Apertem os cintos: Donald Trump retorna à Casa Branca para uma segunda presidência que promete ser ainda mais volátil e imprevisível do que os altos e baixos de seu primeiro governo.
O republicano bilionário mostra poucos sinais de mudança em seu estilo incendiário. Antes de voltar ao Salão Oval, ele já falou sobre uma nova "era de ouro" com votos de retaliação contra seus inimigos e promessas de deportações em massa.
Trump também soou alarmes ao redor do mundo mais uma vez, ao emitir ameaças territoriais absurdas contra aliados dos Estados Unidos e alimentar temores de que negligenciará a Ucrânia para alcançar um acordo de paz com a Rússia.
"Se você gostou do Trump Um, você vai amar o Trump Dois"
"Se você gostou do Trump Um, você vai amar o Trump Dois", disse Peter Loge, diretor da Escola de Mídia e Relações Públicas da Universidade George Washington.
Apesar de todas as conversas anteriores sobre um Trump mais disciplinado, o homem de 78 anos que tomará posse em 20 de janeiro parece, de muitas maneiras, ser a mesma figura instável da última vez.
As semanas desde sua vitória eleitoral trouxeram o retorno das publicações nas redes sociais tarde da noite, das coletivas de imprensa desconexas, da retórica sombria e dos pronunciamentos confusos sobre política externa.
"A personalidade de Trump é fundamentalmente a mesma", disse David Greenberg, professor de história e jornalismo na Universidade Rutgers. "Acho que o que podemos esperar ver é mais do inesperado", acrescentou.
O impressionante retorno político de Trump poderia produzir uma presidência mais extrema, até mesmo de estilo imperial. Muitas das ressalvas em torno do 'outsider' de 2016 foram substituídas por apoiadores obstinados do "Maga" (Make America Great Again, seu slogan).
O Partido Republicano o apoia de uma forma que não fazia quatro anos atrás. A Câmara de Representantes e o Senado dos EUA estão ambos nas mãos dos republicanos — embora com uma pequena maioria na Câmara.
"O trumpismo é o Partido Republicano hoje", disse Jon Rogowski, da Universidade de Chicago, acrescentando que Trump agora é "mais palatável para uma gama mais ampla do espectro político".
Enquanto os críticos alertam para os traços autoritários — uma "ameaça à democracia", nas palavras do presidente em fim de mandato, Joe Biden —, Trump se tornou, de muitas maneiras, o "novo normal" dos Estados Unidos.
O homem mais rico do mundo, Elon Musk, está ao seu lado. Magnatas, incluindo Mark Zuckerberg, da Meta, e Jeff Bezos, da Amazon, o cortejam. Enquanto isso, os críticos democratas foram silenciados.
Pouco se fala, por enquanto, sobre como Trump deixou o cargo em desgraça depois que seus apoiadores, que rejeitaram a eleição de Biden, atacaram o Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021. O fato de que ele será o primeiro criminoso condenado a ser presidente mal parece ter ressoado.
"Todo mundo quer ser meu amigo", disse o presidente eleito em dezembro.
Trump também começará com pressa, sabendo que está limitado a mais quatro anos — mesmo que tenha pensado em um terceiro mandato, o que violaria a Constituição. Espera-se que ele assine cerca de 100 ações executivas em suas primeiras horas como presidente em 20 de janeiro, possivelmente incluindo perdões para alguns dos manifestantes dos atos de 6 de janeiro de 2021.
Os primeiros 100 dias de Trump provavelmente se concentrarão na imigração e na economia, os pontos fortes de sua campanha eleitoral. Há burburinhos de promessas de lealdade aos servidores públicos, enquanto Musk liderará esforços para dizimar o governo federal. Trump também escolheu um gabinete inflexível e controverso, incluindo o cético em relação às vacinas Robert F. Kennedy Jr. para o cargo de secretário da Saúde.
No cenário mundial, Trump está mais provocador do que nunca. Ele se recusou a descartar uma ação militar para tomar à força a estratégica Groenlândia e o Panamá, enquanto ameaça o Canadá e o México com tarifas altas.
Por outro lado, o republicano diz que deseja manter conversas com os líderes da Rússia e da China, por quem há muito tempo expressa aberta admiração. Sobre o clima, ele parece pronto para retirar Washington dos acordos globais mais uma vez.
A questão é o quão seriamente as ameaças de Trump devem ser levadas.
"Uma metáfora muito boa para o presidente Trump é a luta livre profissional", disse Loge. "As pessoas se machucam, mas o ponto não é o esporte, o ponto é o espetáculo". Desta vez, o mundo pode estar mais preparado para lidar com ele, acrescentou.
"No primeiro governo Trump, as pessoas respondiam ao espetáculo. Desta vez, podemos estar respondendo mais ao esporte".
Donald Trump ainda não retornou à Casa Branca mas já sacudiu o cenário internacional, abalando mais uma vez as sutilezas diplomáticas. Como o ex-presidente eleito para um mandato não consecutivo, Trump é pelo menos alguém conhecido pelos líderes mundiais. Até mesmo seu comportamento imprevisível agora é previsível.
No entanto, Trump deixou claro em pouco tempo que ainda é capaz de surpreender com suas declarações, algo que desconcerta seus aliados e agrada seus apoiadores, que veem nesse tom uma forma de forçar resultados.
Trump fez piada com o Canadá, membro da Otan, vizinho e aliado de longa data, sugerindo que o país deveria se tornar o 51º estado americano ou pagar taxas, seu método favorito de pressão, que usa tanto contra amigos quanto contra inimigos.
Em entrevista recente à ABC News, quando perguntado se Trump estava falando sério sobre suas ameaças, Mike Waltz, seu novo assessor de segurança nacional, disse: "O que ele leva muito a sério são as ameaças contra nós".
Waltz destacou a influência das empresas chinesas no Canal do Panamá e o poder russo no Ártico para dizer que Trump "sempre deixará todas as opções na mesa", ao contrário de Biden.
O presidente em final de mandato Joe Biden declarou "a América está de volta" quando derrotou Trump em 2020, e não se arrependeu de sua posição em um discurso de despedida na segunda-feira no Departamento de Estado, onde insistiu que o país agora está mais forte do que seus concorrentes.
O secretário de Estado, Antony Blinken, ao apresentar Biden, disse que o presidente o encarregou de reconstruir alianças americanas, "cruciais" para "fazer a diferença".
Robert Benson, analista político do 'Center for American Progress' (Centro para o Progresso Americano), de tendência esquerdista, disse que Trump estava certo "em identificar a ameaça representada por uma Rússia revanchista e uma China expansionista".
"Mas está completamente errado na forma como afastou nossos parceiros e aliados, pressionando os europeus, em particular, a se distanciarem dos Estados Unidos", disse.
O estilo de Trump contrariou as transições presidenciais típicas, nas quais o novo governo espera até a posse para fazer movimentos políticos. Em uma cena sem precedentes na história recente dos Estados Unidos, o emir do Catar — mediador fundamental na negociação de um cessar-fogo em Gaza — reuniu-se com o enviado de Trump para o Oriente Médio e o responsável pelo Oriente Médio da Casa Branca de Biden.
Apesar do estilo muitas vezes pouco ortodoxo e bombástico de Trump, também há sinais de que ele adotará uma abordagem mais tradicional em outras áreas. Waltz, um veterano do Afeganistão e congressista, e o senador Marco Rubio, seu indicado para secretário de Estado, são considerados parte da corrente principal do Partido Republicano.
Eles defendem uma abordagem focada na segurança, e espera-se que Rubio se concentre mais em se contrapor aos esquerdistas na América Latina.
Durante sua campanha, Trump se gabou de que poderia acabar com a guerra na Ucrânia em um dia, possivelmente se aproveitando da ajuda americana para forçar Kiev — que recebeu bilhões de dólares em armas durante o governo Biden — a fazer concessões territoriais à Rússia.
Mas Trump nomeou um respeitado tenente-general aposentado, Keith Kellogg, como enviado à Ucrânia, e Waltz inicialmente falou em fortalecer a Ucrânia para que tenha uma melhor posição de negociação. Waltz disse que a presença de Trump já representa uma vitória por reavivar as perspectivas da diplomacia em um conflito "estagnado em triturar pessoas e recursos no estilo da Primeira Guerra Mundial, com consequências de uma Terceira Guerra Mundial".
Em uma visita recente de parlamentares europeus a Washington, Lia Quartapelle, presidente do comitê de relações exteriores da Itália, disse que esperava uma "discussão muito tensa" com os republicanos sobre a Ucrânia.
"Não foi o que encontramos", explicou Quartapelle. "Encontramos uma ideia clara de quais são os interesses dos Estados Unidos, mas também uma disposição para discutir as coisas, começando pela manutenção do apoio à Ucrânia. Isso nos surpreendeu."
Para Donald Trump, "o Dia da Libertação nos Estados Unidos" será em 20 de janeiro, quando assumirá o cargo de presidente para cumprir suas promessas: deportar migrantes, excluir militares transgêneros e impor tarifas alfandegárias. Este programa provocaria uma convulsão sem precedentes nos Estados Unidos e no mundo.
Da DW
Enquanto os europeus estão preocupados com o retorno de Donald Trump à Casa Branca, cidadãos de outras partes do mundo demonstram maior otimismo em relação ao segundo mandato do republicano.
Uma pesquisa realizada pelo Conselho Europeu de Relações Exteriores em 24 países, incluindo Brasil, Índia, China e Turquia, revelou que uma parcela significativa dos entrevistados disse esperar que Trump seja bom para seus países e para a paz no mundo.
O clima mais otimista foi registrado na nação mais populosa do mundo, a Índia, onde mais de 80% dos participantes enxergam de maneira positiva o retorno de Trump. Em comparação, a recepção foi bem menos acolhedora nas 11 nações da União Europeia (UE) pesquisadas, assim como no Reino Unido e Coreia do Sul, aliados de longa data dos EUA, onde a maioria dos entrevistados espera que o governo do republicano seja ruim para a Europa e para a paz global.
Apenas 24% no Reino Unido, 31% na Coreia do Sul e 34% na UE acreditam que o retorno de Trump poderá facilitar a resolução do conflito na Ucrânia, e ainda menos pessoas (16% no Reino Unido, 25% na UE e 19% na Coreia do Sul) acham que ele poderá contribuir para a paz Oriente Médio.
Em uma análise mais abrangente, apenas uma em cada cinco pessoas da UE afirma enxergar atualmente os EUA como um aliado. Este total representa uma queda significativa em relação ao cenário de dois anos atrás (31%) e contrasta com a proporção de cidadãos americanos que consideram a UE como um aliado (45%).
De modo geral, o próximo governo americano é bem avaliado nos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia e Irã) e na Turquia.
A percepção positiva sobre o novo mandato de Trump nos países de fora da Europa ocorre apesar de suas ameaças de impor tarifas sobre as importações de vários produtos, o que poderá abalar a economia global.
Trump, que tomará posse nesta segunda-feira, 20 de janeiro, prometeu pôr um fim rápido à guerra na Ucrânia, quase três anos após a invasão em larga escala da Rússia. Apesar dos temores de que o novo líder dos EUA poderia forçar Kiev a aceitar um acordo ruim para os ucranianos, 33% dos entrevistados na Ucrânia avaliam que a eleição de Trump é boa para a paz mundial, em comparação com 18% que a consideram ruim.
Em países como Brasil, Índia, China e Turquia, a maioria dos entrevistados avalia que o retorno de Trump é bom para a paz no mundo, para os seus países e para os cidadãos americanos.
"Quando Donald Trump retornar à Casa Branca, grande parte do mundo o receberá bem", escreveram os autores da pesquisa intitulada Sozinha num mundo 'trumpiano': a UE e a opinião pública global após as eleições nos EUA, realizada em conjunto com o projeto de pesquisa Europa em um Mundo em Transformação da Universidade de Oxford e com a Fundação Calouste Gulbenkian, sediada em Portugal.
"Na Europa, a ansiedade é generalizada, mas as pessoas em muitos outros países se sentem relaxadas ou ativamente positivas sobre o segundo mandato de Trump", concluíram os autores. UE em pé de igualdade com EUA e China Fora da Europa, muitos veem a UE como uma potência comparável aos Estados Unidos e à China e preveem o crescimento da influência do bloco europeu na próxima década.
A UE é também amplamente vista pelos entrevistados como um "aliado" ou "parceiro necessário", sobretudo na Ucrânia e nos Estados Unidos, opinião contrariada apenas pelos russos.
Especialistas em política externa e autores do estudo, Mark Leonard, Ivan Krastev e Timothy Garton Ash avaliam, no entanto, que os líderes europeus poderão ter dificuldades em se unir em uma resistência comum ao presidente eleito dos EUA.
"Nos últimos dois anos, com o governo de Biden lado a lado com a Europa na invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia, ainda era possível falar de um Ocidente unido em política externa."
No entanto, com o retorno de Trump, "as divisões não ocorrerão apenas entre os EUA e a Europa, mas também dentro da própria UE", afirmam os autores.
A pesquisa envolveu pouco mais de 28,5 mil pessoas nos 24 países e foi realizada em novembro do ano passado após a vitória eleitoral de Trump.
Os 11 Estados-membros da UE onde a pesquisa foi realizadas foram Alemanha, França, Itália, Polônia, Portugal, Espanha, Dinamarca, Estônia, Romênia, Bulgária e Hungria. Os demais países foram a China, Reino Unido, Ucrânia, Índia, Turquia, Rússia, EUA, Brasil, Arábia Saudita, África do Sul, Indonésia, Coreia do Sul e Suíça.
Da AFP
Donald Trump ameaçou retomar o controle do Canal do Panamá, recordou o antigo desejo de comprar a Groenlândia e fez piada sobre a anexação do Canadá aos Estados Unidos. Palavras que o resto do mundo se pergunta se são apenas uma provocação ou se o presidente eleito está falando sério.
O magnata não parece preocupado por desafiar a soberania de alguns aliados de Washington. Muito pelo contrário. Menos de quatro semanas antes de retornar à presidência, Trump volta a provocar dores de cabeça com seu empenho para mostrar-se como "perturbador em chefe" das relações internacionais.
Os comentários recentes aumentaram os temores de que em seu segundo mandato ele será mais duro com os amigos tradicionais dos Estados Unidos do que com os países inimigos, como a Rússia. Mas também há suspeitas de que o magnata busca apenas emanar uma imagem de líder duro em casa e no exterior.
"É difícil saber o quanto disso ele realmente quer", afirmou Frank Sesno, professor da Universidade George Washington e ex-correspondente na Casa Branca. "Ele coloca os outros líderes na posição de ter que descobrir o que é literal e o que não é", acrescenta.
Trump mencionou durante seu primeiro mandato (2017-2021) a ideia de comprar a Groenlândia devido à importância estratégica da ilha, que pertence à Dinamarca, mas que tem um governo autônomo com amplos poderes.
O magnata voltou a citar a possibilidade em dezembro, quando nomeou seu embaixador na Dinamarca e afirmou que "a propriedade e o controle da Groenlândia são uma necessidade absoluta" para a segurança nacional americana.
Como já havia declarado há cinco anos, o primeiro-ministro da Groenlândia, Mute Egede, declarou que a ilha, rica em recursos naturais, "não está à venda".
Além de alguns desejos antigos, Trump já mencionou novas ideias, como a de Washington recuperar o controle do Canal do Panamá. O republicano considera que os navios americanos pagam taxas exorbitantes pelo uso da passagem que liga os oceanos Pacífico e Atlântico.
O presidente eleito alertou no sábado que, se o governo do Panamá não remediar a situação, exigirá que o canal "seja devolvido aos Estados Unidos da América, em sua totalidade e sem questionamentos".
Trump também citou uma suposta influência da China no canal, construído pelos Estados Unidos no início do século XX. Washington conseguiu a passagem de sua inauguração, em 1914, até 1999, quando a cedeu ao Panamá com base em acordo assinado 22 anos antes.
O presidente do país da América Central, José Raúl Mulino, disse que "cada metro quadrado" do canal permanecerá sob controle panamenho. "Veremos", respondeu o republicano.
Outra nova provocação de Trump envolve o Canadá. O presidente considerou recentemente "uma grande ideia" que o país vizinho se tornasse o 51º estado dos Estados Unidos. Ele proferiu a frase pouco depois de ameaçar Ottawa e o México, ambos membros ao lado de Washington do tratado de livre comércio USMCA, com a imposição de tarifas sobre as importações procedentes dos dois países.
Sesno disse que é difícil para outros países saber como lidar com os comentários de Trump. "Está claro que é uma piada. Ou não é?", pergunta. "Imagine que você é o presidente do Panamá, como deve reagir a algo assim? Você não pode ignorar e seu país não permitirá que ignore. Então, o efeito dominó dos comentários é enorme".
A política de linha dura de Trump com os aliados contrasta com os elogios a líderes de países inimigos, como o russo Vladimir Putin.
É possível que a retórica tenha outro propósito. Quando fala de comprar a Groenlândia, "pode ser que a mensagem seja para a China", opina Stephanie Pezard, cientista política sênior da Rand Corporation.
Assim como Trump expressou preocupação com a influência de Pequim sobre o Panamá, a presença cada vez maior da China no Ártico e seus laços com a Rússia são "algo que realmente preocupam os Estados Unidos", explica Pezard.
Sua postura sobre a ilha do Ártico pode ser um alerta aos governos da Dinamarca e da Groenlândia: "Se você for muito amigável com a China, nos encontrará em seu caminho".
E talvez Trump tenha consciência da realidade. A compra da Groenlândia não apenas seria contrária ao direito internacional, mas esbarraria de frente com "a ordem global que os Estados Unidos tentaram manter" durante décadas, explica Pezard.
Apreensivos e em uma espécie de limbo, centenas de migrantes retidos na cidade mexicana de Tapachula (Chiapas, sul) esperam continuar sua jornada aos Estados Unidos a menos de uma semana do retorno de Donald Trump à Casa Branca.
Vários já têm data marcada para solicitar asilo nos EUA, mas precisam de uma permissão para transitar pelo México até a fronteira norte, um processo que precisam concluir nos escritórios migratórios superlotados em Tapachula (fronteira com a Guatemala).
É uma corrida contra o tempo, pois o presidente eleito promete eliminar o aplicativo móvel CBP One, no qual os agendamentos são solicitados. Para o republicano, esta ferramenta incentiva o tráfico de migrantes para seu país.
A venezuelana Dayana Hernández tem uma entrevista marcada para 29 de janeiro, nove dias após a posse de Trump. "Estamos totalmente preocupados porque muitas coisas são ditas, e não é segredo para ninguém que quando Donald Trump diz essas coisas, ele as cumpre", disse a mulher de 36 anos, que espera um salvo-conduto das autoridades mexicanas para evitar a deportação.
O magnata assumirá o cargo na próxima segunda-feira, 20, para um mandato de quatro anos com a promessa de deter a "invasão" de migrantes e usar o exército americano para realizar a maior deportação de pessoas em situação irregular da história dos Estados Unidos.
Hernandez pede ao republicano que mantenha a possibilidade que ela tem agora de ir para os EUA como requerente de asilo. "Por favor, deixe-nos passar, porque assim como existem pessoas ruins, existem pessoas boas que querem trabalhar", afirma.
Com o agendamento para o pedido de asilo em mãos, centenas de migrantes aguardam do lado de fora de um escritório de migração em Tapachula pelo salvo-conduto que permitirá que continuem sua jornada. Muitos têm audiências dias após a posse de Trump ou até mesmo no próprio dia 20 de janeiro, e buscam este documento com urgência.
Outros, desesperados por não conseguir um agendamento no CBP One e temendo a insegurança e a extorsão de criminosos e autoridades, optaram por juntar-se às caravanas de migrantes que deixaram Tapachula nas últimas semanas.
Yusmelis Villalobos, uma venezuelana de 47 anos que tem uma entrevista marcada para 23 de janeiro, vê uma situação desesperadora.
Os migrantes "perguntam-se o que vai acontecer com eles. Se depois do dia 20 eles terão uma chance. Há uma espécie de desesperança", diz a mulher que está esperando por uma permissão de trânsito.
O governo do presidente em fim de mandato, Joe Biden, introduziu o CBP One em janeiro de 2023 para organizar o fluxo migratório para os EUA e reduzir a possibilidade de traficantes explorarem os migrantes.
Embora a solicitação não garanta que estas pessoas consigam se estabelecer em solo americano, ela permite que elas obtenham uma permissão de trabalho enquanto prosseguem com seu processo de asilo.
De acordo com o governo Biden, houve 2,1 milhões de encontros na fronteira sul dos EUA no ano fiscal que terminou em setembro, abaixo dos quase 2,5 milhões do período anterior, uma queda que os especialistas associam ao CBP One.
Com agendamento marcado para 23 de janeiro, Anaís Rojas, uma venezuelana de 20 anos que está viajando com seu filho pequeno, reconhece sua preocupação. "Vimos que a audiência estava marcada (para o dia 23), ainda com a incerteza de que não sabemos (o que vai acontecer). Estaremos na fronteira no dia 20, então vamos ver", diz ela, que tenta chegar à cidade de Tijuana.
Apesar disso, a mulher está confiante de que a economia americana se recuperará com Trump e que isso acabará jogando a seu favor. "Há um motivo pelo qual ele ganhou, pelo qual a maioria o elegeu e isso nos beneficia como migrantes, porque estamos indo para lá. Se a economia estiver melhor, isso também nos beneficiará", diz ela.
Thomas Kohlmann, da DW
O ano de 2025 começa em meio a um cenário de pressão sobre as economias nacionais. Enquanto governos recém-eleitos assumem a gestão federal em dezenas de países, os blocos econômicos tentam contornar os desafios da inflação e das crises migratórias ocasionadas pelas guerras em diversas partes do mundo. Nos Estados Unidos, o futuro governo do republicano Donald Trump promete pressionar acordos comerciais até então consolidados e a imprevisibilidade imposta por ele deve influenciar a economia mundial em 2025.
Laura Kabelka, Annika Sost, da DW em Washington
Nos Estados Unidos, o jargão do mundo corporativo "diversidade, equidade e inclusão" (DEI) virou algo tão polarizador que grandes corporações como Meta, McDonald's, Walmart, Boeing e Ford começaram a rever suas políticas nessa seara. Para especialistas, isso não necessariamente quer dizer que as empresas já não se importem mais com o tema, mas é um sinal de que elas estão repensando estratégias para se manter livre de encrencas.
O recuo vem após o aumento de processos judiciais e de campanhas online de conservadores que alegam sofrer discriminação reversa — e parece ter ganhado força após a vitória eleitoral de Donald Trump.
"Cada líder corporativo agora lida com o fato de que DEI em 2025 vai ser algo muito mais controverso, vai ser um risco, e isso é algo que eles terão que gerenciar", diz a estrategista em DEI Lily Zheng.
O conceito de DEI floresceu por todo o país nas últimas décadas — principalmente desde os protestos Black Lives Matter ("Vidas Negras Importam"), surgidos na esteira do assassinato de George Floyd por policiais em 2020. Muitas companhias implementaram treinamentos para identificar vieses discriminatórios e programas de mentoria para incentivar grupos sub-representados. Também passaram a considerar critérios de diversidade na hora de contratar ou promover funcionários.
Políticas como essas visam não só a criar ambientes de trabalho como também ambientes institucionais e de aprendizado mais justos. Ao encorajar a representação e a participação de pessoas de diferentes gêneros, raças, habilidades, orientações sexuais, dentre outros marcadores de identidade, espera-se identificar e remediar desigualdades e discriminação sistêmica.
É sobre "criar um campo de jogo nivelado para todo mundo", resume David Glasgow, diretor-executivo do Meltzer Center para Diversidade, Inclusão e Pertencimento da Universidade de New York (NYU).
Ele explica que as políticas de DEI não são só uma questão moral, mas também de mercado: estudos mostram que priorizar a diversidade de talentos leva a mais inovação e criatividade, além de ajudar empresas a se conectar com uma base de consumidores mais plural.
Mas o DEI está longe de ser um consenso nas instituições e no ambiente corporativo. Glasgow afirma que o número de processos contra ações afirmativas cresceu significativamente desde que uma decisão da Suprema Corte em junho de 2023 classificou como ilegais as seleções no ensino superior baseadas em critérios raciais. A decisão acabou impactando também outros setores.
Ativistas contrários às políticas de DEI não se cansam de atacá-las. Em novembro de 2024, um desses ativistas, Robby Starbuck, chegou até mesmo a atribuir o encerramento do programa de DEI do Walmart à sua militância.
Outro desses ativistas é Stephen Miller, ex-conselheiro em política externa que volta à Casa Branca como nomeado por Trump. Miller já processou a Meta e a Amazon, alegando que as políticas de diversidade dessas empresas discriminam brancos.
Algumas dessas ações judiciais surtiram efeito. Em setembro, o Fearless Fund, iniciativa de apoio a empreendimentos tocados por grupos marginalizados, anunciou que fecharia permanentemente seu programa de bolsas para mulheres negras como parte de um acordo com um grupo de conservadores liderados pelo ativista Edward Blum.
Eles alegavam que o programa violava a Lei de Direitos Civis de 1866 por supostamente discriminar pessoas com base em critérios raciais. Quando Trump assumir a Presidência dos EUA em 20 de janeiro, processos do tipo podem ganhar ainda mais tração, afirma Glasgow.
"Ele vai indicar mais juízes com interpretações conservadoras da lei antidiscriminação. Então, alguns dos processos que estamos monitorando, eu espero que tenham um desfecho anti-DEI."
Glasgow diz entender algumas críticas às políticas de DEI, como as feitas contra as abordagens de teor mais acusatório, ou que não são consistentes nem efetivas. "Mas acho que há uma ofensiva mais ampla contra o progresso em questões de justiça social", pondera.
O maior empregador do livre mercado americano, a rede varejista Walmart, não respondeu à DW por que decidiu encerrar um programa de talentos que visava aumentar a diversidade racial e promover a equidade dentro da empresa. Outra grande companhia que desistiu dessas práticas disse que não comentaria o assunto por causa da má repercussão.
Ao anunciar o fim de seus programas de diversidade, a Meta – empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – justificou a decisão alegando mudanças no "cenário legal e político em torno dos esforços de diversidade, inclusão e equidade nos Estados Unidos".
Zheng, que é estrategista em DEI, acha que alguns empresários ficaram assustados com um ambiente corporativo mais cheio de riscos. Para ela, eles temem que estejam "tomando decisões que infelizmente terão um impacto provavelmente grande sobre sua imagem, sua reputação, sua capacidade de reter funcionários, sua moral".
Por ora, a grande maioria do mundo corporativo americano ainda mantém políticas de DEI, segundo um estudo do centro de pesquisas de mercado The Conference Board, uma entidade sem fins lucrativos.
Oito em cada 10 empresas ouvidas disseram ainda planejar manter ou expandir essas políticas pelos próximos três anos. Zheng se mantém otimista. Ela acha que mesmo as empresas que estão revendo essas políticas e alardeando menos seus compromissos ainda podem manter seus valores. "Talvez eles agora chamem isso [DEI] de 'pertencimento'. Talvez estejam focando em justiça. De qualquer forma, boa parte desses compromissos já existentes não parece estar mudando", afirma.
E de fato, semanas depois de Trump ganhar as eleições, o Walmart atualizou seu site e rebatizou de "pertencimento" uma seção antes intitulada "pertencimento, diversidade, equidade e inclusão". Indagado sobre as mudanças de estratégia do Walmart e de outras grandes empresas, Glasgow diz não achar que a mensagem passada seja de que eles "não se importam mais em ter um ambiente de trabalho diverso", e sim que não adotarão mais "certos tipos de programas de DEI".
Mas Zheng aponta que a falta de metas claras de DEI "pode levar a menos investimentos" na área e maior desprestígio dessas políticas perante a opinião pública.