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Deus e o Diabo na Terra do Sol: 60 anos do filme que mudou a estética do cinema no Brasil
Reportagem Especial

Deus e o Diabo na Terra do Sol: 60 anos do filme que mudou a estética do cinema no Brasil

O filme de Glauber Rocha permanece como um símbolo criativo e ousado do nosso cinema até os dias de hoje. Com sua estética única e narrativa poderosa, o longa se mantém como um testemunho vivido dentro da arte de forma transformadora.

Deus e o Diabo na Terra do Sol: 60 anos do filme que mudou a estética do cinema no Brasil

O filme de Glauber Rocha permanece como um símbolo criativo e ousado do nosso cinema até os dias de hoje. Com sua estética única e narrativa poderosa, o longa se mantém como um testemunho vivido dentro da arte de forma transformadora.
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“Deus e o Diabo na Terra do Sol”, dirigido por Glauber Rocha, é sem dúvidas um dos grandes clássicos cinematográficos que se estendem muito além das paisagens áridas do sertão nordestino. Abordando de forma profunda questões essenciais da condição humana, de uma forma a frente de seu tempo.

Lançado em 1964, no festival francês de Cannes, um dos maiores do mundo, Glauber mostrava ao mundo, de forma jamais vista, o sertão nordestino. Apresentando, até então, um dos expoentes máximos do Cinema Novo brasileiro caracterizado por sua estética revolucionária e seu compromisso social e político.

Corisco (Othon Bastos) no longa de 1964 "Deus e o Diabo na Terra do sol"(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Corisco (Othon Bastos) no longa de 1964 "Deus e o Diabo na Terra do sol"

A estreia do longa no festival de Cannes, em 1964, é um momento histórico para o cinema brasileiro. Sendo um dos selecionados para competição oficial, sendo amplamente bem recebido pela crítica internacional. Onde sua exibição ajudou a colocar o cinema novo brasileiro no mapa do mundo, mostrando ao público do mundo a riqueza, diversidade e a cultura da produção cinematográfica do Brasil.

A habilidade de mesclar elementos do folclore brasileiro com a estética cinematográfica moderna e sua visão única sobre questões sociais e políticas da época foram amplamente reconhecidas em Cannes, e ajudaram a solidificar sua imagem como um dos mais importantes cineastas do século XX. O que, claro, ajudou não apenas Glauber, mas todo o cinema brasileiro como um todo a receber visibilidade.

Ambientado no sertão nordestino do Brasil, segue a jornada de Manoel e Rosa, um casal de lavradores que tentam fugir da opressão latifundiária do local onde vivem. Durante sua jornada se deparam com Sebastião, um livre messiânico. E logo de cara podemos ver a abordagem de Rocha sobre o fanatismo religioso que também atormenta aquelas terras. Explorando a violência em nome de um homem que se julga santo, enquanto se utiliza do sertão como pano de fundo para uma reflexão profunda sobre a condição humana até as últimas consequências.

Rosa (Yoná Magalhães) no longa de 1964 "Deus e o Diabo na Terra do sol"(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Rosa (Yoná Magalhães) no longa de 1964 "Deus e o Diabo na Terra do sol"

Enquanto buscam por sua liberdade, Manoel e Rosa são colocados em rota de colisão com fanatismo religioso e com forças poderosas e opressivas, personificadas pelo jagunço Corismo. E à medida que a história se desenrola, o longa mergulha em uma nas representações de bem e mal assim como a imensa desesperança que aqueles personagens enfrentam. “Pra que fugir e se desgraçar em esperança”, diz Rosa em dado momento do longa. Mostrando de forma dura ao espectador a realidade cruel que enfrentam no momento, onde desistir seria algo melhor do que ter a esperança de alguma melhora. Seja ela qual for.

Empregando uma imagem cinematográfica radical, caracterizada por cortes rápidos, imagens impactantes e extremamente violentas e uma trilha sonora vibrante, que combinam para gerar uma experiência sensorial única. Intensa e visceral com seu roteiro. Composta por Sérgio Ricardo, ela é fundamental para a atmosfera do filme.

Cineasta Glauber Rocha foi responsável pela mudança estética do cinema brasileiro na década de 1960   (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Cineasta Glauber Rocha foi responsável pela mudança estética do cinema brasileiro na década de 1960

Mesclando música popular brasileira com elementos clássicos, criando um pano de fundo sonoro que amplifica a tensão dramática. Juntamente com a montagem ritmada de Rafael Justo Valverde, alternando entre momentos de calma e explosões de violência, o que mantém o espectador constantemente envolvido. Essa estética visual única não só fascina o público, como também funciona como uma ferramenta eficaz para expressar as complexidades e contradições do universo apresentado no filme.

Já os figurinos e a direção de arte retratam com precisão o ambiente árido do sertão nordestino, com uma atenção aos detalhes que contribui para a verossimilhança da narrativa. Tornando assim o longa um marco técnico no cinema, combinando fotografia, som, música e montagem de forma magistral para criar uma obra profundamente impactante.

Além disso, o longa é cheio de simbolismos e metáforas, oferecendo diversas camadas de interpretação para seu público. Fazendo a paisagem árida e desolada do sertão emergir como um espaço carregado de simbolismos, que representam tanto a promessa de uma liberdade quase incansável quanto a realidade opressora que os persegue.

Da mesma forma que cada personagem do longa personifica diferentes aspectos da luta humana, como redenção e justiça, reverberando as tensões sociais e políticas do país na época. Traçando um paralelo direto com acontecimentos reais, como o massacre de canudos, por exemplo.

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” vai além de sua importância temática e estilística, sendo um grande impacto cultural e político para quem o assiste até os dias de hoje. Sendo lançado em um momento de agitação no Brasil, quando o país estava prestes a entrar na ditadura militar. Glauber Rocha trás uma visão progressista e provocativa, desafiando as convenções estabelecidas e provocando debates acalorados sobre a desigualdade social.

Antônio das Mortes (Maurício do Valle) no longa de 1964 "Deus e o Diabo na Terra do sol"(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Antônio das Mortes (Maurício do Valle) no longa de 1964 "Deus e o Diabo na Terra do sol"

Desde de então, o longa tem sido objeto de estudo e análise em universidades e instituições culturais por todo o mundo. Sendo um claro influenciador de diversos filmes subsequentes, tanto no Brasil quanto internacionalmente, onde sua relevância continua a ser debatida e celebrada, não apenas por cinéfilos e estudiosos de cinema, mas por todos que conseguem ter contato com a obra.

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” não representa apenas um marco na história do cinema brasileiro, mas serve como um testemunho duradouro do poder da sétima arte como uma das poucas formas capazes de provocar reflexões profundas e duradouras, sendo capaz de inspirar mudanças sociais e até mesmo políticas. O filme de Rocha permanece como um símbolo criativo e ousado do nosso cinema até os dias de hoje. Com sua estética única e narrativa poderosa, o longa permanece como um testemunho vivido dentro da arte de forma transformadora. Celebrando seus 60 anos de existência nos lembra da importância de desafiar as convenções, questionar injustiças e lutar por um mundo justo e igualitário.

 

 

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