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Bienal do Livro Ceará: o universo e o mercado da literatura para jovens
Reportagem Especial

Bienal do Livro Ceará: o universo e o mercado da literatura para jovens

Com a chegada da XV Bienal Internacional do Livro do Ceará, reavivando o amor pela leitura, como a juventude literária repensa e reinventa o futuro da leitura infantojuvenil e juvenil no Brasil?

Bienal do Livro Ceará: o universo e o mercado da literatura para jovens

Com a chegada da XV Bienal Internacional do Livro do Ceará, reavivando o amor pela leitura, como a juventude literária repensa e reinventa o futuro da leitura infantojuvenil e juvenil no Brasil?
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“Leitura é o único vício que não faz mal à saúde”, dizia Ziraldo — gênio das palavras, ícone da literatura infantojuvenil brasileira e pai-criador d’O Menino Maluquinho, aquele garoto de panela na cabeça e imaginação sem fim, que marcou gerações.

Ziraldo acreditava no poder dos livros como pontes para mundos novos, onde a fantasia e o aprendizado andam de mãos dadas. Para ele, ler era mais do que um hábito — era um portal para a liberdade, para a criatividade e para a infância eterna.

Movimentação de leitores nos stands de livros da Bienal no Centro de Eventos, em Fortaleza. Na foto, crianças e jovens examinam as obras(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Movimentação de leitores nos stands de livros da Bienal no Centro de Eventos, em Fortaleza. Na foto, crianças e jovens examinam as obras

Seus livros ensinaram que rir é tão importante quanto pensar, e que crescer pode (e deve) ser leve, mesmo em meio a dúvidas e travessuras. E é por isso que lembrar de Ziraldo é, ao mesmo tempo, lembrar do valor da leitura — esse “vício do bem” que alimenta a alma, transforma ideias e forma futuros.

Um ano do falecimento de Ziraldo, em 6 de abril de 2024, OPOVO+ conversou com jovens leitores e especialistas para entender se o futuro que o escritor sonhou, sem o fim do encantamento, é possível mesmo com a adultização da literatura.

 


“Todos temos uma infância dentro de nós”

Sarah Diva Ipiranga, professora de Literatura Brasileira do Curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará, doutora em Educação Brasileira e uma das organizadoras da XV Bienal Internacional do Livro do Ceará, acredita que a infância é uma condição humana atemporal, presente em todas as idades e essencial para a criatividade e a alegria.

Sarah Diva, professora de Literatura Brasileira da Uece e uma das curadoras da XV Bienal Internacional do Livro do Ceará(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Sarah Diva, professora de Literatura Brasileira da Uece e uma das curadoras da XV Bienal Internacional do Livro do Ceará

“Comportar-se como criança é ter um comportamento maravilhoso. O que é ter essa criança dentro de você? É permitir o riso, a brincadeira, a leveza, a imaginação, o brilho no olhar, a fantasia, a criação”, comenta.

A professora explica que, à medida que crescemos, voltamos nossos olhares a coisas menos infantis, comportamento que pode nos distanciar do encantamento e da criatividade. “A infância é uma janela que tem que ficar aberta para a vida inteira. Essa janela aberta da infância é o que conduz o homem a uma boa sabedoria”, completa.

Sabedoria que pode ser fortalecida por meio da leitura. Sarah reforça que os adultos deveriam ler mais sobre as delícias da infância, momento da vida em que somos capazes de enxergar cor onde só há o cinza.

“Então eu não vou ler porque aquilo ali é um mundo de uma imaginação incrível? Isso que nos distancia, que talvez nos faz ver o mundo menos feliz, menos alegre”, diz.

Ler com crianças e para as crianças é um momento de diversão que permite aos adultos ter uma reconexão com o ser que deixamos para trás ao crescer. Ser que pode ter diminuído, se escondido da adultice da vida, mas que permanece intacto em nosso interior sensível e humano.

“Todos temos uma infância dentro de nós”, por isso mesmo os adultos são encantados com a literatura para os jovens. Ler os livros que teoricamente são destinados unicamente às crianças nos transporta para uma parte da vida que fomos forçados a deixar para trás.

 


A diversão de ser criança estampada em cada página e corredor da XV Bienal do Livro do Ceará

Laís Feitosa tem nove anos e não foi capaz, nem mesmo quis, esconder a alegria de estar rodeada das histórias que ela mais gosta. Ao lado da mãe, Lidiana, e do irmão mais novo, Gustavo, na Bienal Internacional do Livro, ela compartilha sua paixão pela leitura, com o brilho nos olhos que só o vigor da infância permite.

“Eu gosto muito (de ler), já li livros de 217 páginas, gosto sempre dos maiores”, diz empolgada. Suas histórias favoritas são Diários de um Banana e As Aventuras de Mike, livros classificados no mercado como infantojuvenis.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 08-04-2025:Lidiane Feitosa e Filha Laís em movimentação de leitores e stands de livros durante a Bienal do livro no Centro de Eventos. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 08-04-2025:Lidiane Feitosa e Filha Laís em movimentação de leitores e stands de livros durante a Bienal do livro no Centro de Eventos. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

A mãe relata que, desde pequena, ela sempre gostou da leitura. Se não fosse lendo, era escutando. Lidiana Feitosa conta que a filha sempre pedia para que ela lesse antes de dormir e sempre escolhia os maiores, mesmo que não desse para lê-los até o fim antes da hora de deitar.

Encantada com o universo da XV Bienal do Livro do Ceará, Laís carregava animada sua Bíblia em Quadrinhos que adquiriu em um dos vários estandes de vendas do evento. Destinados a todos os mais variados tipos de leitores, o público infantil dominou vários setores das livrarias presentes no evento.

Crianças se divertiam entre as várias fileiras, folheando as incríveis histórias que a imaginação incansável da infância faz saltar das páginas para o mundo real. Leitores empolgados e compradores fiéis, as livrarias veem na literatura infantojuvenil um impulsionador de vendas.

 

Lista de livros infantojuvenil mais vendidos no Brasil

 

 

Um retrato do mercado da literatura infantojuvenil no Brasil

Quando analisamos o mercado literário brasileiro é possível perceber que entre 2022 e 2023, a produção de livros aumentou, mas a venda e o faturamento registraram uma baixa variação para menos.

Queda em vendas que podem estar diretamente relacionada aos altos preços. Conforme dados do Painel do Varejo de Livros no Brasil — pesquisa realizada pela Nielsen Book e divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) — o preço médio dos livros no Brasil em 2024 era de R$ 57,74.

Cenário que sofreu pouca alteração até fevereiro de 2025, com o preço médio do livro a R$ 57,65. O Sindicato Nacional dos Editores de Livros considera o mercado aquecido e mantém uma visão positiva para as vendas neste ano.

 

 Gráfico mostra cenário do mercado de livro infantojuvenil no Brasil

 

O estudante universitário Marcelo Fernandes se apaixonou pela leitura movido pelos sentimentos que ela traz: o prazer de mergulhar nos detalhes, de acompanhar uma história por semanas, algo que só os livros conseguem proporcionar.

Ele avalia o mercado literário, enquanto consumidor, como um universo cheio de altos e baixos. “Eu considero os valores altos, principalmente em livrarias físicas e entre os best-sellers e lançamentos, mas eu já vi muitos livros bons e baratos também”, comenta.

O jovem avalia que apesar de existirem livros caros, existem alternativas para driblar o valor e manter o hábito da leitra. Uma das principais formas que Marcelo encontrou de conciliar o amor pela literatura e a economia, foi acompanhando promoções por meio da internet.


Gráfico mostra o avanço das livrarias virtuais

 

 

A leitura na rede: como a internet amplifica a leitura entre jovens

Cearense apaixonada por livros, Annik Machado decidiu criar conteúdos literários para as redes sociais em 2021, quando uma das suas séries de livro favoritas foi adaptada para audiovisual.

Ela queria compartilhar com outras pessoas a empolgação de acompanhar uma saga que gostava, além de perceber no lançamento da telessérie uma oportunidade de levar mais pessoas para o mundo da leitura indicando livros relacionados.

Annik Machado é influencer de livros na internet(Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal)
Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal Annik Machado é influencer de livros na internet

Acumulando mais de 285 mil seguidores nas redes sociais e YouTube, atualmente ela faz resenhas, indica novas leituras e acompanha as novidades do mercado literário juvenil.

“A internet facilitou a vontade de me expressar a partir da literatura. A leitura faz parte de mim, poder expressar essa parte de mim para mais pessoas e conseguir incentivar mais pessoas a ler também é muito gratificante”, comenta.

Annik relata que, com o tempo, construiu uma relação importante com sua comunidade de leitores. Por meio deles, ela conhece novas leituras e pode aproximar-se de um mercado literário diverso, impulsionado por meio das redes.

 


Da leitura à escrita: a internet incentiva o surgimento de novos escritos

Escritora independente e criadora de conteúdos literários sobre ficção especulativa e sua relação com raça e gênero, Kinaya Black, pseudônimo de Gisele Sousa, começou na internet quando adentrou nas áreas acadêmicas da literatura por meio da faculdade de Letras.

Kinaya Black é autora independente e criadora de conteúdos literários (Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal)
Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal Kinaya Black é autora independente e criadora de conteúdos literários

Ela sentiu a necessidade de falar sobre sua experiência na faculdade no interior do Ceará. Como a leitura de livros é uma atividade central no curso de Letras, a jovem queria compartilhar essas experiências com mais pessoas.

Começou a falar de literatura há 10 anos, em 2015, quando criou um blogspot. Lá, começou a resenhar e indicar livros e atualmente continua nesse universo até hoje, conciliando a criação de conteúdo literário com a pesquisa acadêmica e a escrita literária.

“Para mim, estar na internet é muito sobre o acesso, sobre democratizar o acesso à literatura e ao conhecimento sobre narrativas negras”, comenta.

Escritora de dois livros, o Versos Livres como Nóis (2019) e o Eu Conheço Uzomi (2021), Kinaya utilizou os canais digitais para publicar e promover suas obras. “Quando meu segundo livro foi publicado, pela primeira vez foram mais de 1.000 downloads. Eu não imaginava que tanta gente queria ler uma história afrofuturista que se passa no sertão”, completa.

Para a escritora, publicar online a incentiva a continuar escrevendo, caminho antes restrito às grandes editoras que foi amplificado para escritores independentes, mas ainda tem um longo caminho a percorrer.

 

 

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