Saúde. Do latim salutem. Substantivo feminino que define o estado do organismo com funções fisiológicas regulares e com características estruturais normais e estáveis.
Além de verbete, é o desejo de todos e um direito constitucionalmente garantido. Qualquer cidadão no Brasil é, em teoria, abraçado pela Lei n.º 8.080/90, que estabelece que é dever do Estado fornecer, gratuitamente, medicamentos necessários para o tratamento das doenças.
Mas entre a letra da lei e a prática, por vezes, há um abismo. Muitas doenças requerem medicamentos de alto custo, e é inviável para a saúde pública fornecê-los na frequência necessária aos pacientes.
Dados da Controladoria Geral da União (CGU) apontam que, só em 2024, o Sistema Único de Saúde despendeu mais de R$ 4,8 bilhões com o Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (Ceaf), estratégia de acesso a medicamentos que inclui aqueles de alto impacto financeiro.
Hoje, o Ceaf abrange 174 medicamentos em 335 apresentações farmacêuticas, indicados para o tratamento das diferentes fases evolutivas das doenças contempladas.
Os fármacos são divididos por grupos, sendo o Grupo 1 o que comporta todas as medicações de alto custo. Esse rol é composto, atualmente, por 115 medicamentos, sendo que destes, os 84 mais caros são adquiridos diretamente pelo Ministério da Saúde.
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Diante dessa situação, pedir medicamentos na justiça pode ser a única saída para quem não tem condições de arcar com tratamentos de alto custo, ou para quem deposita as últimas esperanças em drogas experimentais.
Seja qual for o caso, até que o tratamento comece, há pessoas que enfrentam uma verdadeira batalha em busca da cura, permeada por demora e burocracias no atendimento e um vai e volta
Com a publicação da Súmula Vinculante n° 60, municípios de todo o Brasil passam a contar com uma importante regulamentação que visa a reequilibrar as responsabilidades no atendimento às demandas judiciais.
A súmula determina que a análise, o pedido administrativo de medicamentos na rede pública de saúde, a judicialização de casos e seus desdobramentos devem seguir três acordos interfederativos previamente homologados pelo STF.
A decisão pretende pôr fim a uma situação crítica: o crescimento descontrolado de judicializações que pressionam os orçamentos municipais.
É comum acreditar que problemas graves de saúde são algo distante. Imagine, então, ter a vida revirada de ponta cabeça durante um exame de rotina. Ao entrar no consultório, o olhar do médico já indica que uma má notícia estava por vir.
O diagnóstico causa um choque: uma doença rara, com um nome difícil de pronunciar. E o pior vem logo em seguida — o único tratamento disponível custa milhões de reais.
Foi o que aconteceu com o fortalezense Antonne, de 8 anos, diagnosticado com Distrofia Muscular de Duchanne (DMD). O diagnóstico veio depois da criança sofrer uma queda, e precisar de uma consulta de emergência no Hospital Infantil Albert Sabin.
Até então, a dificuldade em manter o equilíbrio e permanecer longos períodos em pé ou em movimento foi notada pela família e pela escola, mas o diagnóstico só foi fechado depois de uma bateria de exames. Hoje, as melhores chances da síndrome estagnar e dar Antonne uma chance de manter seus movimentos é a terapia genética Elevidys, avaliada em aproximadamente R$ 20 milhões.
A doença, que afeta mais meninos que meninas, pode ser um mistério para muitas pessoas e ter um fim trágico para outras. Sem os cuidados paliativos, cerca de 75% dos pacientes com a síndrome morrem até os 20 anos.
Para a mãe, Karoline Alves, tão assustador quanto o prognóstico é a morosidade dos processos. "A aprovação da Anvisa foi para pacientes que ainda andam e têm até 7 anos, mas isso exclui muitas famílias que têm filhos mais velhos e que ainda conservam as funções motoras", relata.
"Quando tivemos o diagnóstico e fomos atrás da Defensoria Pública para requerer o tratamento ele ainda estava na idade, mas o Antonne completou 8 anos no dia 25 de janeiro e o processo ainda vai ser analisado e precisa de mais um laudo do médico, sendo que o próximo retorno é no próximo dia 12 de fevereiro", diz o professor de caratê Alexandre Rosa, pai de Antonne.
Atualmente, Antonne toma uma dose diária de corticoides, que além de não serem ofertados pela assistência farmacêutica do SUS, podem causar uma série de efeitos adversos, que incluem cansaço excessivo, dores de cabeça, vertigens e aumento de peso, por exemplo. Para preservar as funções motoras, a família também é acompanhada pelo Hospital Sarah, no bairro Passaré.
A família, no entanto, mantém a esperança de conseguir uma dose do Elevidys. A terapia funciona utilizando um vetor viral para transportar um gene humano que codifica a microdistrofina, com o objetivo de substituir a
Esse tratamento visa a restaurar, ainda que de forma parcial, a função muscular em pacientes pediátricos e barrar a progressão da doença. O medicamento é administrado em uma única dose intravenosa, com a quantidade ajustada de acordo com o peso da criança.
A via de ação e método de dosagem e aplicação encarecem ainda mais o tratamento, como explica Karoline, tornando praticamente impossível mantê-lo em estoque.
"É caro, sim, mas qual o custo de uma vida? Certamente se os técnicos do Ministério da Saúde tivessem um filho, um familiar que precisasse do medicamento, não mediriam esforços", diz a mãe.
Outra família que enfrenta uma batalha similar é da goiana Anny Tereza Moscôso, diagnosticada com atrofia muscular espinhal (AME). A criança de dois anos passou a receber o medicamento "Onasemnogene abeparvoveque", vendido sob a marca Zolgensma.
A medicação, aprovada para crianças menores de dois anos em 2019 e incorporada ao SUS em 2022 é considerada uma das mais caras do mundo. A família da menina reivindicou na Justiça que a União custeasse o tratamento, que custa em torno de R$ 7 milhões.
O preço é, em grande parte, também justificado pelo uso de engenharia genética. Para funcionar, ele age diretamente em neurônios motores, que precisam de uma proteína chamada SMN (proteína de sobrevivência do neurônio motor) como “alimento”. Sem quantidade adequada da proteína SMN, os neurônios motores morrem.
Como são eles os responsáveis pelo controle da atividade muscular, a sua morte leva à fraqueza muscular e à perda progressiva dos movimentos, até a paralisia. O mecanismo de ação do Zongelsma insere uma cópia do gene humano responsável pela proteína SMN.
"Uma aplicação única do produto pode melhorar a sobrevivência dos pacientes, reduzir a necessidade de ventilação permanente para respirar e alcançar marcos de desenvolvimento motores”, diz o texto da Anvisa que liberou a medicação para Anny.
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Até a mudança no entendimento do STF, situações como a da família de Anny e Antonne eram o ponto de partida de uma série de processos judiciais que buscam o cumprimento de um direito já reconhecido, mas negado na via administrativa.
Essas ações correspondem às demandas de medicamentos, tratamentos ou tecnologias já incorporadas ao SUS ou aos planos de saúde.
A segunda situação ocorre quando a discussão jurídica gira em torno de direitos não reconhecidos, como em tratamentos ou tecnologias sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou sem comercialização no mercado nacional.
Do ponto de vista jurídico e dos processos que envolvem a aprovação do uso de medicamentos no Brasil, não há o que se contestar. Mas como explicar para uma criança que ela, em breve, não poderá mais jogar futebol ou andar de bicicleta?
E há, ainda, outro grau de delicadeza: juízes dependem de relatórios médicos muito bem fundamentados para emitir as decisões. Mas como eles podem julgar se o fundamento está bem sustentando se não possuem o conhecimento técnico?
Para tentar driblar a lentidão da justiça, muitas famílias fazem o mesmo que Alexandre e Karoline: começam uma campanha virtual de arrecadação de fundos.
"São milhões de reais envolvidos no tratamento, mas se o SUS incluísse a DMD na lista de doenças que o teste do pezinho detecta, o que é perfeitamente possível, o aumento no custo desse exame seria de apenas R$ 5. É uma conta que não precisa ser difícil de fazer", aponta Alexandre.
Um estudo feito em 2020 pela Universidade de Campinas (Unicamp) indicou que levar as demandas da saúde ao tribunal intensificou o protagonismo do judiciário na efetivação dos direitos à saúde e na gestão de recursos.
Dagmar Queluz, professora da Unicamp e mestra em Ciências e Saúde Pública pela Universidade da Carolina do Sul (EUA), que participou do estudo, aponta que o aumento impacta o equilíbrio dos contratos de planos de saúde e o orçamento público, especialmente em municípios com orçamento e capacidade de gestão limitados.
Isso porque parte dos tratamentos que são ofertados mediante ordens judiciais não estavam previstos em orçamento. Ou seja, são despesas orçamentárias para além daquelas de obrigação expressa.
No caso do poder público, essas despesas primárias são, por exemplo, a manutenção de postos de saúde e prontos-socorros, pagamento dos profissionais e compra de insumos.
"A pesquisa também indicou que muitos dos medicamentos solicitados estavam presentes em listas do SUS e, em muitos casos, tratavam-se de medicamentos de baixo custo. E aí que a gente identifica deficiências de acesso, falhas de informação e na assistência farmacêutica do SUS", acrescenta Dagmar.
O número de processos judiciais na área da saúde tem crescido consideravelmente nas últimas décadas. Dados do Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontam o número de novos processos abertos cresceu 60% entre 2020 e 2024.
A mesma base de dados aponta que no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) há um acervo de 19.663 processos pendentes, enquanto 19.557 novas ações foram ajuizadas só em 2024. O número de processos julgados chega a 23.755, com 18.075 saídas definitivas registradas.
A taxa de congestionamento do tribunal, que mede a proporção de processos que permanecem sem solução, é de 53,40%, indicando um fluxo intenso de demandas e desafios na celeridade das decisões.
Já na esfera federal, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que tem sob sua jurisdição os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, apresenta um volume menor, mas com um índice de congestionamento ainda mais alto.
São 2.207 processos pendentes, 1.281 novas ações ingressadas, 1.143 julgamentos e 1.039 saídas, resultando em uma taxa de congestionamento de 68%.
Esse dado sugere um ritmo mais lento na resolução dos casos, possivelmente devido à complexidade das demandas federais ou à limitação de recursos disponíveis para processamento dessas ações.
Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que analisa recursos de decisões das instâncias inferiores, a judicialização da saúde também se manifesta de forma expressiva.
O STJ possui 15.443 processos pendentes, com 18.206 novos ingressos e 26.605 processos julgados, além de 17.568 saídas. A taxa de congestionamento do tribunal é a menor entre as três instâncias analisadas, ficando em 46,08%.
Veja a quantidade de processos envolvendo a saúde em 2024
Isso sugere uma maior capacidade de julgamento, mas ainda assim um volume significativo de processos que aguardam desfecho.
Os números indicam que a judicialização da saúde continua sendo um fator de pressão sobre o sistema de justiça, exigindo respostas ágeis para garantir o direito à saúde sem comprometer a eficiência dos tribunais.
Ainda segundo Dagmar Queluz, para além das razões que levam as pessoas a entrarem com processos judiciais, é preciso destacar quem são esses cidadãos.
A pesquisa identificou que cerca de 75% das ações judiciais são ajuizadas por advogados particulares, indicando que uma boa parcela dos pacientes arcaram com os custos dessa representação - o que, em princípio, sugere que eles poderiam adquirir os medicamentos solicitados.
Assim, a especialista aponta que uma parte das demandas por tratamentos solicitados por ações judiciais poderia ser evitada, se fossem consideradas as diretrizes do SUS.
Outra pesquisa, feita pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz, apontou que a falta de informações sobre o acesso aos medicamentos também impulsiona a judicialização. E quando há negativa administrativa, os juízes tendem a decidir a favor dos pacientes, geralmente por problemas no sistema de saúde.
Hercy Alencar, juiz, mestre em direito e presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), alerta para os impactos da judicialização excessiva da saúde, especialmente no fornecimento de medicamentos de alto custo.
A prática, segundo ele, afeta tanto o equilíbrio financeiro do SUS quanto a qualidade dos serviços prestados à população.
"Hoje, temos um excesso de demandas judiciais na área da saúde que, de certa forma, desequilibra o sistema", afirma. O magistrado é autor do livro "Judicialização da Saúde: Análise Crítica sobre a Decisão Judicial no Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo pelo SUS" e reconhece que faltam parâmetros para balizar as decisões judiciais.
O tema foi seu objeto de estudo no mestrado, e como sugestão de caminhos para enfrentar esse problema, ele destaca três critérios que podem guiar os juízes em suas decisões: a medicina baseada em evidências (MBE), que permite fundamentar sentenças com base científica; o princípio da deferência, que prioriza as decisões dos órgãos técnicos de saúde e restringe a intervenção judicial a casos excepcionais; e a slow medicine, que sugere uma abordagem mais cautelosa e critica a medicalização excessiva, alertando para fraudes e o lobby da indústria farmacêutica.
Alencar reforça que, diante da escassez orçamentária e do aumento da demanda por tratamentos de alto custo, é essencial que magistrados adotem uma postura criteriosa, respeitando a autonomia técnica do SUS para garantir a sustentabilidade do sistema. "O objetivo do livro é despertar a consciência sobre a necessidade de um olhar mais crítico e responsável em relação às decisões judiciais que impactam o SUS", conclui.
No âmbito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, para ajudar os magistrados a entenderam cada caso, existe o Núcleo de Apoio Técnico à Decisão Judicial (Natjus), composto por médicos e farmacêuticos, que produzem notas técnicas de caráter opinativo, em que analisam a eficácia científica do tratamento requerido.
O coordenador do Natjus, juiz Bruno Benigno considera que o judiciário "precisa ter a necessária sensibilidade para compreender a gravidade do caso e, simultaneamente, garantir uma resposta tempestiva, considerando os critérios legais".
"Além disso, com o objetivo de garantir uma solução pacificadora, o TJCE criou o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da Saúde. Este espaço promove um diálogo contínuo entre os usuários do SUS e a Fazenda Pública, visando a conciliação e a resolução pacífica dos problemas. Ademais, o Judiciário cearense instalou Varas Especializadas em direito à saúde para conceder mais celeridade aos processos e assegurar o bem-estar da sociedade", acrescentou.
Com a extensão da problemática, um estudo feito por profissionais da Universidade Tecnológica Federal do Paraná e publicado na Revista da Advocacia Geral da União, destaca que nem toda demanda judicial para fornecimento de medicamento implica em uma intervenção do Judiciário sobre a aplicação da política pública, modificação de lei ou de ato da Administração.
Os autores explicam que isso ocorre porque, quando o Judiciário intervém para corrigir uma falha pontual no fornecimento de medicamentos, ou nega um pedido de um medicamento fora da lista do SUS, pois o paciente ainda não recorreu à alternativa já disponível, está "simplesmente mantendo a racionalidade e os princípios do SUS".
Ao final do artigo, publicado em agosto de 2024, os pesquisadores sugerem que seja definida uma
É nesse ponto que entra a decisão do Supremo Tribunal Federal, baseada em três premissas: a escassez de recursos e de eficiência das políticas públicas, a igualdade de acesso à saúde e o respeito à perícia técnica e à medicina baseada em evidências.
Segundo os ministros, os recursos públicos são limitados, e a judicialização excessiva pode comprometer todo o sistema de saúde. A concessão de medicamentos por decisão judicial beneficia indivíduos, mas produz efeitos que prejudicam a maioria da população que depende do SUS.
A proposta de tese define então, como regra geral, que, se o medicamento registrado na Anvisa não constar das listas do SUS (
Nesse caso, o autor da ação judicial deve comprovar, entre outros requisitos, que não tem recursos para comprar o medicamento, que ele não pode ser substituído por outro da lista do SUS, que possui eficácia baseada em evidências e que seu uso é imprescindível para o tratamento.
Se todos esses requisitos forem cumpridos, caberá ao Judiciário, no caso de deferimento judicial do medicamento, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.
Mas quem são os "órgãos competentes"? A incorporação é pautada, desde 2011, pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).
Estabelecida pela Lei nº 12.401, todo e qualquer processo de incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos, de produtos e procedimentos, assim como de protocolos clínicos ou de diretrizes terapêuticas e tecnologias em saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), tem que passar, necessariamente, pela Comissão.
O órgão foi reconhecido e elogiado pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, na cerimônia que marcou a homologação do acordo interfederativo homologado pelo STF.
"O direito à saúde e o dever de Estado brasileiro de provê-lo são preceitos constitucionais inadiáveis que sempre devem ser atendidos. Mas nós precisamos garantir esses direitos de forma sustentável e efetiva para que o sistema de saúde possa beneficiar a população, se fortalecendo na sua resiliência e capacidade de enfrentar emergências cada vez mais frequentes”, defendeu.
O Ministério da Saúde afirmou, em nota, que uma das iniciativas em curso, desenvolvidas em parceria com os entes da federação e o Judiciário, e parte da decisão do Superior Tribunal, é a criação de uma plataforma pública de informações sobre demandas administrativas e judiciais de acesso a fármacos.
De fácil consulta e informação ao cidadão, a plataforma utilizará os dados da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) para possibilitar o monitoramento dos pacientes beneficiários de decisões judiciais.
A discussão, contudo, não está fechada e algumas instituições veem o novo cenário com preocupação. A Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) oficiou o Ministério da Saúde solicitando que seja constituído um processo de aprimoramento do processo de Avaliação de Tecnologia em Saúde, assim como adotar medidas de participação social para qualquer mudança prevista.
Para a Dra. Andreia Bessa, coordenadora jurídica da Casa Hunter, instituição que apoia e defende os direitos pessoas com doenças raras, a decisão do STF "representa um enorme retrocesso ao afastar a viabilidade de discussão do paciente com os órgãos do judiciário".
Somado a isso, ela acredita que o tempo para análise dos pedidos de incorporação pela Conitec é "muito elevado e usa critérios injustos, pouco transparentes e parciais".
Luana Ferreira Lima, gerente de políticas públicas e advocacy da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale) também coloca ressalvas. “Precismos garantir que não vai acontecer a mesma situação do rol taxativo" aponta.
"A questão vai ser decidida pelo Legislativo, o que é muito ruim. Não queríamos ter esse jogo de poder entre Judiciário, Executivo e Legislativo. No entanto, entendemos que a decisão e a interpretação dela tem questões que estão omissas e que precisam ainda de reflexões para a sua interpretação”, acrescentou.
Hoje, a Conitec é composta majoritariamente por membros do Ministério da Saúde, o que preocupa as associações e pacientes por um possível cenário de conflitos de interesse, podendo levar à exclusão de tratamentos essenciais para as doenças raras. Uma das propostas para contornar a situação é transformar a Conitec em uma Agência.
No Brasil, agências públicas são regulamentadas por lei, e seguem critérios que definem a composição do quadro de diretores, tempo de mandato, obrigatoriedade de haver ouvidoria, reforça a autonomia financeira e institucional, e garante a independência necessária para atuação dessas instituições.
“No caso do Brasil especificamente, a principal vantagem seria economizar e ter um determinado tipo de possibilidade de unificar critérios, dar um pouco mais de consistência ao processo, sendo, basicamente, o que fazem Inglaterra, Austrália e Canadá", avalia André Medici, doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo e consultor em Economia da Saúde que atuou por 24 anos no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e no Banco Mundial.
"O fato de você ter uma agência única de avaliação de tecnologia, porém, não significa que você tenha uma determinação do que vai ser incluído no rol, seja dos planos de saúde, seja do SUS”, acrescenta.
"O SUS precisa melhorar a forma pela qual ele está sendo organizado"
O cenário é complexo e convida à reflexão: até onde o equilíbrio entre eficiência do sistema e o direito à saúde individual deve se sustentar? Uma reforma nas competências administrativas até pode ser uma solução para garantir transparência e independência, mas será suficiente para atender às demandas por medicamentos essenciais para doenças raras?
A resposta para a equação do custo da cura continua, por ora, sem solução.