Logo O POVO+
Os 20 anos do tsunami que devastou o sudeste asiático
Reportagem Especial

Os 20 anos do tsunami que devastou o sudeste asiático

Um terremoto submarino de 9,1 graus de magnitude provocou a maior fratura de falha já registrada e enviou ondas gigantes na direção ao longo da costa do Oceano Índico, com uma grande velocidade, em poucas horas e sem aviso prévio

Os 20 anos do tsunami que devastou o sudeste asiático

Um terremoto submarino de 9,1 graus de magnitude provocou a maior fratura de falha já registrada e enviou ondas gigantes na direção ao longo da costa do Oceano Índico, com uma grande velocidade, em poucas horas e sem aviso prévio
Tipo Notícia Por

 

 

Os países que sofreram o tsunami devastador de 26 de dezembro de 2004, uma das maiores catástrofes da história recente, recordam as mais de 220.000 pessoas que morreram quando as ondas gigantes atingiram comunidades costeiras no Oceano Índico.

Naquele dia, ondas de até 30 metros de altura deixaram milhares de pessoas desabrigadas e mataram moradores e turistas, que passavam as férias de fim de ano em praias paradisíacas.

Banhistas do Sri Lanka brincam ao surf na cidade costeira de Peraliya, no sul do país, em 26 de dezembro de 2014, no décimo aniversário do mortífero tsunami asiático(Foto: ISHARA S. KODIKARA/AFP)
Foto: ISHARA S. KODIKARA/AFP Banhistas do Sri Lanka brincam ao surf na cidade costeira de Peraliya, no sul do país, em 26 de dezembro de 2014, no décimo aniversário do mortífero tsunami asiático

"Meus filhos, minha esposa, meu pai, minha mãe, todos os meus irmãos foram arrastados pela água", lembra Baharuddin Zainun, um pescador de 69 anos da província de Aceh, na Indonésia.

"Outros sofreram a mesma tragédia. Temos os mesmos sentimentos", acrescentou.

Um terremoto submarino de 9,1 graus de magnitude provocou a maior fratura de falha já registrada e enviou ondas gigantes na direção à costa do Oceano Índico, com uma grande velocidade, em poucas horas e sem aviso prévio.

Segundo a EM-DAT, uma reconhecida base de dados mundial sobre desastres, 226.408 pessoas morreram na catástrofe.

Países atingidos pelo tsunami

Na Indonésia, onde mais de 160 milpessoas faleceram, estão previstas várias cerimônias, começando com um minuto de silêncio pouco antes das 8 horas de 26 de dezembro (22 horas de Brasília, 25 de dezembro) em Banda Aceh, a capital da província de Aceh.

Também está prevista uma visita solene ao local em que foram enterrados quase 50.000 cadáveres, assim como uma oração na grande mesquita da cidade, com a presença de representantes do governo e de várias ONGs.

 

 

Cerimônia do trem

No Sri Lanka, onde mais de 35 mil pessoas morreram, um novo trem, idêntico ao que foi atingido pelas ondas há 20 anos, viajará de Colombo, a capital, até Peraliya, onde em 2004 foi arrancado dos trilhos pela força da água.

Homem passa por linha férrea, que foi danificada pelo tsunami de 26 de dezembro de 2004, em Sinigame, perto da cidade turística de Hikaduwa, na costa sudoeste do Sri Lanka, em 29 de dezembro de 2004. Abaixo, rapazes caminham ao longo de uma linha férrea no mesmo local em 1º de dezembro de 2024(Foto: Fotos de Ishara S. KODIKARA e Jimin LAI/AFP)
Foto: Fotos de Ishara S. KODIKARA e Jimin LAI/AFP Homem passa por linha férrea, que foi danificada pelo tsunami de 26 de dezembro de 2004, em Sinigame, perto da cidade turística de Hikaduwa, na costa sudoeste do Sri Lanka, em 29 de dezembro de 2004. Abaixo, rapazes caminham ao longo de uma linha férrea no mesmo local em 1º de dezembro de 2024

Quase mil pessoas morreram no trem. Cerimônias religiosas budistas, hindus, cristãs e muçulmanas estão programadas em todo o país.

Na Tailândia, que segundo os dados oficiais registrou mais de 5 mil mortos, metade deles turistas, e 3 mil desaparecidos, centenas de pessoas participarão de uma cerimônia oficial de recordação em 26 de dezembro, com a presença de representantes de países estrangeiros.

Um hotel da província de Phang Nga programou uma exposição, a exibição de um documentário e várias apresentações de organismos governamentais e da ONU sobre como se preparar para um desastre.

Na mesma província, no Memorial do Tsunami de Ban Nam Khem, um parque que tem uma estátua de Buda e um muro curvo de concreto que representa uma onda, uma caminhada simbólica até o Museu do Tsunami foi programada para o dia 27 de dezembro.

O tsunami deixou vítimas em lugares tão distantes quanto a Somália, onde morreram 300 pessoas, as Maldivas, com mais de 100 mortos, ou Malásia e Mianmar, com dezenas de mortos.

Em 2004 não existia um sistema de alerta no Oceano Índico, que atualmente possui uma rede de estações de monitoramento que permite reduzir os tempos de alerta.

"É importante que todos conheçamos, divulguemos e simulemos os desastres", disse a professora indonésia Marziani, conhecida apenas por um nome, e que perdeu um filho no tsunami de 2004. "Se naquela época soubéssemos que a montanha não estava longe, poderíamos ter fugido", afirma.

Fotografia aérea tirada a 19 de novembro de 2024 mostra uma vista geral do resort Khao Lak Laguna e da costa de Khao Lan, na província de Phang Nga, no sul da Tailândia. Para os sobreviventes do tsunami de 2004, o mar pode representar tanto a beleza como a tristeza. Entre mil e mil crianças perderam pelo menos um dos pais devido ao tsunami na Tailândia, de acordo com um serviço de informação humanitária(Foto: Manan VATSYAYANA / AFP)
Foto: Manan VATSYAYANA / AFP Fotografia aérea tirada a 19 de novembro de 2024 mostra uma vista geral do resort Khao Lak Laguna e da costa de Khao Lan, na província de Phang Nga, no sul da Tailândia. Para os sobreviventes do tsunami de 2004, o mar pode representar tanto a beleza como a tristeza. Entre mil e mil crianças perderam pelo menos um dos pais devido ao tsunami na Tailândia, de acordo com um serviço de informação humanitária

 

 

O que se sabe do tsunami de 2004 no sudeste asiático

Um terremoto de magnitude 9.1 em frente ao litoral oeste da ilha indonésia de Sumatra provocou enormes ondas que atingiram a Indonésia, Sri Lanka, Tailândia e outros nove países do Oceano Índico. 

Esses são os principais pontos desse tsunami mortal. 

 

 

 

Perda e redenção: os sobreviventes do tsunami se reconciliam com o mar

Pirun Kla-Talay ficou órfão aos oito anos de idade no tsunami de 2004 no Oceano Índico. Atualmente, vive nas mesmas águas que levaram os seus pais.

Este pescador sai do distrito de Bang Wa todas as manhãs em seu barco vermelho e amarelo e vende seu pescado no mercado local no sul da Tailândia.

Para os sobreviventes do tsunami, o mar assumiu um duplo significado: beleza e dor.

“O mar me deixa triste e feliz ao mesmo tempo”, disse Pirun, hoje com 28 anos. “Ele me lembra da perda, mas também fez de mim quem eu sou”, disse ele.

Pirun Kla-Talay, que perdeu os pais Sanoh e Jam Kla-Talay no tsunami do Oceano Índico de 2004. Aqui é visto, em 19 de novembro de 2024, num cais no distrito de Bang Wa, na província de Phang Nga, na Tailândia(Foto: Manan VATSYAYANA / AFP)
Foto: Manan VATSYAYANA / AFP Pirun Kla-Talay, que perdeu os pais Sanoh e Jam Kla-Talay no tsunami do Oceano Índico de 2004. Aqui é visto, em 19 de novembro de 2024, num cais no distrito de Bang Wa, na província de Phang Nga, na Tailândia

Em 26 de dezembro de 2004, um terremoto de magnitude 9,1 — um dos mais fortes já registrados — provocou um tsunami devastador que varreu áreas inteiras da Tailândia, Indonésia, Índia, Sri Lanka e Maldivas.

Pirun estava observando pássaros quando foi interrompido por um som perturbador.

“Como um garoto da ilha, eu conhecia o som das ondas”, lembrou ele. “Mas aquilo não era normal".

Pirun correu para avisar seus vizinhos e subiu para um lugar mais alto, onde observou horrorizado a onda monstruosa engolir tudo em seu caminho.

“Achei que não sobreviveria”, disse ele.

Sua casa ficava perto da costa e seu pai e sua mãe morreram.

Depois de perder os pais, ele vivia aterrorizado com o mar e, à noite, sofria de insônia, a ponto de ser acordado pelo som das ondas.

Ele foi morar com sua tia, e a família deixou sua casa na ilha de Phra Thong para se mudar para Bang Wa, no continente, onde pôde refazer sua vida.

 

 

Pratos de peixe

Entre mil e duas mil crianças na Tailândia perderam pelo menos um dos pais no tsunami, de acordo com um serviço de informações humanitárias da ONU.

Watana Sittirachot, 32 anos, perdeu seu tio, que cuidava dele desde que seus pais se divorciaram.

Ele estava jogando videogame em um café em Ban Nam Khem quando viu à distância as águas se aproximando de seu vilarejo.

“De repente, as pessoas começaram a correr e a gritar”, lembra Watana. Ele foi levado para o abrigo do vilarejo.

O tio de Watana foi dado como desaparecido, mas seu corpo nunca foi encontrado. O menino de 12 anos que ele era na época ficou arrasado.

Acima, homem sentado em frente a um barco arrastado para o telhado de um edifício durante o tsunami de 26 de dezembro de 2004 em Banda Aceh em 15 de janeiro de 2005. Abaixo, sobrevivente do tsunami Wak Kolak de pé em frente ao mesmo barco num telhado em Banda Aceh, a 25 de novembro de 2024(Foto: Chaideer MAHYUDDIN e Jewel SAMAD / AFP)
Foto: Chaideer MAHYUDDIN e Jewel SAMAD / AFP Acima, homem sentado em frente a um barco arrastado para o telhado de um edifício durante o tsunami de 26 de dezembro de 2004 em Banda Aceh em 15 de janeiro de 2005. Abaixo, sobrevivente do tsunami Wak Kolak de pé em frente ao mesmo barco num telhado em Banda Aceh, a 25 de novembro de 2024

“Meu tio era um ótimo cozinheiro”, lembra Watana em uma conversa com a AFP. “Toda vez que como peixe, penso nele. Ele fazia as melhores receitas de peixe".

Em um momento em que ele estava lutando contra a depressão, um professor o convidou para ficar na Baan Than Nam Chai Foundation, uma instituição criada por dois assistentes sociais tailandeses para cuidar dos órfãos do tsunami.

Watana tornou-se um dos primeiros 32 residentes em 2006. Atualmente, ele é o secretário-geral da fundação, que reorientou seu foco para cuidar de mais de 90 crianças cujos pais estão vivos, mas não podem cuidar delas, algumas delas porque estão na prisão.

“Temos que seguir em frente”, ele repete. “Ninguém fica com você para sempre".

Um olhar para o futuro que Janjira Khampradit, esposa do pescador Pirun, também enfatiza.

“Conhecê-lo me ensinou a viver cada dia como se tudo pudesse acontecer a qualquer momento” e a “viver a vida ao máximo”, diz ela.

 

 

As tristes lembranças do homem que recolheu cadáveres do tsunami da Indonésia

Djafaruddin superou o trauma de recolher os corpos do tsunami mais mortal do mundo, que devastou a costa oeste da Indonésia há duas décadas, mo entanto, a dor se torna viva quando ele se lembra das crianças que ficaram órfãs.

Este morador de Banda Aceh, a cidade mais atingida pelo tsunami, entrou em sua caminhonete para transportar dezenas de pessoas mortas para um hospital próximo, ficando coberto de sangue e lama.

Djafaruddin se emociona, em 19 de novembro de 2024, ao falar durante uma entrevista na Banda Aceh. Djafaruddin diz que recuperou do trauma de recolher corpos quando o tsunami mais mortífero do mundo devastou a costa oeste da Indonésia, há duas décadas, embora ainda desmorone ao pensar nas crianças órfãs(Foto: CHAIDEER MAHYUDDIN / AFP)
Foto: CHAIDEER MAHYUDDIN / AFP Djafaruddin se emociona, em 19 de novembro de 2024, ao falar durante uma entrevista na Banda Aceh. Djafaruddin diz que recuperou do trauma de recolher corpos quando o tsunami mais mortífero do mundo devastou a costa oeste da Indonésia, há duas décadas, embora ainda desmorone ao pensar nas crianças órfãs

“Quando vi o rio com corpos por toda parte (...) gritei e chorei”, disse ele.

“Eu disse 'o que é isso, o dia do juízo final?'”, lembrou.

A imagem impressionou Djafaruddin, de 69 anos, que assumiu a missão voluntária de resgatar seus vizinhos.

“Era aqui que estavam os cadáveres, misturados à madeira levada pela correnteza”, disse ele em uma esquina perto da Grande Mesquita Baiturrahman de Banda Aceh, onde recolheu pelo menos 40 cadáveres.

“Vi crianças e as levei para fora como se estivessem vivas, mas as encontrei flácidas, sem vida”.

Foto tirada em 19 de novembro de 2024 mostra Djafaruddin perto da Grande Mesquita Baiturrahman, em Banda Aceh(Foto: CHAIDEER MAHYUDDIN / AFP)
Foto: CHAIDEER MAHYUDDIN / AFP Foto tirada em 19 de novembro de 2024 mostra Djafaruddin perto da Grande Mesquita Baiturrahman, em Banda Aceh

 

 

Choro das famílias

A Indonésia foi o país mais atingido, com mais de 160 mil mortos, embora o número real de mortos possa ter sido maior porque muitos corpos nunca foram recuperados ou identificados.

“Vimos pais e mães chorando, procurando por suas esposas, procurando por seus maridos, procurando por seus filhos”, lembrou ele.

Djafaruddin, que trabalhava em uma agência de transportes na época, estava em casa quando as ondas de mais de 30 metros atingiram a cidade.

A estrada estava cheia de pessoas fugindo, mas ele preferiu correr para o local do desastre.

Seu filho voltou do centro da cidade gritando “a água está subindo”, mas ele disse à família para não se mover, sabendo que a água não chegaria à sua casa, localizada a 5 km da costa.

Ele entrou em sua caminhonete e rapidamente a encheu de cadáveres.

“Foi espontâneo. Ocorreu-me que deveríamos ajudar”, disse ele.

Ele foi um dos primeiros a chegar ao hospital militar da cidade com as vítimas do tsunami.

Mais tarde, os militares indonésios e a Cruz Vermelha se juntaram a ele para fazer viagens de ida e volta ao hospital.

Quando, exausto, ele fez uma última parada no hospital à noite, depois de resgatar corpos durante todo o dia, os profissionais de saúde lhe ofereceram pão e água.

“Como nossos corpos estavam cobertos de sangue e lama, eles nos alimentaram”, disse ele.

 

 

"Gritando à noite"

Durante anos, ele sofreu o trauma da tragédia, embora sinta que tenha se recuperado após duas décadas porque “muito tempo se passou”.

No entanto, ele desmoronou ao lembrar das crianças gritando por seus pais.

Acima, mesquita Rahmatullah em Lhoknga, província de Aceh, em 14 de janeiro de 2005, no meio da destruição após o tsunami de 26 de dezembro de 2004. Abaixo, a mesma mesquita em 27 de novembro de 2024(Foto: Chaideer MAHYUDDIN e Joël SAGET / AFP)
Foto: Chaideer MAHYUDDIN e Joël SAGET / AFP Acima, mesquita Rahmatullah em Lhoknga, província de Aceh, em 14 de janeiro de 2005, no meio da destruição após o tsunami de 26 de dezembro de 2004. Abaixo, a mesma mesquita em 27 de novembro de 2024

O voluntário e sua família acolheram dezenas de crianças que fugiram das enchentes, muitas delas traumatizadas pelo desastre.

“Foi muito triste, nós os vimos gritando à noite, chamando por seus pais”, disse Djafaruddin, soluçando.

As crianças foram então transferidas para centros de evacuação na cidade.

Atualmente, ele é chefe de um vilarejo em Banda Aceh, um cargo que ele descreve como um “serviço para o povo”.

Ele acredita que o desastre foi um “aviso” de Deus após décadas de conflito separatista com o governo indonésio, que foi resolvido após a tragédia.

Ao passar pelo local onde recolheu os corpos há 20 anos, ele diz que se lembra dos esforços do dia.

Olhando para o chão, ele orou pelas vítimas das ondas.

“Ó Alá, meu Deus”, disse ele. “Dê-lhes o céu.

O que você achou desse conteúdo?