Diante do avanço da extrema direita após o primeiro turno das eleições legislativas na França, em 30 de junho de 2024, personalidades do mundo dos esportes se manifestaram pedindo para que a população reagisse ao cenário de eventual vitória do radicalismo conservador. No domingo, 7 de julho, no entanto, a coalizão de esquerda Nova Frente Popular (NFP) e a aliança de centro-direita Juntos conseguiram frear a formação de maioria parlamentar pelo Reagrupamento Nacional (RN), sigla representante da ultradireita.
Capitão da seleção francesa de futebol, o jogador Kylian Mbappé fez um apelo para que os eleitores votassem após a liderança do RN no 1º turno. Na ocasião, ele afirmou que a situação era "realmente urgente". "Não podemos deixar o país nas mãos destas pessoas. Vimos os resultados. É catastrófico".
Quem seguiu a mesma linha foi o ex-jogador brasileiro Raí, que teve parte de sua trajetória profissional no futebol francês. Ele participou de uma manifestação contra a extrema direita na cidade de Paris. Na oportunidade, ele subiu ao palco e deixou clara a sua posição política. Além disso, rechaçou o governo do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PL).
“Conheço bem a extrema direita. O que eles fazem de melhor é mentir. Eu os conhecia no poder. A extrema direita é o fim do mundo, é o fim dos direitos humanos, da humanidade”, afirmou o ex-jogador brasileiro que jogou quatro temporadas pelo Paris Saint-Germain e é um ídolo do clube francês.
Por outro lado, o goleiro espanhol Unai Simón rebateu Mbappé e fez críticas ao posicionamento do atacante francês do Real Madrid. "Acho que muitas vezes temos a tendência de opinar muito sobre temas que não sei deveríamos opinar ou não. Sou jogador de futebol, me dedico ao futebol e acredito que só deveria falar sobre assuntos esportivos e deixar os políticos para outras pessoas e entidades", afirmou em entrevista coletiva antes da partida em que a Espanha venceu a França por 2 a 1, pela semifinal da Euro, em 9 de julho de 2024.
Em meio a essas manifestações, levantou-se a discussão sobre atletas e militância política. Outros nomes ligados ao esporte construíram trajetórias nesse sentido ao redor do mundo. Seja no espectro político da esquerda ou com tendências mais à direita, em alguns casos eles chegaram, inclusive, a ingressar na carreira política a partir de cargos públicos.
O POVO ouviu especialistas sobre as razões e os impactos das movimentações que atletas profissionais fazem quando entram no campo da militância política. Paula Vieira, professora e pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídia, da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC), avalia que os atletas são, naturalmente, "símbolos políticos" num caminho de visibilidade e explica o peso de suas influências.
"A influência existe, mas não foi Raí, nem Mbappé que viraram a eleição na França. Mas eles se tornaram símbolos de ampliação de uma voz, de uma marca política. Temos a Rebecca Andrade e Simone Biles (ginastas), que vão em outra pegada, de defesa do antiracismo, que também é uma questão política. Assim como eles dão visibilidade para marcas mercadológicas, também se tornam parte de uma discussão coletiva sobre visão de mundo. Se tornam um palco, um mensageiro do que seria esse desejo coletivo".
O colunista do O POVO, Cleyton Monte, doutor em Sociologia pela UFC e analista político, explica que atletas são figuras de destaque e influenciadores de opinião, sobretudo da juventude, que tem peso nas discussões políticas quando decidem participar.
"A fala ou a omissão (de atletas) se torna muito importante. Silenciar também é um ato politico. Mas esse posicionamento depende de uma serie de fatores. Depende da cultura de cada país de origem desses esportistas, das referências familiares. Até de posturas relacionadas ao mercado. Isso porque alguns patrocinadores tendem a se afastar de figuras que se posicionam politicamente", aponta.
No caso francês e de outro países, Monte destaca que é comum que atletas se posicionem por conta de suas origens. "A alegação dos atletas franceses, não só do Mbappé mas de outros jogadores, parte de um contexto em que a maioria é de origem pobre e descendente de imigrantes. Eles questionam o racismo e outras formas de preconceito. Então o cara posta nas redes sociais, se posiciona, comemora, critica. Você vê que ele acompanha a vida política do país", denota.
Já no caso brasileiro, o analista defende que é algo menos comum, salvo algumas exceções. "Os atletas, por vezes, fogem da discussão. Na grande maioria das vezes, os que se posicionam tendem a uma vertente de extrema direita. Temos experiências, como a democracia corintiana, importante. Mas no geral, os principais atletas nos últimos 30 anos são figuras com tendências mais à direita. O atleta brasileiro ou silencia ou se aproxima dessa bandeira mais reacionária. E ficou muito claro agora, no governo Bolsonaro, que apelou muito para o futebol e para essa interação com o meio", conclui.
Apesar de atletas e ex-atletas influenciarem a cancha política mesmo estando do lado de fora, o caminho inverso também ocorre. Quando a visibilidade desses atores acaba por levá-los a ocuparem cargos públicos. No Brasil há exemplos recentes e claros como o senador Romário (PL-RJ), o deputado federal Maurício do Vôlei (PL-MG) e a ex-ministra dos Esportes Ana Moser.
Romário entrou na política ao se filiar ao PSB ainda em 2009. De lá para cá passou pelo Podemos e atualmente está no PL. O ex-futebolista se elegeu senador em 2015 e se reelegeu em 2022. Antes disso, foi deputado federal e candidato ao governo do Rio de Janeiro em 2018.
O ex-jogador Mauricio, também da seleção brasileira, foi um dos casos do mundo do vôlei que ganhou destaque após militância política. Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Mauricio se elegeu deputado federal em 2022, sob a alcunha "Mauricio do Vôlei".
O atual deputado abandonou o esporte após ser dispensado pelo Minas, clube em que atuava, na esteira de polêmica envolvendo comentários com teor preconceituoso no Instagram. À época ele compartilhou uma imagem sobre a bissexualidade de um herói e comentou:
"É só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar". Após o ocorrido, se aproximou da política e de Bolsonaro, se elegendo em Minas Gerais com mais de 83 mil votos.
Um dos casos mais recentes envolve a ex-jogadora de vôlei Ana Moser, escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o cargo de ministra dos Esportes, função que exerceu de janeiro a setembro de 2023. Moser foi a primeira mulher a exercer o cargo desde a criação da pasta. Moser acabou rifada pelo governo, durante reforma ministerial que visava acomodar interesses políticos de partidos diversos.
Especialistas ouvidos pelo O POVO apontam que, em alguns casos, os atletas também se aproveitam da visibilidade da política para se cacifar. "Sim, eles também se autopromovem quando se posicionam. Sabem que tem poder de influenciador e que para o mundo politico é muito importante ter visibilidade", diz Cleyton Monte, pesquisador vinculado ao Lepem-UFC.
Monte completa apontando que nos casos em que viram parlamentares há uma certa facilidade para esses atores. "É justamente porque eles não partem de um patamar de desconhecimento, eles já partem lá de cima", conclui, acrescentando que esse foco na carreira política ainda é um fenômeno em menor escala.
>> Ponto de vista
Por Iara Costa*
Em uma sociedade pautada por influência, especialmente com o fortalecimento do uso de redes sociais, qualquer figura de notoriedade possui poder em discussões e debates da sociedade ao se posicionar. E os esportistas não se isentam disso.
Com a ciência da força que possuem, franceses e norte-americanos já foram cruciais nos rumos de eleições na Europa e na América, mas isso só foi possível porque cada esportista que se posicionou. Tiveram consciência política, o que muitas vezes falta no Brasil.
Em nosso País, a maioria dos jogadores, ainda que tenham ascendido socialmente por meio do futebol, não possuem consciência do papel social que podem usufruir. Essa ausência de consciência social faz com que a influência que possuem seja utilizada unicamente para ganhar mais dinheiro nas redes sociais com publicidades e nada mais.
Quando esse poder entra no campo coletivo, a maioria prefere se esconder por trás de uma suposta máscara de neutralidade — que facilmente cai por terra nas próprias redes sociais, onde uma simples curtida já fala por si só em muitas ocasiões.
Felizmente, nem só da falta de posicionamento vive o esporte brasileiro. Protagonistas de uma modalidade que já foi marginalizada e ainda vive sendo subestimada, jogadoras de futebol compram suas próprias brigas porque sabem que somente com ações efetivas e levantando a voz podem alcançar uma possível justiça social ou equidade de gênero, o que só prova o ponto da importância de um bom posicionamento. Afinal, o silêncio jamais será capaz de tornar o mundo — e o universo futebolístico — um lugar melhor. E só quem já esteve às margens da sociedade consegue compreender de fato isso.
*Iara Costa é repórter e colunista de Esportes do O POVO