O potencial brasileiro na exploração de minerais críticos, especialmente de terras-raras, coloca o País no centro das movimentações do setor de mineração. Isso acelerou com a deflagração da guerra tarifária entre Estados Unidos e China.
Após a interposição de uma série de taxas para importação de produtos de ambos os mercados, os chineses tocaram onde "dói" nos norte-americanos: restringiram as exportações de Elementos de Terras-Raras (ETR), um mercado que eles dominam 90% do refino, afetando de forma direta diversos setores, principalmente o de tecnologia.
Elon Musk, CEO da Tesla, é um dos empresários que já manifestou preocupação com a oferta de insumos para abastecer sua companhia.
Um dos projetos afetados é o de criação de robôs humanoides da empresa, o Optimus. Em 24 de abril de 2025, Musk afirmou que tem tentado negociar diretamente com o governo chinês para superar a questão das restrições sobre ímãs desses minerais.
Além dos robôs humanoides, a medida afeta cadeias inteiras, como a de defesa, energia e tecnologias automotivas.
Terras-raras - diferente do que o nome indica - são um conjunto de elementos químicos abundantes na natureza, mas encontrados dispersos em outros minérios até bem pouco tempo mais atrativos comercialmente para o setor mineral.
Os países com as maiores reservas são a China, com 44 milhões de toneladas, seguida do Brasil e do Vietnã, que possuem 22 milhões de toneladas, depois vindo Rússia (12 milhões), Índia (6,9 milhões) e Austrália (3,4 milhões), conforme dados de 2018 do United States Geological Service (USGS).
Entre 2023 e 2024, a China ampliou sua extração de 255 mil toneladas para 270 mil toneladas. A seguir, na lista de maiores produtores, aparecem os Estados Unidos, com 45 mil toneladas (menos de 20% da capacidade chinesa). O Brasil explorou o equivalente a 140 toneladas, segundo a USGS (2025).
Apesar da grandiosa reserva, a exploração no Brasil ainda é incipiente. Enquanto a China apostou fortemente neste mercado há uma década, os projetos brasileiros mais relevantes são recentes e ocorrem nos estados de Goiás e em Minas Gerais (principalmente neodímio - Nd, Praseodímio - Pr, Térbio - Tb e Disprósio - Dy), além do Rio de Janeiro, que explora monazita, um fosfato de ETR (principalmente Cério - Ce, Lantânio - La, e Tório - Th) encontrado na areia de praias.
Terras-raras na tabela periódica - Os elementos e as indústrias interessadas
As aplicações tecnológicas são tão diversas quanto vitais para produção industrial de produtos como lâmpadas de LED, lasers, veículos elétricos, turbinas eólicas, superímãs presentes em discos rígidos de computadores e na separação de componentes do petróleo.
Dentro do cenário descrito, o Ceará tem atraído crescente interesse de investidores do setor mineral. Nos últimos dez anos, a quantidade de processos mineiros protocolados na Agência Nacional de Mineração (ANM) cresceu cerca de 240%, posicionando-o como um dos cinco estados mineradores do País na próxima década, atrás somente de estados com longa tradição, como Minas Gerais e Maranhão.
Dentre os minerais explorados alguns de grande valor econômico, como ouro, platina, ferro, cobre, manganês, grafita, urânio, fosfato, lítio, rochas ornamentais e gemas.
Agora, após mapeamento que identificou pelo menos quatro áreas com reservas de terras-raras, o interesse cresce - colocando o Ceará na lista de estados brasileiros com o maior potencial de exploração, conforme destacou o comentarista da Rádio O POVO CBN, Nazareno Albuquerque, no fim de abril.
Os dados apontam que os estados com a maior incidência de locais próprios são Minas Gerais (5 locais), seguido de Bahia, Espírito Santo e Ceará (4).
Pedidos de pesquisas em mineração no Brasil
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No Estado, as iniciativas mineiras estão em fase de prospecção, em que são realizados estudos para saber se há minério suficiente para extração comercial, nas regiões da Ibiapaba, Sertão Central e Vale do Jaguaribe.
Na indústria, o entendimento é de que o Brasil precisa urgentemente criar e aplicar uma política pública para minerais críticos. Sob a liderança do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), essas empresas trabalham para serem desenvolvidas ações de pesquisa mineral e fomento, por meio de incentivos fiscais.
"Uma política pública para minerais críticos é o fator-chave para ampliação da produção de terras-raras no Brasil", destaca a entidade em nota ao O POVO. O setor aguarda a tramitação do projeto de lei que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), na Câmara dos Deputados.
Tomás Figueiredo, ex-diretor da ANM na época de sua implantação, destaca que o Ceará está em uma fase inicial neste tipo de atividade extrativa.
Para ele, o Estado pode se aproveitar do fato de que a maioria dos minérios está em argilas iônicas, que visualmente parecem areia, e pode ser aproveitada a infraestrutura logística da Transnordestina e do Complexo do Pecém com Zona de Processamento de Exportações (ZPE), para aproveitar um movimento global de crescimento da demanda.
E pontua: "Com a atual configuração geopolítica, o mundo pode não querer depender 90% da China para o fornecimento. Isso pode abrir espaço para investimentos em refino em outros países, e o Brasil pode se posicionar bem nisso. É uma grande oportunidade".
Locais com maior incidência de extração de terras-raras
O Ceará possui 377 assentamentos de reforma agrária sobrepostos a interesses minerários. O número faz parte de levantamento do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAN) e se refere às áreas em que são estudadas jazidas de minérios no Estado.
Por ter em seu subsolo minerais estratégicos, como lítio, níquel e terras-raras, o interesse nacional e internacional instala-se sobre o Ceará.
Mas, na visão de ambientalistas, até que ponto essa geração de riquezas deve se sobrepor ao interesse social do povo que aqui habita.
Segundo Pedro D'Andrea, geógrafo do MAN e especialista em Conflitos Socioambientais/Territoriais, para que as áreas destinadas à reforma agrária virem jazidas de extração mineral, basta que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) autorize, revertendo a função social dos territórios.
"Essa pressão também vai afetar o solo, a agricultura, e principalmente a água. Estamos falando de minérios que exigem muita água para sua extração. O Chile é um exemplo claro disso — a guerra por água ligada à exploração de lítio é central lá."
No recorte de 2001 até 2022, a área de mineração no Ceará avançou 55 vezes, chegando a 4,1 milhões de hectares, o equivalente a cerca de 30% do território cearense - em áreas exploradas ou em pesquisa para isso acontecer.
Diante da questão, Pedro questiona o interesse na aceleração da atividade mineral no Ceará. Ele aponta que o Brasil já possui mais de 82% da sua matriz de produção elétrica advinda de fontes renováveis, sendo, portanto, um país que não precisaria de uma "transição energética".
"Essa transição é uma demanda internacional. Estamos colocando nosso subsolo à disposição para que outros países façam suas transições. E é preciso discutir isso", continua.
Pedro aponta ainda que o número de carros elétricos em circulação no mundo saltou de 700 mil, em 2013, para mais de 40 milhões, em 2024. Mas, questiona ele, ainda não se discute um modelo de transporte público sustentável a contento ou em como escoar a energia eólica produzida no Nordeste, que atualmente produz uma sobrecarga que exige limites de segurança na transmissão.
"A questão é: vamos continuar nessa lógica dependente? Exportando nossa riqueza bruta? Ou vamos construir um modelo que considere nossa soberania, com ciência, tecnologia e participação popular?", pontua.
Além de EUA, outros países observam atentos o mercado de ETR, como o Japão e os países da União Europeia.
Quais as substâncias encontradas?
O aumento da demanda por ETR no mundo por conta do processo de transição energética tem gerado uma corrida no Brasil. E o Ceará e outros estados do Nordeste são alvos de crescimento do interesse das empresas em pesquisas minerais.
Segundo levantamento da Associação Profissional dos Geólogos do Ceará (APGCE), o Ceará tem potencial para a ocorrência de terras-raras, com destaque para áreas em Solonópole e Irauçuba, onde foram encontradas anomalias de elementos como Cério (Ce) e Lantânio (La).
Pesquisadores da APGCE ainda apontam que essa descoberta deve beneficiar a futura indústria produtora de hidrogênio verde a ser instalada no Complexo Industrial e Portuário do Pecém.
Isso porque entre os principais usos e aplicações dos elementos, estão as ligas de lantânio que funcionam como esponjas de hidrogênio e são capazes de absorver até 400 vezes o seu volume de hidrogênio gasoso, propriedade importante para geração de hidrogênio verde, diz o estudo a que O POVO teve acesso.
Em termos de pesquisa mineral, destaque para a quantidade de estados do Nordeste envolvidos. Para o Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí, Paraíba e Pernambuco foram emitidas autorizações para pesquisas.
Em outros estados, como Pará, Amazonas, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, há empresas que buscam saber se as reservas têm viabilidade de extração comercial.
Em favor do Brasil, um diferencial técnico: as áreas exploráveis podem ser encontradas em areias monazíticas do litoral e principalmente em jazidas próximas a vulcões extintos.
Estudos recentes encontraram depósitos de ETR em forma de argilas de absorção iônica, que demanda custos menores de mineração e processamento. Bem diferente da realidade da exploração internacional, baseada em depósitos de rocha dura, que tem elevados custos, incluindo britagem e moagem.
Questionado sobre o impacto ambiental e social decorrente da maior atividade mineral, o Ibram destaca que o setor "tem demonstrado compromisso sólido com princípios de boas práticas nas áreas Ambiental, Social e Governança (ESG)" e que a ampliação da produção, sob a ótica da sustentabilidade, tem potencial para ampliar esse compromisso do setor.
"Os minérios críticos, incluindo as terras-raras, são um passaporte para o futuro (...) O Brasil é um dos países de maior diversidade e riqueza geológica do mundo, e as demandas crescentes por ETR têm ampliado as pesquisas e desenvolvimento de novos projetos. Portanto, a corrida geopolítica mundial envolvendo esses minerais críticos tem se mostrado como uma grande oportunidade para o Brasil."
Outros projetos de pesquisa, aqui na academia, também são realizados. Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) obtiveram resultados promissores em método de separação não poluente, baseado em nanotecnologia. A USP também desenvolve aplicações em iluminação, lasers, produção de aço, células solares, filtros de raios ultravioleta e catalisadores automotivos.
A Universidade ainda coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), que visa ao domínio de todas as etapas da cadeia produtiva da fabricação de superímãs de terras-raras, da mina ao ímã. Ou seja, a formação de uma cadeia produtiva completa e brasileira.
O papel do Ministério de Minas e Energia no fortalecimento da cadeia de mineração de terras-raras
Na mineração, quando os recursos são essenciais para setores estratégicos e enfrentam riscos de escassez ou dependência de poucos fornecedores, são considerados minerais críticos.
Nesta seara, há muita concentração nas cadeias de suprimentos de minerais críticos – a China, por exemplo, domina a produção de terras-raras e grafite, entre outras substâncias.
O Brasil tem 1/5 das reservas globais de vários minérios, como bauxita, manganês, terras-raras, e potencial para produzir em maior escala lítio, cobalto e fosfato, entre outros.
Esses minerais podem subsidiar o fortalecimento da transição energética no mundo. Em 2023, por exemplo, a energia solar cresceu 24%; a eólica 45%; e a eletrificação veicular 30%.
Neste mesmo período, a demanda por "minerais críticos" foi ainda maior, como lítio (crescimento de 56% em 2023); cobalto (crescimento de 40%), níquel, zinco e chumbo. E essa tendência de alta na demanda irá continuar.
Projeções da Agência Internacional de Energia indicam que, mesmo excluídos o aço e o alumínio, as estimativas quanto à demanda de insumos minerais para a transição energética, no cenário mais favorável de descarbonização, seria de 4 a 6 vezes os níveis de 2020, respectivamente, em 2040 e 2050. Mesmo considerando uma descarbonização mais lenta, estima-se uma demanda em 2040 duas vezes maior do que em 2020.
As terras-raras tem essa nomenclatura pela sua aparência e a definição representa um grupo de 17 elementos químicos, com propriedades muito semelhantes entre si, em termos de maleabilidade e resistência, que permitem aplicações diversas. A extração e principalmente o refino das terras-raras são, porém, altamente poluentes (especialmente na experiência asiática); por esta razão, cientistas estudam novos meios de exploração e novas aplicações que poluam menos.
Oficialmente, a exploração de terras-raras no Brasil começou em 1886, quando a primeira jazida de monazita foi descoberta na praia de Cumuruxatiba, na Bahia. Em 1915, o País era o maior fornecedor mundial do mineral, que é extraído da areia e era usado para produzir mantas incandescentes, permitindo assim que os lampiões de gás emitissem luz branca.
Riqueza mineral: potencial econômico e de exploração no Ceará