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"Sem controle": aumento nos casos de sífilis reflete problemas de gênero e raça no Brasil
Reportagem Especial

"Sem controle": aumento nos casos de sífilis reflete problemas de gênero e raça no Brasil

Mesmo com diagnóstico simples e tratamentos eficientes disponíveis, os casos de sífilis seguem em crescimento exponencial no Brasil. Onde estamos errando? O foco em grupos específicos poderia reverter o cenário?

"Sem controle": aumento nos casos de sífilis reflete problemas de gênero e raça no Brasil

Mesmo com diagnóstico simples e tratamentos eficientes disponíveis, os casos de sífilis seguem em crescimento exponencial no Brasil. Onde estamos errando? O foco em grupos específicos poderia reverter o cenário?
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Infecções sexualmente transmissíveis (IST) são muitas vezes tratadas como “democráticas”. Não distinguem raça, gênero, classe social, idade. Todos estão propensos ao contágio, caso não haja prevenção adequada.

Com a sífilis não é diferente. A IST é causada pela bactéria Treponema pallidum. Pode ser transmitida por relação sexual sem preservativo com uma pessoa infectada ou pode ser congênita: a criança já nasce com a doença, transmitida pela mãe.

Ao contrário de outras infecções, a sífilis tem cura e a bactéria não sofre mutações: trata-se com a velha penicilina benzatina (benzetacil). Além disso, ainda que algumas fases da IST “escondam” os sintomas, o que pode dificultar a detecção, o diagnóstico também é simples.

Testes rápidos de IST 's são feitos em postos de saúde da capital. HIV, Sífilis, Hepatite B e Hepatite C(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Testes rápidos de IST 's são feitos em postos de saúde da capital. HIV, Sífilis, Hepatite B e Hepatite C

Mesmo assim, os números não param de crescer. Em nível nacional e no Ceará, os casos de sífilis aumentam de forma impressionante a cada ano: dobram, triplicam. Durante a apuração desta reportagem, a descoberta do montante pareceu um erro de cálculo. Mas, não era.

Da mesma maneira que processos políticos e democráticos apresentam desbalanceamentos no poder, infecções “democráticas” tendem a contar com as mesmas características. “Todos iguais, mas alguns mais iguais que os outros”.

Campanhas focam em recomendações do uso de preservativos para a população em geral. Mais recentemente, surgiu a necessidade de novas vias, cujas tendências foram apontadas por pesquisas e projetos.

Segundo esses levantamentos, a solução ou o atenuamento das ISTs pode estar no olhar para os grupos específicos, fora consenso geral. E, para começar, há um caminho que passa pelo cuidado com aqueles que têm menos acesso à prevenção e aos tratamentos, os mais atingidos.

 

 

Aumento de 6.000% de casos de sífilis adquirida em relação a 2010

O problema é mundial. Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) - publicado em 2024 - apontou um crescimento de 7,1 milhões de casos de sífilis somente em 2020 e 8 milhões em 2022. As Américas são o continente com maior número de casos, comportando 42% do total mundial.

O Brasil apresentou um crescimento exponencial em dez anos. Em 2013, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação computou 74.686 casos de sífilis adquirida, gestacional ou congênita. Em 2015, o número já alcançava 122.635 casos. Em 2023 - último ano divulgado "Os dados completos 2024 ainda não foram extraídos. A base mais atual foi feita em agosto daquele ano. Os números do ano passado serão mencionados à frente no texto, mas - neste gráfico inicial - foram desconsiderados para evitar leituras distorcidas."  pelo boletim epidemiológico - 353.939 mil pessoas foram contaminadas com sífilis no Brasil.

Em relação à sífilis adquirida "Esta categoria não inclui casos de sífilis na gravidez e congênita." , o Sinan disponibiliza dados desde 2010. Naquele ano, foram computados 4 mil casos. Em 2015, foram 69 mil. Em 2023, subiu para 242 mil pessoas contaminadas. Ou seja, o aumento foi de 6.000% em relação há 13 anos.

Trezentos mil contágios em apenas um ano. Aumentos exponenciais. Por via de comparação, dados do Sinan revelam 46.495 pessoas diagnosticadas com HIV/Aids em 2023. 

 

Casos de sífilis, por ano, no Brasil

 

Os altos números se refletem no Ceará. A base de dados estadual apresentou os dados apenas de forma separada. Além disso, foram contabilizados os números de sífilis adquirida por 100.000 habitantes. Em relação à sífilis em gestantes e à congênita, a comparação é feita por 1.000 nascidos vivos.

A detecção de sífilis adquirida, no Ceará, passou de 9,5 casos por 100 mil habitantes, em 2015, para 73,4 casos por 100 mil habitantes, em 2023. A taxa de sífilis na gravidez aumentou de 7,0 casos para 30,2 casos por 1.000 nascidos vivos no mesmo período.

Nos recém-nascidos (congênita), o índice saiu de 9,7 para 14,3 casos a cada 1 mil nascidos vivos. De 2015 a 2017, o número de sífilis congênita chegou a superar o de sífilis na gravidez. Ou seja, houve mais o diagnóstico de bebês já contaminados, do que das mães deles durante a gestação.

 

Casos de sífilis, por ano, no Ceará

 

A Secretaria Regional de Saúde (SRS) com maior incidência de casos é, de longe, a de Fortaleza. Deve-se levar em consideração, no entanto, a população na Capital, também - de longe - a maior do Estado. São 2,4 milhões, segundo o Censo 2022.

 

Casos de sífilis por região do Ceará

 

 

 Sífilis: várias fases, sintomas escondidos


Alguns fatores levariam a esse aumento de casos em uma infecção curável. Um deles é a própria “configuração” da IST, que evolui em fases. É “traiçoeira”: a sífilis disfarça os sintomas, enquanto se agrava silenciosamente.

Helaine Milanez é da Febrasgo e professora da Unicamp(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Helaine Milanez é da Febrasgo e professora da Unicamp

“A paciente fica assintomática, se ela não fizer o exame sorológico, acaba não identificando que está infectada”, explicou Helaine Milanez, membro da Comissão Nacional Especializada de Doenças Infecto-Contagiosas da Febrasgo. Ao longo da entrevista, ela se referiu aos infectados com sífilis pelo sexo feminino, devido à maior prevalência dos casos entre mulheres, a qual falaremos mais à frente.

Professora livre-docente de Obstetrícia da FCM/Unicamp, Helaine explicou que a sífilis se divide nas seguintes fases: primária, secundária, latência recente, latência tardia e, por fim, terciária. Na passagem das fases ocorre a remissão dos sintomas.

O estágio inicial se apresenta preferencialmente por mucosas e úlceras ao redor do local de exposição. O contágio pode se dar via oral ou genital em uma taxa muito alta (30%), referente a uma única exposição.

Mesmo se não tratada, a ferida regride e evolui para o “secundarismo”, em um período de um a três meses. “Nessa fase, há uma grande disseminação do agente no corpo”, disse a professora, explicando que o grande marcador do secundarismo é um “racha ou erupção cutânea, maculopapular avermelhada”. “A mancha pode ser mais leve ou mais grave. Ela, assim como a mucosa inicial, também irá regredir ‘naturalmente’”, disse.

A fase seguinte é caracterizada pela remissão do sintoma clínico, na chamada “latência recente”. Em mais ou menos um ano, a infecção se torna assintomática, ao mesmo tempo que evolui para a “latência tardia”.

“Depois de anos ou décadas pode evoluir para o acometimento do sistema nervoso central, cardiovascular ou pele, que é o que a gente chama de sífilis terciária”, completou a professora Helaine.

O boletim epidemiológico de 2024, revelou que no ano anterior (2023) 7,7% das gestantes brasileiras foram diagnosticadas na fase terciária. O maior percentual se encontrava na fase latente (46,4%).

O problema está no fato de que um indivíduo assintomático segue transmissor e mulheres grávidas acabam infectando os filhos. “Das doenças infecciosas, a sífilis é a que tem a maior cifra de trasmissão da mãe para o filho”, disse Helaine.

Testagem positiva deve levar a um tratamento imediato, de modo a impedir que a infecção evolua(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO Testagem positiva deve levar a um tratamento imediato, de modo a impedir que a infecção evolua

Segundo informações do portal do Ministério da Saúde, a taxa de infecção de uma mãe não tratada para seu filho é de de 70% a 100%, nas fases primária e secundária. O percentual diminui para aproximadamente 30% nas fases tardias da infecção materna (latente tardia e terciária).

O tratamento pode ser feito em todos os estágios da infecção. Deve ser feito o mais rápido possível a partir do momento do diagnóstico, especialmente em gestantes. A escolha mais indicada é a penicilina benzatina (benzetacil), conforme dito anteriormente. Na gravidez, o medicamento é o único a impedir a transmissão vertical, conforme o MS.

O diagnóstico na gravidez ainda é feito em conjunto do tratamento nos respectivos parceiros sexuais, para evitar reinfecção da gestante. Os cuidados na mulher devem ser feitos até 30 dias antes do parto, além da manutenção de um esquema terapêutico e respeito ao intervalo recomendado das doses do remédio.

 

 

Quem é mais atingido por sífilis no Brasil?

O POVO+ ouviu três enfermeiras da rede municipal de Fortaleza. Elas trabalham na realização de testes rápidos de ISTs, fazem o acompanhamento ao longo da gestação e, a depender do resultado, encaminham a paciente a um médico já na primeira consulta.

Uma delas foi entrevistada pessoalmente por mim e pela repórter fotográfica do O POVO, Lorena Louise. A enfermeira trabalha no Posto de Saúde Pio XII - Geraldo Madeira Sobrinho e, naquele momento, esperava uma paciente para testagem. A profissional preferiu não ser identificada.

Ela relatou trabalhar na rede municipal desde 2018. Disse ter notado um aumento nos casos de sífilis de 2022 para 2025. “Alguma tendência?”. “Mulheres pardas ou negras, grávidas”, nos contou, enquanto abria uma pasta com as testagens realizadas no mês de janeiro de 2025.

Lá estava: 10 pacientes testados, seis sendo mulheres grávidas. A sífilis foi a doença com maior número de testes positivos. Foram três, dois em homens e uma em gestante. 

A paciente Rosana realizou a testagem de ISTs em sua primeira consulta pré-natal(Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO)
Foto: Lorena Louise/Especial para O POVO A paciente Rosana realizou a testagem de ISTs em sua primeira consulta pré-natal

Poucos minutos depois, saímos da sala e a paciente esperada pela enfermeira chegou: era Rosana (nome fictício). Aos 38 anos, ela estava grávida do primeiro filho há cerca de dois meses - estava na primeira consulta pré-natal. Meio desconfiada, ela entrou na sala acompanhada da filha da chefe, dona da casa na qual trabalha como diarista. Rosana deu rosto aos relatos da enfermeira: era uma mulher, grávida, negra.

Apesar de aparentar tímida, ela permitiu que acompanhássemos os exames. Realizou testes, além de sífilis, para HIV, Hepatite B e Hepatite C. Estava calma, relatou. Riu e brincou durante a consulta, que durou por volta de meia-hora.

Rosana sentou em uma cadeira de metal e a enfermeira dispôs os quatros testes sobre uma bandeja de alumínio. Ela explicou a função de cada um. “Todos têm tratamento, lembre-se”, reforçou à paciente. Depois, furou o dedo indicador de Rosana com uma pequena agulha e distribuiu gotinhas de sangue nas plaquetas.

Em menos de dez minutos, os resultados estavam visíveis. A enfermeira explicou: dois tracinhos indicavam positivo; um tracinho, negativo. Todos os testes de Rosana negativaram.

As outras duas enfermeiras ouvidas relataram algo parecido com a profissional do Posto de Saúde Pio XII. Raenne Batista e Cymara Marinho atuam no Posto de Saúde João Machado dos Santos, no bairro Planalto Ayrton Senna. “Na unidade básica a gente tem mais decorrência de casos de sífilis em gestantes. Principalmente as adolescentes e primeira gestação”, disse Raenne.

Já Cymara também afirmou que a maior parte das pacientes em busca de testagem são gestantes, mas atribuiu um fator socioenômico e não racial a elas. "Pessoas sem muitas instruções, sem muitos recursos, com fatores sociais e econômicos prejudicados, acabam se relacionando com pessoas desconhecidas, sem proteção, entre outros fatores", disse.

"Maior parte dessas pessoas que testam positivo para a Sífilis, são mulheres gestantes, profissionais do sexo ou homossexuais", completou ela.

Enfermeiras Raenne Batista e Cymara Marinho relataram um aumento no número de casos de sífilis por ano(Foto: Arquivo Pessoal/Raenne Batista/Cymara Marinho)
Foto: Arquivo Pessoal/Raenne Batista/Cymara Marinho Enfermeiras Raenne Batista e Cymara Marinho relataram um aumento no número de casos de sífilis por ano

Dados comprovam que mulheres compõem a maioria dos casos de sífilis no Brasil. Se somados os casos de sífilis adquirida com sífilis na gravidez, foram 181 mil pessoas do sexo feminino diagnosticadas em 2023. O sexo maculino somou 147 mil.

Em 10 anos, a razão entre sexos também aumentou (feminino/masculino). Ou seja, o número de mulheres infectadas se distanciou do número de homens. Ainda que em ambos os gêneros tenham apresentado aumento nos casos, o crescimento feminino é maior do que o masculino.

Em nível estadual, o levantamento da Sesa-CE separa os casos de sífilis adquirida dos casos de sífilis na gravidez. É feito um cálculo de número de casos por 1.000 nascidos vivos. Segundo os dados, a razão entre os sexos diminuiu de 2022 para 2023.

 

Casos de sífilis, por gênero no Brasil e no Ceará

 

No caso de sífilis em gestantes, o número de casos aumentou 26,8 pontos desde 2013, a nível Brasil. Um crescimento também ocorreu no Ceará, que computou 28 casos por 1.000 nascidos vivos em 2022 e 30,2 em 2023.

Ao mesmo tempo, a sífilis congênita começou a apresentar uma leve redução em 2023. No Brasil, passou de 10,3 casos para 9,9, a cada 1.000 nascidos vivos, em um ano. Em nível estadual, o montante foi de 14,6 para 14,3 casos a cada 1.000 nascidos vivos, no mesmo período.

Como os dados de 2024 ainda não foram divulgados em sua totalidade, não se pode afirmar que se trata de uma tendência de redução da sífilis congênita. No entanto, a redução é significativa e pode indicar uma mudança no acesso ao diagnóstico, da qual comentaremos mais à frente.

 

Casos de sífilis em gestantes e congênita no Brasil e no Ceará

 

 

Quanto aos dados de sífilis por raça, apenas o boletim epidemiológico em nível nacional apresentou dados. O POVO+ solicitou estas informações à Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), que não retornou até o fechamento dessa reportagem, que será devidamente atualizada quando houver retorno.

O fator racial se fez presente no Brasil. Enquanto o número de casos de sífilis adquirida diminuiu em pessoas brancas nos últimos anos, entre pessoas pardas, pretas houve um crescimento. Nota-se, no entanto, uma diminuição nos casos nos quais a raça foi "ignorada" - o que pode ter ocasiado uma mudança nos demais índices.

 

 

Casos de sífilis por raça no Brasil

 

Por fim, a questão geracional - comentada pelas enfermeiras - prevaleceu. Em 2023, a maior parte dos casos de sífilis adquirida (55.581 ou 37,9% do total) se deu entre a população de 20 a 29 anos. Em seguida, vem os com 30 a 39 anos (37.030 ou 25,2%). Em terceiro, logo em seguida, os com mais de 50 anos (24.872 ou 16,9%).

 

 

O foco nas margens

Diego Medeiros é sociólogo e especialista em Saúde Pública. É apoiador de uma pesquisa de integração inteligente orientada ao fortalecimento das redes de atenção para resposta rápida à sífilis, realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A pesquisa se baseia em fortalecer ações de vigilância epidemiológica em todo território nacional. O intuito é promover soluções tecnológicas que acelerem tomadas de decisão e ações pelos órgãos de saúde pública.

Mas, essa não foi a única experiência de Diego Medeiros no combate à sífilis. Um vídeo de 2022 o mostra participando da campanha “Sífilis Não!”. De máscara, ele aparece acompanhado de Louanne Pereira, outra apoiadora do projeto. A campanha firmou parcerias e focou na orientação quanto ao tratamento e prevenção de sífilis à população em situação de rua.

Ações do projeto "Sífilis Não" foram em conjunto com equipamentos de abrigo da população em situação de rua(Foto: Louanne Pereira/Sífilis Não)
Foto: Louanne Pereira/Sífilis Não Ações do projeto "Sífilis Não" foram em conjunto com equipamentos de abrigo da população em situação de rua

Diego elencou este grupo como prioritário das ações contra a IST devido ao “acúmulo de vulnerabilidades que essa população abarca (baixa escolaridade, uso e abuso de substâncias psicoativas, por exemplo)”. O acesso aos serviços de saúde, como insumos de prevenção e à testagem, por exemplo, seria limitado. “Em parte por desconhecimento da rede de saúde, mas também pelo preconceito e discriminação das/os profissionais de saúde e funcionárias/os nas unidades de saúde”, disse.

Segundo ele, a recepção foi “bastante positiva”, em relação à adesão das pessoas aos serviços oferecidos. Em um periódico publicado após a campanha, ele relata “receio” de alguns pacientes, encorajados por colegas que os acompanhavam. Realizada em dois equipamentos que atendem a população de rua, a campanha alcançou 50 pessoas.

“Isso quer dizer que a barreira de acesso não é propriamente (somente) dessas pessoas, mas, também, da rede de saúde que não consegue alcançá-las/os. Iniciativas de atenção à saúde que atuam no território é de fundamental importância para impactar nos casos de ISTs como a sífilis”, relatou Diego.

"É preciso que se reconheça as singularidades de cada população para pensarmos ações efetivas que envolvam, inclusive, com a participação da própria população que deve ser assistida" Diego Medeiros - especialista em Saúde Pública

Como prevenir as ISTs sem conhecer as práticas sexuais? Dizer simplesmente palavras de ordem como “use camisinha e faça o teste das ISTs” não é suficiente. É preciso que se reconheça as singularidades de cada população para pensarmos ações efetivas que envolvam, inclusive, com a participação da própria população que deve ser assistida, reforça Diego.

Em resumo, Diego Medeiros afirmou que “pensar hoje qualquer política pública sem atentar para os marcadores sociais da diferença (gênero, raça/etnia, orientação sexual, classe social, peso, local de moradia, deficiências, entre outros) é inadequado, afinal, políticas generalistas têm grande possibilidade de não alcançar o público desejado”. A interseccionalidade, para ele, “é a base da decisão das ações em saúde”.

Há, no entanto, outros fatores escanteados, que teriam levado ao aumento no número de casos. O próprio Diego destacou percalços como “falta de investimento em recursos na propaganda sobre prevenção e testagem para as ISTs, preconceito em discutir sexualidades, pouco investimento nas ações extramuros no território, discriminação”. “As ações de controle da sífilis, portanto, devem atuar em várias frentes”, disse.

Projeto "Sífilis Não" focou em ações para prevenção de sífilis na Capital. Diego, de branco, à esquerda(Foto: Diego Medeiros/Projeto <aspas>Sífilis Não<aspas>)
Foto: Diego Medeiros/Projeto <aspas>Sífilis Não<aspas> Projeto "Sífilis Não" focou em ações para prevenção de sífilis na Capital. Diego, de branco, à esquerda

Helaine Milanez, da Febrasgo, citou uma questão de comportamento, algo também comentado pela enfermeira visitada. A “normalização” de ISTs teria levado à baixa procura por métodos contraceptivos pela população mais jovem - o que pode ter provocado o aumento de casos entre essa faixa etária.

Quanto aos idosos, o fator estaria relacionado ao prolongamento da vida sexual, por meio de remédios. “Há o abandono do uso do método de barreira, porque não há a preocupação da gravidez”, disse.

Marcos Paiva é coordenador da área técnica de IST/Aids e hepatites virais da Secretária Municipal de Saúde(Foto: DEÍSA GARCÊZ/Especial para O POVO)
Foto: DEÍSA GARCÊZ/Especial para O POVO Marcos Paiva é coordenador da área técnica de IST/Aids e hepatites virais da Secretária Municipal de Saúde

A campanha “Sífilis Não” contou com a participação da Prefeitura de Fortaleza, na época. Marcos Paiva é assessor técnico da área de IST/Aids e trabalha na Secretaria Municipal da Saúde da Capital há 18 anos. Tanto o comportamento, quanto o componente social foram citados como fatores essenciais às políticas de enfrentamento à sífilis. Esses dois apresentam até mesmo uma correlação, segundo ele.

Marcos explicou que a própria discussão sobre sexualidade e, em consequência, a procura de um profissional para tratar uma doença ligada a ela é, por si só, um tabu. Essa característica seria acentuada por questões como violência urbana, racismo estrutural e homofobia, que aumentam a resistência de certos grupos em tratar ISTs e ao próprio acesso aos serviços de saúde.

“Cabe a nós, gradativamente, fortalecer as políticas de equidade, fortalecer de enfrentamento a essas situações que causam dificuldade a essas populações. Quando você trabalha com a população de rua, você também trabalha com essas populações que são negras, pardas, por exemplo”, disse Marcos.

A Prefeitura de Fortaleza promove algumas ações neste sentido, conforme Marcos. Dentre os projetos, ele citou a Unidade Móvel, o “Fique sabendo, jovem”, campanhas esporádicas como no “Dia do Enfrentamento à Sífilis” e o “A Hora é Agora”. Saiba mais abaixo.

 

Campanhas em parceria com a Prefeitura de Fortaleza

 

Um dos resultados de campanhas em grupos focais seria a inversão do número de casos de sífilis na gravidez e congênita, citada mais acima. Hoje, ocorre mais a identificação de sífilis em mulheres grávidas do que em recém-nascidos. “Graças ao diagnóstico, nos postos de saúde”, atribuiu Marcos.

A ideia, segundo ele, é reverter as demais lógicas: do maior contágio em certos grupos. “Trabalhar com equidade, que está prevista no SUS, para garantir que as pessoas possam ter acesso a um tratamento adequado”, disse. Ou seja, garantir uma “democracia” no atendimento, na atenção e no tratamento.

 

 

Ficou em dúvida sobre a sífilis? Confira um resumo abaixo

 

 

Metodologia

Este material utilizou duas bases de dados. Os números a nível nacional são do Boletim Epidemiológico de 2024, com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan). A base acima foi coletada em agosto de 2024. Os números referentes àquele ano, portanto, estão incompletos e, assim, foram desconsiderados nas visualizações para evitar leituras distorcidas. Ou seja, como não tratam no mesmo recorte temporal (1º de janeiro a 31 de dezembro, por exemplo), uma comparação poderia provocar distorções.

A base nacional traz números absolutos dos casos de sífilis adquirida, em gestantes e congênita. As coletas destes três tipos são realizadas de forma separada. Na visualização de gênero, foram somados os casos de sífilis em gestantes e adquirida, de modo que o alto montante de contágios femininos tornou-se evidente.

Para os números estaduais, a base foi o Boletim Epidemiológico sobre sífilis publicado pela Secretaria Estadual de Saúde, com dados do Sinan. O levantamento é o mais atual e traz dados exportados em 19 de agosto de 20245. Ou seja, os dados completos de 2024 tambpem não haviam sido extraídos por completo no momento da apuração da reportagem - em janeiro de 2025. 

O Boletim da Sesa não traz números absolutos, ao contrário do nacional - que além do valor total, traz os números por casos. A base estadual conta com apenas a última opção. Neste caso, o levantamento se deu da seguinte forma: os números de sífilis adquirida se referem aos casos por 100.000 habitantes. Em relação à sífilis em gestantes e à congênita, a comparação é feita por 1.000 nascidos vivos.


"Olá! Aqui é Ludmyla Barros, repórter do O POVO+. Gostou da leitura? Te convido a comentar abaixo."

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