Um caranguejo vivo, de água doce, encontrado em área de floresta úmida no Geopark Araripe, no Ceará. A descoberta dos pesquisadores Alysson Pontes, da Universidade Regional do Cariri, e de Willian Santana, da Universidade do Sagrado Coração (USC), de Bauru (SP), fugiu dos padrões dos achados na Bacia do Araripe. Lugar guardião de um universo paralelo revelado em fósseis de animais, plantas e outras criaturas da pré-história do planeta.
O kingleya attenboroughi ou "caranguejo do Araripe", já descoberto na categoria "em risco de extinção" em dois riachos de Barbalha, é mais uma janela para explicações e ensinamentos sobre a relação entre o esgotamento de reservas de água, destruição de florestas no Semiárido e o desaparecimento de espécies. O crustáceo foi descrito no artigo científico "Uma nova e ameaçada espécie de Kingsleya Ortmann, 1897 (Crustacea: Decapoda: Brachyura: Pseudothelphusidae) do Ceará, Nordeste do Brasil".
Por falar em perda de biodiversidade, pelo menos sete fósseis de crustáceos da Bacia do Araripe foram descritos até hoje. São quatro camarões e três caranguejos descobertos na Chapada do Araripe entre o Ceará e Pernambuco. Dois dos caranguejos pré-históricos foram apresentados à comunidade científica este ano, o Exucarcinus gonzagai e Romualdocarcinus salesi.
O biólogo, pós-doutor pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo e atual diretor do Museu de Paleontologia de Santana do Cariri, Alysson Pontes Pinheiro, dialoga sobre o que pode significar a ocorrência do kingleya attenboroughi bem longe do mar e a possível ligação com floresta Amazônica. Além de contar também sobre outra pesquisa que faz uma ponte entre o Geopark Araripe à fósseis encontrados no gelo da Antártica. (Demitri Túlio)
O POVO - O senhor e o professor Willian Santana descobriram um caranguejo de água doce num ambiente de floresta úmida, no Geopark Araripe. Em que fase está a pesquisa?
Allysson Pontes - O Kingsleya attenboroughi foi descoberto há pouco mais de três anos (abril de 2016) em riachos do distrito de Arajara, município de Barbalha. Alertamos para a previsão de que o caranguejo deveria já estar em risco de extinção. Desde então tentamos obter maiores informações sobre o animal e desenvolvemos trabalhos de pesquisa junto às comunidades sobre os usos do caranguejo, para avaliar os impactos sobre sua distribuição para compreender onde ele de fato está presente e quais os riscos e o que favorece sua presença.
OP - O caranguejo está em todos os leitos de água doce de Barbalha?
Allyson Pontes - O que sabemos é que ele está presente em apenas dois riachos da região. O que é pouquíssimo e confirma seu status inicial de em perigo de extinção, afetado especialmente pela redução dos corpos hídricos e expansão imobiliária. A população mais próxima da área de ocorrência tem respondido positivamente às conversas sobre a necessidade de preservação do animal e boas iniciativas, inclusive, de empreendimentos privados próximos ao local de ocorrência têm surgido.
OP - O que significa a presença dele no Geopark Araripe?
Allyson Pontes - Do ponto de vista da ciência, a descoberta nos ajuda a entender a história da evolução do clima e da paisagem da América do Sul. O caranguejo faz parte de um grupo amazônico, essa informação confirma que, ao longo da história do planeta, as variações do clima fizeram com que, em algum momento, a floresta Amazônica se estendesse até o que é hoje a Chapada do Araripe. Outra informação interessante e importante é que, possivelmente, os riachos onde o Caranguejo do Araripe é encontrado são os únicos que permaneceram com água continua dezenas de milhares de anos, período estimado do fim da última glaciação.
OP - O senhor e o paleontólogo Álamo Saraiva estão descrevendo um fóssil de lagosta na Antártica. Que espécie é essa?
Allyson Pontes - Estamos colaborando com o Museu Nacional em um projeto que estuda fósseis da Antártica. Foi coletado bastante material de crustáceos que está sendo analisado e, em breve, deveremos apresentar novidades. O material estudado é um pouco mais recente do que o do Araripe, cerca de 70 milhões de anos. Não posso adiantar mais detalhes até que o achado tenha sido cientificamente aceito.
OP - Por qual motivo os pesquisadores do Geopark Araripe foram convidados para integrar a pesquisa?
Allyson Pontes - Fomos convidados a compor a equipe do Museu Nacional em virtude da experiência comprovada pelo grupo da Universidade Regional do Cariri em trabalhar com crustáceos fósseis. Ainda são poucos os pesquisadores brasileiros que se dedicam a este grupo fóssil. O projeto do Museu Nacional chama-se PaleoAntar. É coordenado pelo atual diretor do Museu Nacional, o professor Alexander Kellner, que é colaborador de longa data da Urca e do Geopark Araripe. O Projeto está em pleno desenvolvimento, já ocorreram quatro idas ao continente gelado, das quais uma eu tive a oportunidade de participar. Muito material foi coletado e trazido para o Museu Nacional. O projeto tinha foco inicial em vertebrados fósseis, especialidade do professor Kellner. No entanto, foi ampliado para contemplar outros aspectos em virtude da quantidade e qualidade do material encontrado.
CRUSTÁCEOS DESCRITOS NA BACIA DO ARARIPE
Camarões
Beurlenia araripensis (Martins Neto e Mezzalira, 1991)
Paleomattea deliciosa (Maisey e Carvalho, 1995)
Kellnerius jamacaruensis (Santana Pinheiro, da Silva Saraiva, 2013)
Araripenaeus timidus (Pinheiro, Saraiva e Santana, 2014)
Caranguejo
Araripecarcinus ferreirae (Martins Neto, 1987)
Exucarcinus gonzagai (Ludmila Cadeira do Prado, 2019)
Romualdocarcinus salesi(Ludmila Cadeira do Prado, 2019)