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A miúda ilha das raposas
Foto de Demitri Túlio
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Repórter especial e cronista do O POVO. Vencedor de mais de 40 prêmios de jornalismo, entre eles Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Embratel, Vladimir Herzog e seis prêmios Esso. É também autor de teatro e de literatura infantil, com mais de dez publicações.

A miúda ilha das raposas

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De repente, as raposas do Parque do Cocó passaram a fazer parte das "selfies" de visitantes no interior e no entorno das trilhas da Sebastião de Abreu. Além da extensão do Adail Barreto.

"Selfies" é modo de dizer. Na verdade, uso o estrangeirismo para dizer que viraram habitués nos registros fotográficos e de vídeo. Antes, só conseguido por pesquisadores com a instalação de armadilhas fotográficas ou algum encontro sortudo.

Tem uma história boa de topar, durante um passeio no Parque, com uma ou mais raposas. Porém, também há um lado preocupante no aumento do número de flagrantes do animal.

De hábito noturno, a raposa-da-caatinga ou cachorro-do-mato (Cerdocyon thus) é um dos últimos mamíferos que ainda resiste à extinção na Cidade do que restou de floresta despedaçada na extensão do rio Cocó.

Ali, no despedaço das trilhas da Sebastião de Abreu, é uma miúda ilha verde. Resquício de um bioma robusto de mangue, dunas e tabuleiros. Hoje arrodeada por um marzão de asfalto, veículos, shoppings, oficinas, condomínios de luxo, supermercados, lojas...

Os bichos que restaram na unidade de conservação estadual, demarcada há dois anos por Camilo Santana, não deixaram de sofrer o risco de desaparecer daquela zona de Fortaleza inchada.

A extinção de uma espécie se dá assim: minimizada pelo poder público, invisível para muitos habitantes humanos e uma covardia com outros seres vivos que também têm direito à Cidade.

Seus habitats vão sendo exterminados, desmatados de "tantin em tantin" ou numa chibatada. E o bicho corre do trator, foge da motosserra, escapa do machado...

Exila-se onde acha que ainda pode escapar da devastação.

Mas vem outra obra sem discussões sustentáveis e o bicho é tangido novamente. Até que um dia não tem mais para onde ir e ele, quando não desaparece, vira um "favelado ambiental" na Cidade desenvolvida.

E passa a se virar numa busca por comida dentro de uma cadeia alimentar totalmente desequilibrada.

No caso das raposas, em dez anos de andanças e registros fotográficos na Sebastião de Abreu, tenho anotado o seguinte. Muitos de seus alimentos findaram ou estão mais raros nas trilhas cortadas por avenidas. O crustáceo, por exemplo, sumiu de três locais importantes onde antes havia abundância.

Em compensação para o ruim, e uma prova interferência danosa do homem na teia alimentar desse mamífero, aumentou a oferta de comida de gato no interior e no entorno das trilhas.

Quase todos os flagrantes fotográficos e de vídeos feitos por caminhantes do Parque e por pesquisadores apontam para a presença das raposas, agora, nas áreas ilegais de alimentação de gatos. E durante o dia.

Famintos, ou já se acostumando com a oferta indiscriminada de ração dos bichanos, as raposas estão frequentes nos locais proibidos para permanência e alimentação de animais domésticos abandonados.

É massa ver as raposas! Mas é grave a Secretaria do Meio Ambiente do Ceará rejeitar uma recomendação do Conselho Gestor do Parque para que a Polícia Ambiental não permita a alimentação de gatos, pelo menos, na área interna das trilhas. Já é um equívoco ter gatis na Unidade de Conservação.

É assim que se contribui para extinção de espécies num resto de floresta urbanizada. A ração dos gatos também aumentou a presença dos pombos.

Os dois anos de demarcação do Parque é motivo de comemoração. Mas a delimitação das poligonais requer para a Unidade de Conservação tratamento como tal. Mesmo que cause melindre com quem aprofunda o desequilíbrio no Parque do Cocó.

Ou então, é faz de conta a Unidade de Conservação. E, daqui a pouco, por causa da fragilidade do que resta de floresta, teremos apenas uma grande praça com calçadões, concreto e umas arvorezinhas. Só pra dizer que temos um parque ecológico.

Foto do Demitri Túlio

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