura de Fortaleza (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Galeno Taumaturgo, secretário da Saúde da Prefeitura de Fortaleza

Segundo ele, a ideia é que o médico solicite a segunda opinião e tenha retorno em até 72 horas. "Na prática, muitos pacientes que iam para uma fila de espera não precisam mais ir. Tentamos chegar a um índice de resolutividade de 70%. O paciente só vai para a fila se o especialista achar que precisa ir", afirma.

De acordo com o secretário, houve redução da fila de encaminhamentos para a consulta cardiológica em cerca de 40%. Na rede municipal de saúde, são nove especialidades que atuam na teleinterconsulta: cardiologia, dermatologia, ginecologia e obstetrícia, hematologista, psiquiatra, mastologia, urologia, endocrinologia e odontologia.

 

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