A swingueira se popularizou na levada de grandes grupos de pagode baiano
Das ruas às quadras, o gênero deu origem a um coletivo de resistência que, mesmo sem nenhum tipo de incentivo, se proliferou entre centenas de grupos de dançarinos formados por pessoas negras, mulheres e LGBTQIAP+ — jovens fortalezenses que colocaram seu corpo e rosto no mundo, coloriram pistas e lotaram ginásios.
Porém, como qualquer outro movimento de origem periférica, a swingueira sofreu com a marginalização e a falta de apoio que levaram ao seu fim.
Embora a juventude aprenda a ser feliz com pouco, num contexto de periferia nem tudo é alegria. Aliás, na realidade, é preciso driblar muitas questões básicas que para boa parte desses jovens representam a sua sobrevivência.
Em 9 de abril de 2016, na página do Campeonato Cearense de Swingueira, os integrantes lamentaram a morte de dois rapazes que faziam parte do grupo Tommy Swing, um dos mais conhecidos, e registraram: “Jardim Iracema pede paz”.
No post, uma captura de tela de uma matéria do O POVO com o título “Festa de aniversário termina com dois mortos e cinco baleados no Jardim Iracema” e as fotos dos dançarinos Hyago e Ernandes, que tinham 18 anos.
“Estamos cansados de perder amigos, familiares, gente que a gente ama. A swingueira ainda é discriminada, mas se não fosse por ela muitos jovens estariam em mãos erradas. Estão aqui no movimento, fazendo alegria. Isso ocupa muito o tempo e eles acabam esquecendo as coisas do mundo aqui fora. Qualquer grupo quer ver esses meninos vivos e juntos”, escreveu Allan Silva, um dos organizadores.
Paulinho Massa iniciou seu amor pela dança na adolescência, época em que despertou em si o interesse de participar de projetos sociais e criar seu próprio grupo de dança, tendo cada vez mais o interesse de profissionalizar no segmento artístico e cultural.
Alguns anos depois de se tornar coreógrafo de grupos juninos e bandas de forró, iniciou na swingueira.
“A swingueira realmente estourou em Fortaleza nos anos 2010, 2012, e foi nessa época que o movimento viveu o seu auge. Foi quando participei de alguns grupos como o Tommy Swing, a gente conseguiu vencer várias premiações a nível cearense e participou de vários campeonatos. Fomos consagrados quatro vezes campeões”, conta ao O POVO+.
E orgulha-se: “Passei mais de 10 anos no swing e ajudei a fazer com que nossa cultura da periferia nunca parasse, nunca morresse, que a gente pudesse mostrar através das nossas expressões de dança tudo aquilo que a gente vivencia dentro das periferias de Fortaleza. Minha maior contribuição foi fomentar nossa cultura da periferia através da swingueira”.
Paulinho Massa recorda que os eventos aconteciam principalmente no Grêmio dos Ferroviários e no Ginásio da Parangaba.
Um desses era o Campeonato Cearense de Swingueira, com cerca de 50 grupos inscritos e cujas competições tomaram forma em ginásios e quadras poliesportivas de colégios públicos da periferia, mesmo sem apoio financeiro.
O coreógrafo e produtor lembra que idealizou vários festivais de dança, entre eles o Swing da Perifa, mais uma de suas iniciativas com o objetivo de contribuir para o crescimento da cultura popular e desenvolver modalidades inovadoras para crianças e adolescentes periféricos da Capital.
“Eu acredito que a maior importância cultural da swingueira para os jovens da periferia de Fortaleza foi de a gente sempre ter estado junto, acreditando que nosso ritmo e amor pela dança poderiam gerar frutos de sucesso”, narra.
Massa aponta que esse movimento formou “uma cadeia produtiva cultural” com profissionais que até hoje seguem na dança, arte e cultura: “Eu mesmo realizei meu sonho de subir em um palco por causa da swingueira, participei de várias bandas, consegui meus primeiros trabalhos dentro dessa área, conheci vários amigos meus que começaram na swingueira e hoje são professores de ritmos”.
“A produção alcançou muita gente, a gente tinha espetáculos que a swingueira levava para as quadras de 2 a 3 mil jovens, adolescentes, adultos. Envolvia cenário, figurino, pessoas que trabalhavam com costura e confecção de adereços, artesãos, é comparado ao trabalho que as quadrilhas juninas fazem no período do São João”, detalha.
Para ele, a diferença é que a swingueira “nunca teve apoio financeiro com nada”: “Mas a gente também trabalhava em um nível grandioso. Não existia edital, a gente tinha que fazer rifa, bingo, arrecadar dinheiro de alguma forma para fazer nossos próprios figurinos, cenários e transporte. A gente se reunía para vender água no sinal, nas praias, chegamos a vender din-din nas praias para poder comprar nossos primeiros figurinos”.
“O legado que a swingueira deixou na minha vida e para a vida de outras pessoas foi que a gente nasceu com um dom e esse dom precisa ser repassado para aflorar os dons de outras pessoas que ainda não acreditam que ali pode ser um ponto de partida para você realizar um grande sonho ou descobrir a sua profissão”, diz.
E pontua: “Hoje sou produtor cultural graças à grande trajetória que vivenciei dentro do movimento da swingueira, que é uma experiência que repasso através da arte da dança e da cultura de todos os movimentos que existem dentro das periferias de Fortaleza”.
Outra vida que também foi transformada pela swingueira foi a do produtor cultural e artístico Marcelo Ricarte, que coordenou grupos de dança e hoje atua na organização de festivais de quadrilhas juninas em Trairi, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), além de ser pesquisador da cultura.
Para ele, falar da swingueira é fazer um resgate da própria identidade: “Ainda na minha infância eu acompanhava grupos de dança nos grandes programas de televisão como Raul Gil, Domingão do Faustão, programa do Gugu. Com o tempo esses grupos de axé foram apresentando a swingueira, que era um ritmo mais acelerado, incluindo o som da guitarra, um ritmo mais swingado”.
“A Bahia soube aproveitar muito bem esse movimento musical e incorporou nos grupos de dança. Para nós, crianças da década de 90, era como um desafio, uma inspiração tentar reproduzir os mesmos passos daquelas músicas alegres, divertidas, que traziam temas para dentro das coreografias e para o figurino. Era de encher os olhos”, revive.
Ricarte descreve que “não era só uma atividade física, era algo teatral, coreografado, bonito de se ver”.
“Na minha época, a criançada se reunia na calçada no Jardim Iracema e a gente colocava a caixa de som para ensaiar com os colegas. Nossa vaidade era ser melhor naquilo que a gente fazia, que era dançar, e ajudava os colegas que tinham mais dificuldade. Já havia preconceito em ver meninos ou homens dançando, então vinham os dançarinos como o Jacaré e davam motivação para os meninos também participarem”, remete.
O que teve início nas ruas e calçadas começou a tomar forma com os grupos de amigos: “A partir daí a gente percebeu que esses movimentos começaram a ser incluídos nas escolas, nas apresentações de gincanas, semana cultural”.
Ricarte notou que aquilo tomava uma proporção maior “quando as bandas de swingueira começaram a vir para as bandas do Ceará e isso começou a gerar esse outro nicho do movimento musical, que movimentava não apenas a dança, mas também a música. O movimento foi se fortalecendo”.
Foi aí que as comunidades e os bairros começaram a se reunir para formar grupos e fazer pequenos eventos, segundo o pesquisador.
Assim como Paulinho Massa, Ricarte indica que os grupos se organizavam com recursos próprios: “Nunca teve apoio institucional. Alguns políticos ajudaram em alguns momentos, mas política pública mesmo não existia para incentivar a juventude. Era tudo na base de rifa, bingo, política de finanças própria mesmo. As equipes tinham costureiras, estilistas, maquiadores, mas todos trabalhavam de forma voluntária”.
Ao mesmo tempo, o movimento chegou a um ponto em que se assemelhava a escolas de samba em termos de estrutura. Ricarte, como morador do Jardim Iracema, no entorno da Barra do Ceará, acompanhou o “boom que foi a chegada do Cuca Barra”.
“Lá eu deixei de ser só admirador e passei a ser dançarino de um dos grupos na época, que era Uz Incríveis do Swing”, relata.
E registra: “Esses festivais eram tão importantes para a juventude, porque aqueles jovens ficavam ali o dia inteiro num domingo se apresentando, vendo outros grupos se apresentarem. Era realmente um momento de ocupar a mente da juventude. Tudo isso gerava na gente um sentimento de pertencimento, de valorização da dança periférica. A swingueira é uma dança das periferias”.
O produtor cultural reflete que atualmente ainda tem “muitos amigos que fizeram parte desse movimento, a maioria ficou definitivamente no movimento junino. Hoje essa galera tem seus 30 e poucos anos e está sempre envolvida em alguma atividade cultural”.
“Eu observo que a swingueira deixou um legado importante sobre esse sentimento de valorização da cultura, das atividades em comunidade, de construção coletiva. Há um legado também na saúde dessas pessoas, porque quem pratica atividade física consequentemente vai ter uma vida com mais qualidade e se adapta com mais facilidade a outros tipos de atividade”, analisa.
Ricarte acredita que o movimento perdeu força “a partir do momento em que começou a haver muitas restrições e segmentações dentro dos grupos”.
“Uma perfeição que era inalcançável porque eram grupos periféricos que não tinham recursos, não existiam editais de incentivo à cultura como existe hoje para o movimento junino”, sinaliza.
E segue: “Era tudo feito pela mão de todos, pouquíssimas pessoas apoiavam o movimento porque era visto como marginalizado. A galera tinha tanta dificuldade para fazer parte que eu lembro que muitos até pulavam a catraca porque não tinham condição de pagar a passagem”.
“Aí entra todo o contexto social, de insegurança alimentar muitas vezes. E aquele movimento era tudo, representava a identidade cultural deles, o sentimento de ‘eu faço parte de um grupo’. E para a juventude isso é muito importante, você ser aceito. Há uma busca muito grande pela aceitação nessa fase da juventude, e quando você encontra um grupo, um coletivo que você se identifica, que fala a mesma linguagem, que te aceita, que respeita as tuas diferenças, isso é muito bom”, acrescenta.
Muito além da dança, “o movimento era um local onde a galera tinha aquele apoio emocional uns dos outros, havia o sentimento de irmandade mesmo, de se apoiar. Muitos passavam por sérios problemas nas fases de descoberta da sexualidade, de aceitação, e o grupo funcionava como uma rede de apoio”.
“A maioria vinha de famílias desestruturadas onde não havia diálogo com os pais, então o grupo era o local onde encontravam refúgio”, coloca.
Ricarte reforça que “o que mais contribuiu para esse movimento não crescer foi a falta de apoio financeiro. Não existia recurso. Havia uma exigência dos festivais por uma alta qualidade técnica, de coreografia, de figurino, de cenário, mas não havia recurso para manter. Muitos grupos acabaram por falta de dinheiro, não se sustentaram e não tiveram como seguir”.
A swingueira, como bem lembra o produtor, impactou não apenas os bairros de Fortaleza, mas chegou também até a região metropolitana e Interior do Ceará.
“A galera migrou para outros ritmos, mas que também correm risco de cair se não houver incentivo. E aí vai desaparecer até que surja outro movimento. Se a gente tivesse tido o apoio que o movimento junino tem hoje, talvez a gente ainda teria um movimento de swingueira muito forte, num nível de grandes espetáculos”, lamenta.
Atualmente, apesar de algumas bandas ainda trazerem o swing entre suas composições e agitarem multidões do Carnaval ao TikTok, o movimento em torno do gênero não mobiliza mais grupos em Fortaleza como nos anos 2010.
Além do tradicional pagodão baiano que segue entoado por cantores como Léo Santana e Psirico, formações como a banda BaianaSystem ainda misturam a swingueira entre os instrumentos — que são imediatamente reconhecidos por quem já dançou o ritmo em outros tempos.
O POVO+ estreou no dia 19 de agosto o filme “Swingueira”, dos diretores Bruno Xavier, Roger Pires, Yargo Gurjão e Felipe de Paula, da produtora audiovisual Nigéria Filmes.
O documentário aborda um dos maiores fenômenos musicais das periferias do Nordeste e a narrativa tem como eixo principal o cotidiano de quatro jovens dançarinos de swingueira.
Enquanto participam de um campeonato cearense de dança, eles buscam meios para sobreviver da paixão pela arte, além de vivenciar diversas reviravoltas em suas vidas pessoais.
A batida e o ritmo das coreografias conferem ação e movimento às cenas do longa, que foi filmado ao longo de cinco anos – de 2015 a 2020.
Do Bom Jardim à comunidade Verdes Mares, tradicionais bairros de Fortaleza, é possível conhecer a garra, a força e a sensibilidade de grupos como Tommy Swing, Swing Stylo, Uz Patifez e Stylo Muvuka. Confira o teaser a seguir:
SWINGUEIRA (2020) - teaser from Nigéria on Vimeo.
Serviço
“Swingueira” (2021) (81´)
Direção: Bruno Xavier, Roger Pires, Yargo Gurjão e Felipe de Paula (Nigéria Filmes)
Classificação: 12 anos
Sinopse: O documentário aborda um dos maiores fenômenos musicais das periferias do Nordeste. A narrativa tem como eixo principal o cotidiano de quatro jovens dançarinos de swingueira que passam por reviravoltas na vida.
"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"