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Bairro, paisagem e imagem
Foto de Romeu Duarte
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Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC, é especialista nas áreas de História da Arquitetura e do Urbanismo, Teoria de Arquitetura e Urbanismo, Projeto de Arquitetura e Urbanismo e Patrimônio Cultural Edificado. Escreve para o Vida & Arte desde 2012.

Bairro, paisagem e imagem

À turma de IAU 2019.1 e às memórias de Kevin Lynch e Gordon Cullen

Diz o dicionário, preciso: "Bairro: Cada uma das partes principais em que se localiza a população de uma cidade; Porção de território de uma povoação, mais ou menos separada; Arrabalde; Subúrbio". Quando tinha tempo e alguma disposição para andar numa Fortaleza mais tranquila e menos violenta, um dos meus passatempos favoritos era percorrer os bairros desta Loura Recortada de Sol. Descer pelo Joaquim Távora, entrar no São João do Tauape, saber-se no Bairro de Fátima, descobrir-se na Vila União. Munido de caderneta, lapiseira e borracha, já estudante de arquitetura, desenhava edifícios, praças, avenidas em perspectiva, becos e ruelas simpáticas, um detalhe mais insinuante, jardins e pomares. Cabeça, olho e mão. Assim, atento, me preparava para meu ofício.

Ao mesmo tempo, exercia a plenitude dos sentidos para ler, compreender e interpretar a minha cidade, intuição alimentada por tanta página de livro, pacto estabelecido entre a sinestesia e o conhecimento. Adorava sentir que saía de um bairro e entrava em outro, o Centro do comércio findando e o Jacarecanga das mansões nascendo, o esnobe Meireles se transformando na boêmia Praia de Iracema. Pressentir as imagens mutantes dos elementos urbanos: a Praça do Ferreira, marco e nó, os rios Ceará e Cocó, limites e caminhos, minha cara Base Aérea, torrão e barreira, Benfica, lugar com cheiro e gosto de caninha, chácara e gol. Meu projeto: conhecer Fortaleza mediante um passeio pela sua história e por seu corpo para depois, quem sabe, nela intervir. Ah, doce ilusão...

Hoje, minha cidade, inchada e gigante, não se dá mais assim, não se deixa mais ser lida assim tão fácil. Bairros, enclaves, comunidades surgem do dia para a noite, impondo-nos uma constante atualização de sua geografia. Territórios que antes se nos abriam generosos e mansos atualmente mandam que abaixemos o vidro e desliguemos os faróis, armados até os dentes. O tal do patrimônio, que no passado servia para caracterizar as porções desta pobre urbe, some a olhos vistos. Brigamos por acessibilidade pedestre universal numa cidade cada vez mais projetada para o automóvel. Um a um, nossos poucos passos se perdem em descaminhos que nos levam do nada a lugar nenhum. Corremos de nós mesmos, numa senda de ódio e intolerância. Pega!

Contudo, como entender uma cidade se não a palmilharmos? Deixemos de lado o homenzinho amarelo do Google Maps, criemos coragem, recobremos o afeto e voltemos a bater perna por aí decifrando a paisagem urbana, feito exploradores citadinos. Seria pedir muito? De pronto, proponho uma maratona pelos botequins fortalezenses, ou melhor, uma "baratona", combinando flânerie e birita qual um Proust engarrafado. Daríamos um baita trabalho para o Detran e a Guarda Municipal, é certo, porém desvendaríamos, sabe Deus, uma outra cidade. Do Bar do Nonato à Embaixada da Cachaça via Bar do Camocim, Bar Vitória, Raimundo do Queijo, Cantinho do Frango e Alpendre, um possível percurso etílico. Quem topa? Haja pernas e fígado. Vamos, sigam-me os bons!

Foto do Romeu Duarte

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