No dia 1º de janeiro de 2025, exatamente às 0h02min no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), unidade da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), vinha ao mundo o pequeno José Benjamin.
O bebê, que nasceu com 3,4kg, é primogênito da farmacêutica Vitória Cássia Cavalcante, 26, e também o primeiro cearense da chamada Geração Beta.
“Geração Beta” é um termo criado em 2024 pelo pesquisador australiano Mark McCrindle, e ganhou grande repercussão no início de 2025. O grupo etário reúne aqueles nascidos de 2025 a 2039 e classifica um novo recorte geracional marcado pela interação total com a inteligência artificial.
O futuro de José Benjamim e das milhões de crianças da mesma geração já está em debate, e as preocupações crescem conforme as crises política, econômica e climática se agravam. A questão é: como preparar o mundo para essas crianças e como prepará-las para um mundo que muda na velocidade de um clique?
Jaqueline Milhome, doutora em Administração na Universidade Federal da Bahia, produziu um estudo em que analisa como valores e comportamentos variam entre as gerações brasileiras, propondo uma classificação geracional adaptada ao contexto sociocultural do país.
Segundo a autora, “é inadequado impor a configuração geracional de uma sociedade a outra” devido às especificidades históricas e culturais de cada região.
No estudo, Jaqueline pontua que as gerações são formadas por indivíduos que, por terem nascido no mesmo intervalo de anos, viveram períodos históricos específicos e acumularam memórias coletivas.
Assim, os eventos vivenciados durante a infância e o início da vida adulta influenciam os valores que permanecem relativamente inalterados durante o resto da vida.
A pesquisa resultou em uma proposta de categorização de gerações no Brasil em contraponto à que é usada nos Estados Unidos e, frequentemente, usada para se referir aos mesmos grupos etários em outros contextos socioculturais.
Dos Boomers aos Betas: as gerações norte-americanas
Entre os principais achados, Milhome identificou que gerações mais velhas valorizam regras, situação e ascensão profissional, mas apresentam dificuldades com a tecnologia e o ritmo acelerado da informação.
Por outro lado, a geração mais nova (1992-2005) demonstra menor paciência com os mais velhos e desagrado por reuniões longas. Ela também é marcada por relações interpessoais fluidas, maior convivência com os pais e comportamentos adaptativos influenciados pela globalização e avanços tecnológicos.
Segundo Jaqueline Milhome, “as tecnologias de comunicação favorecem que as informações sejam transmitidas em tempo real”, moldando uma geração mais liberal.
Como as gerações são divididas no Brasil
Além disso, mudanças no trabalho, como a precarização gerada pela “uberização” e pelo vínculo empregatício frágil - muitas vezes associado à pejotização -, somam-se à sensação de desesperança frente à Reforma da Previdência, que dificultou o acesso à aposentadoria.
O estudo também destaca que essa geração também vivenciou eventos marcantes, como o impeachment de Dilma Rousseff, a eleição de Jair Bolsonaro e a pandemia de Covid-19, consolidando-se como um grupo em formação diante de transformações intensas.
Para Jaqueline, ainda não é possível traçar um perfil do que os norte-americanos chamam de geração alpha e beta. “Considerando o período de socialização macro, entende-se que os nascidos a partir de 2005 estão, em 2022, iniciando este período. Portanto, são indivíduos que ainda não guardam memórias coletivas de forma a compor uma geração”, diz o estudo.
Ainda que os impactos de uma sociedade cujas relações sociais são mediadas quase integralmente pelas tecnologias da comunicação e informação não estejam outros especialistas já começam a projetar o que está por vir.
“Crescendo nesse ambiente, essa será a primeira geração a ser criada não apenas por pais informados por IA, mas também educada por professores assistidos por IA e equipada para trabalhar na economia global do conhecimento híbrida com IA”, explica Mark McCrindle, bacharel em Psicologia, demógrafo e diretor da McCrindle Research, empresa de consultoria em tendência e impacto social.
Sobre o impacto direto da IA na vida dessa geração, Mark McCrindle explica que a influência será onipresente, inclusive no ambiente doméstico. "A casa da família será integrada com IA, que guiará as decisões dos pais em todas as áreas, desde a escola e o aprendizado até diagnósticos de saúde e suporte", projeta.
No entanto, o uso dessa tecnologia pelas próprias crianças, pode estar em um processo radical de mudança. Atualmente, os pais da Geração Alpha são os Millennials, que têm aceitado mais a tecnologia digital na criação de seus filhos.
No entanto, os novos pais, da Geração Z, enquanto a primeira geração a crescer digitalmente, “não são encantados pela novidade da tecnologia, tendo experimentado os lados negativos dos dispositivos e das redes sociais", aponta Mark.
Para ele, esse ceticismo dos pais da Geração Beta em relação à tecnologia reflete uma visão mais crítica e equilibrada do uso precoce de dispositivos digitais e exposição às telas.
As novas gerações se caracterizam por ser um grupo de pessoas que já nasceu com a tecnologia na palma da mão. De maneira geral, esses jovens apresentam facilidade com a tecnologia, são curiosos e independentes. Mas como educar essa geração com hábitos tão diferentes dos pais?
Inseridos, em sua maioria, em núcleos familiares menores e diversificados, esse grupo, independente e com um amplo potencial de resolução de problemas, valoriza mais a experiência e se frustra com o “não” facilmente.
“São alunos espontâneos, acelerados e superinteligentes, com tempo destinado à educação acadêmica prolongado”, destaca a pedagoga Tatiara Helena, que atua como orientadora educacional.
Para educar a geração alpha, é preciso entender que os nascidos nessa época se caracterizam por serem mais autônomos e curiosos, se adaptando mais a metodologias ativas de aprendizagem, que se diferenciam do ensino comum.
O que se pode observar, segundo Tatiara, é que os pais - oriundos das gerações Y e Z - repelem condutas autoritárias, como o uso de castigos, que receberam das suas famílias, e agem em favor do respeito às crianças.
Entretanto, muitas vezes, ficam sem saber como conduzir o educar dos filhos quando seus pedidos, regras e combinados não são seguidos.
O desafio é pensar em novos modelos de educação e de conduta na dinâmica familiar. De acordo com a pedagoga, especialistas de diferentes áreas, como a Pedagogia, Psicologia e Medicina, podem e devem auxiliar na orientação, mas faz-se necessário considerar a realidade de cada família em que se está inserido.
“Assim como as crianças da geração alpha, os adultos precisam aprender a filtrar e qualificar a informação para se apropriar dela de forma coerente e madura”, aconselha a especialista.
Diz-se que o modelo de escola tradicional não se encaixa mais para a nova geração e já foi considerado obsoleto há muitos anos. Levando em conta as características dos alpha, podemos concluir que os alunos querem ser protagonistas na sua educação e, assim, o professor torna-se um mediador do conhecimento.
Levando isso em conta, a escola tem um novo desafio de olhar os alunos com mais individualidade. Andrea Carla Cordeiro, mestra em Psicologia Cognitiva e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca uma tendência de ensino cada vez mais personalizado para as necessidades e para os interesses dos alunos, com olhar cuidadoso e atento para a criança e para o adolescente e não mais apenas para o currículo.
“Devemos pensar em um aprender baseado em projetos transdisciplinares, capazes de incentivar o aprendizado intencional, a partir de vivências do cotidiano, com intenção pedagógica, para contribuir com a formação de cidadãos críticos, participativos e éticos na nossa sociedade”, defende.
Como os alunos já nascem conectados, é preciso educá-los quanto ao uso saudável da tecnologia, quanto aos impactos das redes sociais na autoestima e em relação ao equilíbrio entre o mundo online e offline.
Com essa consciência, eles poderão, com a ajuda da tecnologia, criar grandes facilidades e avanços a seu favor. A pesquisadora destaca, ainda, qualidades dessa geração que devem ser aproveitadas na escola para o desenvolvimento das crianças.
Qualidades são marcantes das gerações alfa e beta
Desde cedo, os membros da geração alpha estão expostos a dispositivos eletrônicos e à tecnologia. Eles tendem a desenvolver habilidades digitais e de computação intuitivamente, o que pode ser canalizado para atividades de aprendizado interativo e criativo.
Crescendo em um mundo em constante mudança, as crianças tendem a ser adaptáveis e abertas a novas experiências. Isso pode ser aproveitado para a introdução de métodos de ensino inovadores e abordagens educacionais flexíveis.
A internet e as redes sociais tornaram o mundo mais interconectado do que nunca. A geração alpha está acostumada a interagir com pessoas de diferentes culturas e origens. As escolas podem usar essa característica para promover a compreensão intercultural e o pensamento global.
A familiaridade com ferramentas digitais pode estimular a criatividade das crianças. Professores podem incentivar projetos que envolvam mídia digital, design gráfico e outras formas de expressão criativa online.
A internet fornece acesso instantâneo a uma vasta quantidade de informações. As escolas podem ensinar os alunos a avaliar criticamente fontes online, a discernir informações confiáveis e a desenvolver habilidades de pesquisa.
A geração alpha está acostumada a colaborar, seja em projetos escolares, seja em atividades de lazer. O ambiente escolar pode fomentar a colaboração construtiva e ensinar habilidades de comunicação eficaz.
Com a tecnologia ao alcance das mãos, os membros da geração Alpha têm a oportunidade de explorar seus interesses e paixões, de maneira autônoma. O papel do professor também é incentivar a busca ativa pelo conhecimento e a autonomia no aprendizado.
As escolas podem adotar abordagens mais individualizadas, aproveitando a tecnologia para adaptar o currículo às preferências e ritmos de aprendizado dos alunos.
A geração alpha cresceu em um período de maior conscientização sobre questões ambientais. Promover a educação ambiental e incentivar práticas sustentáveis desde cedo é imprescindível.
O debate sobre gerações é puxado, geralmente, por empresas, pesquisadores e instituições que analisam o mercado de trabalho. Isso porque o choque geracional e os valores agregados de cada geração impacta diretamente sobre a produtividade e a gestão de pessoas.
Em se tratando do uso de inteligência artificial e como o mercado está inserindo as ferramentas nas rotinas diárias, o Brasil se destaca. Junto do Chile e do Uruguai, o País lidera o uso da inteligência artificial (IA) na América Latina, embora a região esteja longe do desenvolvimento alcançado pelos Estados Unidos ou pela Europa, segundo um relatório apoiado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e apresentado em setembro de 2024.
Pelo segundo ano consecutivo, o Chile ocupa a primeira posição no Índice Latino-Americano de Inteligência Artificial (Ilia), que mede a aplicação da IA em 19 países.
O relatório é elaborado desde 2023 pelo Centro Nacional de Inteligência Artificial do Chile (Cenia), com apoio da Cepal, da União Europeia, de empresas privadas e universidades.
Para a elaboração do índice, foram considerados o avanço da pesquisa, inovação e adoção da IA, assim como o nível de desenvolvimento da infraestrutura, dados e talento humano, entre outros itens.
Os resultados continuam colocando o Chile como o país onde mais se avançou em IA, com uma pontuação de 73,07 (em uma escala de 100), seguido pelo Brasil, com 69,3, e pelo Uruguai, com 64,98 pontos. Nos três países, "destacam-se os esforços em infraestrutura tecnológica, desenvolvimento de talento especializado, produtividade científica e capacidade de inovação", segundo a pesquisa.
Chile, Brasil e Uruguai "não apenas avançaram na implementação de tecnologias baseadas em IA, mas também estão orientando suas estratégias nacionais para a consolidação e expansão dessas tecnologias em todos os setores de sua economia e sociedade", destacou a pesquisa.
No entanto, em nível global, na América Latina "há muita vontade, muito interesse pela tecnologia, mas não há senso de urgência", afirmou Rodrigo Durán, diretor-executivo da Cenia. Uma das principais deficiências da região é sua incapacidade de desenvolver e reter profissionais especialistas em IA.
Embora nos últimos anos tenha aumentado o desenvolvimento de talento humano especializado em IA na América Latina, a região em geral continua "muito abaixo dos números do hemisfério norte" e "observa-se uma fuga de talento, que não é retido", enfatizou Durán.
"E para você, qual o principal desafio de educar uma geração que já nasceu nas telas? Eu sou Mateus Mota, repórter do O POVO+ e aqui você encontra muitos outros conteúdos sobre economia, comportamento e muito mais! "