Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 começaram e bilhões de espectadores já se acomodam em seus assentos pelo mundo para acompanhar cada detalhe desse megaevento.
Países dos cinco continentes farão parte dos 329 eventos separados em 32 modalidades por 19 dias ininterruptos, de 24 de julho a 11 de agosto, nessas que serão as primeiras Olimpíadas a praticamente alcançarem a paridade de gênero em números — com mais de 11 mil atletas em uma proporção de 50% de homens e mulheres.
Mas Paris-2024 será importante também por outro motivo: em meio aos efeitos da crise climática que atinge níveis alarmantes, o Comitê Olímpico Internacional (COI) promete os Jogos mais sustentáveis da história.
Esta será a terceira vez das Olimpíadas na capital francesa após as edições de 1900 e 1924 e, desta vez, Paris planeja não apenas celebrar o talento atlético, mas também deixar um legado positivo para o planeta. Nesta edição, esporte e sustentabilidade devem subir ao pódio do maior evento esportivo mundial.
Se considerada sua magnitude, os Jogos já desempenham um papel que transcende a função original de celebração esportiva: seus efeitos reverberam por muito mais tempo do que as três semanas de duração e movimentam desde a economia até a dinâmica da cidade.
Com uma forte ênfase em práticas ambientais responsáveis, como o uso de materiais reciclados e arquitetura sustentável, Paris-2024 almeja definir novos padrões para eventos globais. Do cardápio às grandes estruturas e acomodações para atletas e público, uma série de medidas foi tomada para reduzir os impactos ambientais que as Olimpíadas normalmente têm.
Como isso acontecerá na prática? A parte estrutural dos Jogos é um dos principais destaques, já que 95% das locações são reutilizadas ou construídas temporariamente para o evento — incluindo o Stade de France e o Vélodrome de Saint-Quentin.
Além disso, estruturas e edifícios temporários foram construídos para serem facilmente desmontados, com materiais reutilizados em outros lugares após o evento.
Um exemplo é que após o término das Paralimpíadas, a Vila Olímpica — que contém 82 prédios — será convertida em espaço de escritórios para 6 mil trabalhadores e apartamentos para abrigar outras 6 mil pessoas, de acordo com os organizadores.
Paris-2024 não terá sua cerimônia de abertura em um estádio. Em vez disso, ela acontecerá no rio Sena, em uma medida que seu último relatório de sustentabilidade chama de "sem precedentes na história dos Jogos".
Para se ter uma ideia, nadar no rio Sena era proibido desde 1923 por riscos à saúde. Para os Jogos, R$ 8 bilhões foram investidos na revitalização do curso d'água a fim de que pudesse receber atletas de esportes aquáticos.
A organização dos jogos também buscou métodos mais inovadores para reduzir o impacto ambiental, como medalhas feitas de ferro reciclado, mesas de centro feitas de petecas de badminton recicladas e bóias semelhantes a drones para proteger ecossistemas delicados.
Outro destaque é a mobilidade, que vai desde a proximidade entre os espaços até a facilidade de acesso ao transporte público e o aumento das ciclovias.
Paris, que já se empenha há décadas para diminuir o uso de carros, investiu 65 milhões de euros nas chamadas "Olimpistas". São 60 quilômetros de novas ciclovias, mais ciclofaixas, postos de estacionamento e renovação da frota de bicicletas para que moradores e turistas se desloquem aos locais da competição e outros lugares da cidade tendo a "bike" como principal meio de locomoção
O único espaço desportivo permanente que Paris 2024 vai deixar é o Aquatics Centre, em Saint-Denis, um dos subúrbios historicamente empobrecidos do norte da cidade e que engloba o local escolhido para a Vila Olímpica.
A expectativa é dar uma nova vida a essa região e dissolver a fronteira que existe entre periferia e centro, por isso a Vila fica na junção de três bairros suburbanos: Saint-Denis, um bairro diversificado da classe trabalhadora e bastante associado ao crime e à insegurança; Saint-Ouen, que tem sofrido uma gentrificação rápida e progressiva; e Ile-Saint-Denis, uma ilha no rio Sena.
O Centro Aquático foi projetado para servir à comunidade local depois dos Jogos. Durante a competição, será mantido em boa parte pela energia gerada por painéis solares instalados em seu telhado. Todos os assentos são feitos de resíduos plásticos locais reciclados e a madeira está no coração do edifício.
Concebida como um bairro ecológico, a Vila Olímpica será transformada após os Jogos em um novo distrito residencial e comercial, fornecendo locais de trabalho e apartamentos para mais de 6 mil pessoas.
O evento se compromete a reciclar objetos frequentemente negligenciados como sinalizações e estruturas removíveis, enquanto elementos como pódios e mobiliário foram planejados desde a concepção até sua reutilização e reciclagem.
A inovação no uso de materiais também é evidente nos móveis, como as camas dos atletas feitas com base de papel reciclável reforçado e colchões de polímero produzidos a partir de redes de pesca recuperadas e recicladas.
Frente ao desafio de enfrentamento à emergência climática, as Olimpíadas de Paris tendem a estimular ainda mais um debate que já tem mobilizado todas as nações do globo pela necessidade de ações efetivas e urgentes de proteção ao meio ambiente.
Ao centralizar a pauta da sustentabilidade como anfitriã dos Jogos de 2024, Paris se tornou exemplo. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB), por exemplo, lançou o projeto Floresta Olímpica do Brasil, no estado do Amazonas.
A ação visa proporcionar o reflorestamento de aproximadamente 6,3 hectares de floresta em comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas. A iniciativa contou com o apoio de Rayssa Leal, skatista brasileira vice-campeã olímpica em Tóquio 2020.
Paris 2024: Atletas que representarão o Brasil nas Olimpíadas da França
Com o compromisso firmado de realizar as Olimpíadas "mais verdes de todos os tempos", a organização dos Jogos Olímpicos foi direta: não haverá ar-condicionado nos quartos dos atletas em Paris-2024.
Os prédios foram projetados com um sistema de resfriamento que retira água do subsolo e fachadas orientadas para receber pouco sol, mas não terão o sistema de condicionamento de ar.
Como pano de fundo, porém, estão questões ambientais mais amplas. Um dos maiores desafios a essa pretensão sustentável é o próprio clima: os Jogos acontecem durante o verão europeu, que tem registrado altas temperaturas nos últimos anos e bateu recordes em 2023.
A preocupação com o calor extremo fez com que alguns comitês olímpicos nacionais instalassem equipamentos próprios de ar-condicionado nas acomodações onde os esportistas descansam e se preparam para as provas.
Assim, o interesse de reduzir a emissão de gases que impactam negativamente no clima também coloca em evidência o quanto a pauta ambiental ganhou espaço nas agendas. A emergência climática, que antes era algo posto para o futuro, está completamente inserida no presente.
É o que destaca o físico e ambientalista Alexandre Costa, professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e referência no tema pelo ativismo climático e conhecimento na área de climatologia.
"A crise climática está inserida no presente e de uma maneira incontornável e impossível de fechar os olhos, na forma de eventos extremos como os que temos sofrido aqui no Brasil. Seja nas secas, nas enchentes ou em episódios como os que têm nos castigado fortemente. Mas não é só uma questão daqui, todos os países têm sentido isso. A própria Europa vem sofrendo com ondas de calor, números alarmantes de incêndios. Então é impossível não falar disso", coloca.
Costa lembra que os esportes são diretamente afetados por essas condições, já que os atletas das diversas modalidades esportivas disputadas na competição são impactados por situações adversas como o calor exorbitante.
Apesar da legitimidade dessa preocupação, o pesquisador ressalta que as Olimpíadas também recebem influência de interesses privados e patrocinadores que injetam "uma forte dose de
Com a agenda ESG (Environmental, Social and Governance, conjunto de práticas que envolvem questões ambientais, sociais e de governança) em crescente, iniciativas têm buscado cada vez mais mostrar que estão na linha — ainda que muitas não estejam.
Ele reforça que, para a realização e o acompanhamento dos Jogos, existe um enorme deslocamento de pessoas cujo transporte é feito por via aérea, e que "a queima de querosene de aviação produz dióxido de carbono que piora o efeito estufa". Por isso, os que os Jogos fazem é também uma compensação de carbono.
"Esse é um debate que a sociedade precisa travar, pois a compensação de carbono é um conceito extremamente problemático, para dizer o mínimo. É, aliás, um conceito que não se sustenta. A ideia é compensar o CO2 que foi lançado com a queima plantando árvores, mas existe uma diferença qualitativa fundamental entre esses dois estoques de carbono", desenvolve.
Antes de chegar às Olimpíadas, alguns momentos importantes envolvendo a capital francesa são citados pelo ambientalista.
É o caso da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 21), em 2015, quando foi estabelecido o
"
Os eventos esportivos de grande porte, na análise do professor, tendem a ter "vários problemas de natureza socioambiental".
Costa recorda que um dos legados da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, foi a remoção de comunidades periféricas de grandes centros urbanos para a construção de arenas e outras estruturas — como o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) em Fortaleza.
"Esses processos envolvem, portanto, violência, gastos e impactos ambientais desnecessários. Em geral, esses megaeventos esportivos são ambientalmente ruins, então ter isso lembrado em Paris é um avanço, mas com limitações da própria natureza desse tipo de evento. O enfrentamento da emergência climática precisa estar no topo das prioridades, no topo da agenda global", sobreleva.
Essa não é a primeira vez que um evento esportivo de grande porte como as Olimpíadas levanta a bandeira da sustentabilidade.
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020, por exemplo, foram adotadas diversas iniciativas como a confecção de medalhas a partir da reciclagem do lixo eletrônico descartado pela população japonesa e a alimentação da Tocha Olímpica por hidrogênio, que não emite dióxido de carbono quando queimado.
No Brasil, durante a Rio-2016, atletas depositaram em pequenos tubos sementes de 207 espécies da Mata Atlântica (algumas ameaçadas de extinção, como pau-brasil e cedro) para representar o número de países participantes e semear o que deveria se tornar a chamada Floresta dos Atletas — mais um legado positivo das Olimpíadas.
O anúncio foi feito para mais de 2 bilhões de pessoas que assistiam, ao vivo, a transmissão da cerimônia de abertura. As mudas foram depositadas em totens que formaram arcos olímpicos verdes no centro do Maracanã e deveriam ser plantadas para crescerem no Parque Radical, em Deodoro, na zona oeste do Rio de Janeiro. Mas a ideia não germinou.
40 meses se passaram e a floresta nunca virou realidade. Apesar de a promessa integrar o catálogo oficial dos Jogos Olímpicos, o comitê da Rio 2016, empresa criada para gerir o evento, informou em 2018 que não havia sido assinado o contrato para o plantio. Em março de 2019, a companhia declarou falência.
O projeto ficou esquecido depois dos Jogos e as plantas só foram mantidas porque o grupo empresarial responsável pelas mudas decidiu custear a manutenção delas durante mais de três anos.
A edição, aliás, foi marcada por suspeitas de corrupção e desvio de dinheiro. Para sediar o evento em solo carioca, foram investidos aproximadamente US$ 13 bilhões.
Nesse sentido, os Jogos Olímpicos de Paris também se projetam como mais sustentáveis — financeiramente falando: com gasto estimado de cerca de US$ 9,1 bilhões (aproximadamente R$ 50,8 bilhões), esses devem os Jogos mais baratos dos últimos 20 anos — atrás somente de Sydney, em 2000, quando US$ 8,1 bilhões foram investidos.
O orçamento pode ser justificado pelo fato de que o governo francês construiu somente 5% das estruturas que serão utilizadas: a Vila Olímpica, que deve custar cerca de € 1,5 bilhão (R$ 9 bilhões), o Centro Aquático — única obra construída do zero (estimado em € 175 milhões, o equivalente a R$ 1 bilhão) — e uma arena de ginástica ao custo de € 138 milhões (em torno de R$ 836 milhões).
Investimentos dos países nas Olimpíadas nos últimos 20 anos (em bilhões de US$)
Os outros 95% das estruturas já existiam ou são removíveis — como a arena de vôlei de praia, por exemplo, erguida no Campo de Marte, que será desmontada após o término dos Jogos.
O mais caro entre os jogos de verão foi o evento em Pequim, em 2008, que custou US$ 52,7 bilhões.
"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"